quarta-feira, dezembro 03, 2008

Um cachorro na esquina


Ontem fim de tarde. Esquina da Heitor Penteado com a Pereira Leite. Farol fechado na minha pista, para pegar a descida da Pereira. Na direita, zilhões de carros e buzões indo pra Lapa ou Cerro Corá. Foi quando o vi. Um cachorro felpudo (tipo sheepdog, mas metade do tamanho) com cara triste, muito triste, olhava caladão, parado-sentado em frente de uma portinha pequena e detonada ao lado de um muro sujo. Devia se tratar de um cão humilde, de dono que não tava nem aí pra dar um banho no meninão acinzentado. E, com aquele olhar triste, e com a fachada deteriorada daquele lugar (de onde ele parecia vir), desconfiei que o bicho não recebia muita atenção, carinho e cuidado. Comecei a viajar, vendo a calma e pose de estátua do bicho, sobre a estupidez e loucura daquele monte de carros e pessoas com pressa e mal humor dentro da maioria dos veículos.

O que o cão devia pensar da vida apressada, estressada e cinzenta dos paulistanos? Qual o sentido de estarmos sempre em movimento, mas sentados dentro de um estúpido carro ou ônibus, veículos ou sem graça (o carro é a solidão em 4 rodas e anda cada vez mais caro) ou desconfortáveis e ultra barulhentos (buzão)? Sorte de quem pode curtir o conforto e barulhinho gostoso do metrô, que ainda permite ver as pessoas, até dar uma secada na mulherada, mas isso, claro, longe do horário de pico e das proximidades das estações Paraíso ou Sé... e longe do isolamento dos mps3´s e iPods, esses castradores do contato e relacionamento humano, mas isso é assunto pra outro post...

Volto ao cão e seu olhar triste de desconsolo com si próprio e com essa neurótica humanidade da grande cidade. A visão que levaria pra minha casa seria de tristeza e pena, de nós e do bichinho, mas aí eles apareceram. A pé, claro. Ele, aquele típico sangue bom de bem com a vida, andando com uma mulher e fazendo-a sorrir. Ela, uma bela gata que sabe sorrir fácil e sincera. Pois ela passou do lado do bichinho, falou algo com ele e foi então que o cão mais triste do mundo deu o olhar mais bonito e doce do mundo. Ele virou o pescoço, ela seguia falando com ele enquanto caminhava e o olhar do bichinho era uma explosão de amor à primeira vista e carinho pidão.

O sinal abriu, tive que vazar. Mas tenho certeza que aquela bela moça, em todos os sentidos (até na blusa amarela alegre que usava), retornou um passo e fez um cafuné gostoso e inesquecível no bichinho. Depois ela teve que voltar ao seu trabalho e o cãozinho deve ter ficado parado ali na frente daquela portinha horas e horas esperando-a voltar.

Ela não volta e ele tem que voltar, se arrastando e com o velho olhar triste, pra dentro daquela portinha toda zoada e mal cuidada. Ou fica parado de novo olhando a estupidez e violência do transito e dos humanos (?) que não falam com ele nem dão uma paradinha pra lhe fazer um agrado.

Eta vida besta. Mas, graças a Deus, o mundo voltará a girar quando outra bela mulher ou criança pura parar naquela esquina para acarinhar o cachorro que parecia um santo abandonado esperando para que se provasse que a humanidade está perdida de vez ou ainda tem salvação.

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