O caso deve ser único no futebol mundial, do jogador já
vendido que em vez de se resguardar, passa a jogar com uma coragem e uma
determinação maior. Do jovem que em vez de se poupar, sonhando já com a fortuna
que fará na Europa, simplesmente não pensa no futuro e apenas se agarra com uma
paixão extraordinária, rara, ao clube que o revelou, ao clube que aprendeu a
amar. O que Lucas fez neste segundo semestre de 2012 é por isso tudo uma das
mais belas histórias de amor de um atleta à camisa que defendia. E imaginem
como ele deve ter enfrentado e ignorado a influência de muitas vozes ligadas ao
seu staff profissional pessoal - sobretudo seu empresário, velha raposa do
mundo da bola – para jogar desse jeito, com algo maior que a já imensa palavra
coragem.
Sim, algo mais elevado que coragem foi o que entregou nos
gramados esse menino que mesmo vendido passou a partir pra cima com ainda mais vontade
pra cima de seus marcadores, e ainda não tirou o pé das divididas, e deu
combate recuperando muitas bolas – início de contra-ataques mortais.
Algo mais elevado fez o menino que, diferente de muitas promessas
só pra agradar a torcida, típicas das estrelas do futebol, realmente lutou com
tudo e mais do que podia por um título. Mais do que podia porque o Lucas antes
de ser negociado era já um talento enorme, mas não ainda esse guerreiro de
filme medieval a enfrentar no peito, na canela e na raça a fúria e selvageria
dos inimigos.
Esse algo que Lucas deixou no gramado do Morumbi e nas
arenas sangrentas do Chile e Argentina sob a conivência de árbitros medíocres,
foi aquele sentimento quase extinto no futebol, o velho amor à camisa. Não
aquele amor da boca pra fora pra seduzir a arquibancada e a mídia, mas um
legítimo, nobre e digno sentimento verdadeiro.
Um amor verdadeiro que ele não conseguiu esconder ao ficar
um tempão pra deixar o gramado do CT da Barra Funda no seu último treino. Ele
simplesmente não queria deixar o campo. Simplesmente não queria ir embora, como
transpareceu em mais uma despedida, a sua última entrevista no CT. Ali,
emocionado, ele revelava em sua face transparente, sincera, o quanto amava o
seu São Paulo. Por isso, quando alguns de seus companheiros invadiram a
entrevista, ele não conteve as lágrimas, mesmo em meio à imaturidade e
deselegância dos colegas, que em vez de apenas lhe darem um abraço, deram-lhe
um banho e alguns tapas na cabeça. Graças que pelo menos o comportamento
juvenil (típico de jogadores de futebol brasileiros...) logo virou apenas abraços
e um bonito choro coletivo.
Falando em coletivo, em grupo, até nisso o amor enorme e
sincero de Lucas pelo São Paulo nesses últimos meses o mudou para melhor. Se
antes ele abusava do individualismo e não levantava a cabeça – e por isso o
criticamos bastante - a sensação de que sua despedida estava se aproximando o
fez olhar mais para os companheiros e ganhar espírito de grupo dentro de campo
(fora ele sempre teve esse espírito). Adicionando a isso a mão de Ney Franco em
prol desse jogo coletivo (e bem jogando, valorizando a arte e a posse de bola),
Lucas cresceu tanto que foi capaz de dar aquela maravilhosa assistência para
Osvaldo fazer o gol do título da Sul-Americana.
Isso que é amor: um menino que vira homem e um jogador que
escuta, aprende e evolui porque deseja o melhor para o seu clube, para o seu
amor.
Um dos amores mais dignos e puros que o futebol e nosso São
Paulo já viram. Um amor sem gestos e declarações ensaiadas. Um amor tão
apaixonado em campo quanto racional, equilibrado, de um garoto que mesmo
tomando mais pancadas que qualquer um de seus companheiros, jamais revidou um
pontapé, jamais revidou uma agressão.
Fez isso tudo porque quem ama de verdade não deixa seu amor
sozinho.
Obrigado por nos amar com tanta beleza e verdade.
Obrigado por nos reconduzir ao lugar mágico do qual tínhamos
tanta saudade.
Obrigado por ajudar a transformar um grupo apático em uma
equipe aguerrida e impregnada daquilo intraduzível chamado alma.
A alma de um legítimo fabuloso campeão e ser humano com que
você contagiou nosso time até esse título que você nos prometeu e entregou, dentro de campo.
Fica agora um vazio perigoso.
Porque nossa maior arma foi embora e metade do nosso
coração.
Que a outra metade, nosso capitão generoso (nobre atitude,
repetindo Puyol, de homenagear um companheiro na hora de levantar a taça)
semeie na equipe os maravilhosos sentimentos e ações que você nos ensinou
nesses meses inesquecíveis.
Adeus, Lucas.
Adeus, Sãopaulino.
(PS – Menção especial ao irmão coragem de Lucas neste São
Paulo: Osvaldo. Um jogador pouco badalado, mas que como Lucas nas horas mais
difíceis e sangrentas, se agiganta, aparece, enfrenta a carnificina sem
reclamar e ainda é capaz de fazer gols maravilhosos, quase impossíveis como aquele
toque sutil por cobertura quase sem ângulo do gol que decretou nosso título e
enterrou de vez o adversário mais sujo e violento que tivemos em nossa história).