sexta-feira, maio 29, 2009

A rebelião das ondas


Já esperava ondas pequenas. Era o último suspiro do swell do fim de semana. Mas o mais importante era o verbo vital para os surfistas: eu esperava. Sabia que elas estariam lá.
Surfistas têm fé.
Surfistas sonham. Mesmo que o sonho seja tão banal – para os não-surfistas – quanto desejar alguns presentes ondulatórios para começar bem a semana.
O caso é que chegando lá - já cansado porque a viagem não é tão curta e o corpo e a mente estão sempre cansados do sono atrasado e conturbado – o desgaste físico sumiu com as meninas bem pertinho. Sim, mesmo numa maré cheia, o mar chamava, “vem brincar, moleque!”, mesmo se o moleque já varou os 40. E certo, as meninas eram pequeninas, mas com uma formação perfeita de desenho animado, e longas.
Longas como são toda boa session de surf. Longas porque nos levam muito mais longe que os reféns do cotidiano de escritório jamais vão entender se não pegarem um cavalo de fibra – a prancha – e galoparem oceano adentro como o menino que um dia foram sobre um cavalo de pau cheio de vida.
A vida que há na imaginação e fantasia.
A vida que há quando somos totalmente preenchidos de um outro mundo chamado mar.
O mar que fala através de palavras, brincadeiras e passeios chamados ondas.
O mar que hipnotiza com as cores que computador, sites ou videogames jamais conseguirão imitar: as cores do entardecer das segundas-feiras ao mar.
As cores da rebeldia que é surfar enquanto a maioria luta contra a insuportável retomada da rotina, compromissos, prazos e relação com chefes.

A rebeldia que é ter como chefe a vida.
A rebeldia que é estar sozinho no mar enquanto o mundo deve trabalhar.
Não há nada que um bom dia de surfe não cure é o clichê mais batido da história do surfe. Mas tão real como é a verdade de estarmos mais vivos dentro do mar. Tão real quanto o surfe ser meu remédio fundamental para suportar a vida sem seu elemento vital, o amor.
Por isso, surfo.
Por isso, resisto.
Por isso ainda sorrio, como um moleque, quando percebo que no entardecer de minha praia amada eu só consigo ver a tela maravilhosa do entardecer atrás do morro quando surfo de backside.
De costas para a onda.
De costas para o sistema.
De costas para a normalidade.
Ali e naquele instante, no finzinho da segundona brava do mundo que anda para o lado dos poderosos que mandam, um surfista sorria e gritava alucinado só porque surfava sozinho com a mesma convicção do nosso poeta maior:
PARA A ESQUERDA!

quarta-feira, maio 27, 2009

Campeões da Vida


Não foi a vitória “apenas” do futebol arte e da forma de jogar mais bela que há neste planeta. Não foi apenas um canto sinfônico de passes perfeitos e envolventes, conseguindo a proeza de unir prosa, poesia, matemática, pintura, música etc. A prosa e geometria das tabelas, triangulações, craques dialogando entre si; a poesia-pintura dos passes milimétricos - frutos de talento, originalidade e coragem para descobrir e servir os companheiros na cara do gol; a poesia dos dribles sensacionais de seus artistas; a orquestra musical em cada ação-blitz em conjunto de seus fantásticos meias e atacantes que jogam de forma solidária. Uma forma bem diferente do individualismo, por exemplo, da maior estrela do time inglês, Cristiano Ronaldo.

Não foram apenas as jogadas, tão bem tramadas quanto imprevisíveis nos movimentos - quase uma dança - de Xavi, Iniesta, Messi, Henry, Eto´o e companhia. Não foi apenas um domínio absoluto (“um massacre” até para o habitualmente comedido comentarista PVC, da ESPN), verdadeiro baile humilhante em cima do atordoado Manchester o que o Barcelona exibiu hoje em Roma. Sim, a palavra correta é mesmo “exibiu”, porque o Barça resgatou o futebol dos sonhos; um futebol fiel à escola de toque de bola com arte que há mais de 30 anos é o estilo deste clube. Um estilo implantado pelo gênio holandês, Cruyjff, primeiro como atacante do Barça, nos anos 70, depois como treinador.

Aliás, muito mais que um estilo, a beleza do jogo do Barcelona parece estar em seu próprio DNA. Mais que isso, em sua alma.

A alma de um futebol que transcende o próprio futebol. Pois as partidas-espetáculos do Barça são aulas de como jogar-viver no ataque a partir da bola rolada de pé em pé. Rolada, não, ofertada. Dada para o companheiro como um presente. Presentes que reunidos transformam-se nas obras de arte que parecem cada bela jogada do Barcelona. De como jogar-viver com coragem, partindo para cima do adversário com a arrebatadora fúria da beleza. A fúria de homens que sabem que a arte - quando expressada com habilidade, técnica e amor – vence qualquer barreira. Barreiras como o outrora poderoso Manchester, “um time mais equilibrado, forte e favorito” para muitos comentaristas antes desta final.
Para o bem do futebol e da vida, os comentaristas estavam errados. Venceu hoje o time mais belo, corajoso e imaginativo.

É sempre uma dádiva ver a vitória de tantos artistas juntos.

É sempre maravilhosa a vitória da fantasia e da arte nesses tempos tão covardes e pragmáticos.
PS - Número de faltas cometidas pelo Barcelona na decisão: 7 (!)
Porcentagem de passes acertados pelo Xavi: 93% (!) (em 77 passes)

domingo, maio 24, 2009

A temporada dele


Tanto atacante teve chance com Dunga, até o Afonso... Tanto cara mais badalado, como Robinho, o inútil do Manchester City ou o Luís Fabiano, aquele que vai sumir na hora h, como fazia no São Paulo quando mais precisavam dele. Falo do brasileiro que fez a temporada mais sensacional na Europa: o ágil, forte e impiedoso Grafite; ágil como uma pantera, avassalador como um tanque de guerra; preciso como um herói chamado para salvar aquelas cidadezinhas de faroeste antigo. O Grafite que fez incríveis 28 gols no Campeonato Alemão 2008/09 e que liderou o pequenino Wolfsburg no primeiro título alemão de sua história, confirmado neste sábado. O Grafite que fez até agora o gol mais bonito do ano na histórica goleada do seu time frente o poderoso Bayern de Munique. O Grafite que é o dono de Wolfsburg junto do capitão da equipe, o também brasileiro Josué. O Grafite que um dia foi alvo de racismo quando jogava pelo São Paulo e teve a coragem de denunciar seu agressor e levá-lo preso (o argentino Desábato, então jogador do Quilmes) na Libertadores de 2005. O Grafite que dava o sangue pelo São Paulo que ajudou a fazer um belo início daquela Libertadores que venceu (2005) antes de ser vendido ao exterior.
O Grafite que é herói agora no país que foi no passado um dos mais racistas da história graças àquele maluco facínora de bigodinho...
O Grafite que venceu com garra, talento e gols. Que venceu com a arte do gol antológico que reproduzo abaixo (o vídeo demora um pouquinho a rolar, mas começa):

quarta-feira, maio 20, 2009

Surfistas e Vagabundos

Segunda brava. Session nervosa, o primeiro drop já derruba sem dó, pescoço batendo forte. Ondas rápidas fechando um pouco. Algumas – poucas – belas paredes encontradas; raras pílulas de aceleração máxima e aquarela permitindo vários desenhos lá embaixo e esboços de pancadas lá em cima. Quase no fim da session, o corpo moído já pede o até logo e o chuveiro quente perto do anoitecer.
A solidão no pico também incomoda. Companhia no outside? Ninguém. Mas eis que o laranja e o dourado agem feito um imã no horizonte. O sol se põe com beleza de fotografia de filme de cinema. Aquele céu pede uma saideira digna como um copo erguido em homenagem a alguém. Remava e remava e tomava uma onda atrás da outra na cabeça, numa sequência humilhante. Mas havia aquela luz, não conseguia desistir. Pow! Mais um soco na cabeça, desisto. Viro em direção à praia e pego qualquer onda já meio estourada, típica última onda indigna. Mas o que é indigno quando podemos estar lá fora sozinhos mas preenchidos da luz única do entardecer? O que é uma session meia boca perto da dádiva de ter o corpo arrebentado, a pele salgada e a alma sempre elevada após algumas ondas, mesmo que poucas surfadas? Existe alguma chance de estarmos lá fora - ora surfando, ora apanhando – e isso não nos levantar o astral e a sensação de estar vivendo? Existe alguma chance de encaramos águas frias junto de nossos cavalos de fibra de vidro - enquanto outros estão trabalhando ou deitados no cobertor - e isso não ser uma experiência positiva?
Nenhuma chance. A session mais tosca de surfe sempre será uma experiência de vida maravilhosa perto do que a maioria das pessoas estão fazendo em seus cotidianos repetitivamente infernais e competitivos.
E há sempre aquele gostinho meio marginal do surfe em plena 2ª feira.
Vagabundo é quem deixa a vida e as ondas passarem esperando aquela viagenzinha de fim de ano (no verão sem ondas...) que você e a torcida do Flamengo programaram pra mesma praia.
Vagabundo é quem não faz de cada semana é uma viagem profunda.
Por isso, se o bolso vazio não permite que você surfe, jogue-se em outras ondas. Pegue um pedacinho da 2ª (ou 3ª, 4ª...) e faça dele uma viagem. Mas tem que ser na fronteira entre o dia e a noite. Tem que ser na hora em que parece que o tempo para antes da escuridão chegar. Tem que ter a cor alaranjada da vida mais bela possível.

domingo, maio 17, 2009

Barcelona x Ditadura


Barcelona, Espanha, 1974. A ditadura do general Franco, um dos mais terríveis facínoras da história, segue perseguindo sem dó os opositores do governo, ainda na mais na Barcelona que defende até um outro idioma do povo local, o catalão. Quem luta contra os carrascos de Franco é gente como o jovem Salvador Puig, que roubava bancos para arrumar dinheiro para a revolução contra os militares. O filme “Salvador”, depois da hora inicial lenta e arrastada, torna-se uma obra envolvente e dramática ao mostrar o idealismo de Salva Puig e sua coragem para seguir resistindo mesmo já preso. E na prisão ainda há a bela humanização do guarda que primeiro considera Salva apenas um assassino (em legítima defesa, de um policial) e depois estabelece uma tocante amizade com o jovem revolucionário.
O filme é ainda uma poderosa amostra da resistência que os catalães de Barcelona ofereceram contra o assassino governo de Franco. Impedidos de falar catalão ou protestar por um país livre e justo, os catalães só tinham duas saídas: suportar a ditadura ou enfrentá-la. Mas mesmo os que não lutavam, tinham 90 minutos de sonho a cada vez que o time de futebol do Barcelona jogava em casa, no estádio de Camp Nou. Só ali dentro as dezenas de milhares de torcedores do Barca podiam cantar e falar livremente e cantar no idioma de seus corações: o catalão. Nem um Hitler espanhol como Franco tinha coragem de mandar matar 100 mil rebeldes do Barça durante uma partida de futebol. Se bem que matar milhares Franco já tinha feito ao permitir que seus aliados nazistas bombardeassem Guernica (no país basco, outra região espanhola que queria exprimir-se livremente em oiutro idioma). Ali Hitler testou os armamentos dos caças alemães, em 1936, episódio que seria eternizado com horror e arte por Pablo Picasso.
Voltando ao filme, no 1974 em que Salvador Puig foi preso (e condenado à morte), o Barça lavou a alma de seu povo ao enfiar 5 a 1 na equipe protegida do general, o Real Madrid... Esse jogo, em que brilhou o gênio holandês Cruyjff, é citado no filme “Salvador”, que traz uma poderosa interpretação em sua hora final do ator que já fez outros filmes políticos e anti-sistema, “Edukators” e “Adeus Lênin”.
Por que ver? Todo bom filme que relembra e denuncia uma ditadura é vital nesse mundo sem memória, especialmente o Brasil. E vejam abaixo um histórico show no estádio do Barça, no mesmo 1974, em que o cantor libertário LL Lach entoa um canto-símbolo da resistência contra o fascismo, "I si canto trist". Percebam as bandeiras da Catalunha e a emoção do povo de Barcelona naqueles anos negros de repressão.

quinta-feira, maio 14, 2009

Aulas vivas


Escolas são em geral lugares chatos e monótonos entupidos de livros didáticos e lousas repletas de teorias. A frase "peguem o livro" (o didático, de cada disciplina) é o pesadelo de 9 em cada 10 alunos. Por isso tento fugir disso. Se o livro ainda é obrigatório, procuro toda semana também usar outros meios. Ou deixar que outros professores deem essas aulas. Professores como um cara que partiu 15 anos atrás.
Incrível o poder de Ayrton Senna, mesmo se visto na tela pequenina de um notebook em uma aula na escola. Incrível como suas façanhas na pista e exemplos, como piloto e ser humano, resistem ao tempo. Enquanto passava uma reportagem antiga do Jornal Nacional sobre ele em uma classe, logo algumas cabeças, de outras turmas, apareceram na janela. Cabeças e corações que também queriam ver Senna. Por isso deixei o herói acelerar e ensinar nas outras turmas também. Por isso meninos e meninas que não haviam nascido quando ele corria, puderam aprender mais com o mito. E incrível como ficaram calados, mesmo os mais bagunceiros. Essa é a educação em que acredito: deixar grandes mestres falarem diretamente aos meus alunos, por vídeos, filmes, textos de jornais, canções etc.
Sei que a teoria e um pouco de técnica (no meu caso, de Redação) ajudam a escrever melhor. Mas nenhuma aula teórica de narrativa ou dissertação suscitaria a mesma percepção e vontade em meus alunos que essa aula que o Senna deu ontem e hoje em minha escola paulistana. Ao final dos vídeos, coloquei algumas perguntas na lousa e alguns alunos perguntaram: em vez de responder cada pergunta, posso escrever uma redação?
Isso os dinossauros teóricos jamais entenderão: para um jovem gostar de escrever, ele precisa, sobretudo, se envolver, se emocionar, se entusiasmar. Só aprende quem ama.
Nunca vi um texto sobre Ayrton Senna em um livro didático...

quarta-feira, maio 13, 2009

O santo mais humano


Como admirar um ídolo do clube rival odiado? Como não ficar p... da vida com o cara que salva o time que a gente não suporta da desclassificação da Libertadores? Como não estragar a noite de sono de nós, secadores? A resposta é Marcão, um imenso goleiro e ser humano. Um cara maior que suas defesas fantásticas. Um raro ídolo e homem exemplar dentro e fora de campo. Bom, homem é pouco às vezes, porque ontem, ressurgiu de novo em sua alma lutadora um herói antigo: São Marcos.
Ontem, em plena Ilha do Retiro, Recife, a cada defesa difícil que ele fazia, atirando-se para espalmar a bola e depois caindo no chão, sua dor e sofrimento era visível. A dor de um corpo castigado por uma longa carreira e diversas fraturas no passado. Ontem essas defesas foram várias. Pelo menos três milagres no tempo normal e depois os pênaltis que defendeu (bom, esses foram mais fáceis, porque das 3 defesas, 2 vieram de jogadores do Sport que simplesmente tremeram ao ver o enorme Marcão na frente).
Marcos já podia ter parado de jogar futebol faz tempo. Campeão do mundo com a Seleção em 2002 (pegando muito em todo o Mundial, inclusive no difícil início de final contra a Alemanha). Campeão de quase tudo com o Palmeiras, incluindo uma Libertadores que ele garantiu nos pênaltis (1999, contra o Deportivo Cáli). Um campeão que depois se estourou de tudo quanto é jeito, com as fraturas. E fraturas, quando se é um atleta com mais de 30 anos, é coisa muito dura de encarar.
Mas Marcos encarou tudo e voltou a jogar em alto nível. Voltou a ser santo. E levou seu limitado Palmeiras às quartas de final do torneio mais duro do mundo, a Libertadores.

segunda-feira, maio 11, 2009

Por que o rock pode salvar vidas


Sim, o show do Oasis não foi fantástico como aquela eletrizante apresentação de três anos atrás, quando o vendaval que caiu sobre o estacionamento do Credicard Hall veio também em forma de músicas cantadas, tocadas e sentidas com emoção máxima. Mas, como um dia aprendi com minha mãe, o que vale nessa vida são os instantes. E cabe a nós experimentar com entrega total os momentos mágicos que a memória mais bela jamais nos deixará esquecer.
Instantes como o Wonderwall cantada em uníssono por 25 mil vozes enquanto amplificávamos o som com o velho e valioso recurso das mãos espalmadas em volta das orelhas.
Instantes como o rock and roll cru sem frescuras e enrolação que o Oasis sempre oferece, em canções que não duram muitos minutos mas que perduram (e como é bom não ter que aturar aqueles intermináveis solos de bateria que muitas bandas insistem em mandar enquanto o resto da banda vai descansar ou encher a cara).
Instantes como os pulos e olhos brilhando da companheira de anos e anos de shows, ela que entende que um show é muito melhor que um headphone e um aparelhinho individual e individualista que não permite as emoções compartilhadas e a emoção multiplicada por milhares de decibéis das caixas de som e fãs.

Instantes como a tempestade bizarra que nos pegou indo ao metrô, a caminho do Anhembi, mas que depois virou apenas risada porque no show mesmo só fomos inundados das emoções tão simples como belas do rock puro dos rapazes de Manchester. Instantes como aquele já esperado comentário divertido deles sobre a chuva insana que caíra antes e que virara apenas uma suportável chuva fina: “fuckin rain”, “it´s like Manchester” disse Liam.
Instantes como a balada das baladas, Don´t Look Back In Anger, cantada e sentida com uma intensidade tão grande que parecíamos estar dentro dessa canção. E isso, estar dentro de uma canção, só é possível quando a ouvimos junto da banda, ao vivo, e das milhares de pessoas que comungam sentimentos parecidos. Instantes como sabermos que um verso dessa mesma canção está errado para muita gente, “don´t put you life in the hands of a rock and roll band”, não coloque sua vida nas mãos de uma banda de rock and roll. Coloco sim, porque nos dias mais tristes e sós, ou nas comemorações mais gostosas e felizes, não conheço nada mais sinônimo de dor ou alegria que uma grande canção de rock de uma banda que amamos. Porque o rock compartilha nossas quedas, traduzindo-as em palavras e melodias e também nos faz levantar e vibrar como um canto ou riff de guitarra apaixonado.
Instantes como aquela longa caminhada de dezenas de roqueiros-amantes da vida, voltando felizes ao metrô Tietê depois de mais um simples e inesquecível show de rock. Show de vida. Show da vida porque sábado os irmãos Gallagher ajudaram de novo a erguer a cabeça e o coração de quem andava por baixo. O rock legítimo sempre consegue essa façanha.
PS - Só faltou a presença da “terceira elementa”, aquela que sabe tão bem o que é dividir emoções em instantes como esses.


A comunhão que só um grande show oferece

sábado, maio 09, 2009

Canção de Amor


The Cure - Love Song



Era uma vez uma menina que amava o mar. O mar que levava no nome e olhos profundos como onda longa que de repente se abre num paredão sem fim. O mar do qual guardava a liberdade, que sempre buscou; a imensidão, em seus sonhos; e a beleza, na sua vocação para a arte em desenhos combinados com palavras raras. Desenhos quase líquidos como os olhos dela no dia em que se despediu de uma turma especial, após uma tarde mágica num quintal farto em verde. Verde das amizades mais bonitas da juventude. As amizades que ela percebeu amar, depois que se permitiu amar um lugar e país onde não queria estar no início, o Brasil.
Quando ela aceitou amar aquele pequeno lugar e pessoas comuns mas especiais, a onda se completou. Uma onda tão azul como a beleza-sede de aprender de uma moça que um dia me disse que não queria terminar um livro porque era bonito demais. Ela não queria chegar ao fim, queria viajar, sonhar e sentir mais nas páginas do romance mais belo que conheço.
Um romance, claro, com o nome e amor dela já no título, Mar Morto, do inesquecível Jorge Amado.
Pena que um dia chegou ao final.
Pena que um dia voltou ao seu país.
Pena que a gente já sabia o que ia acontecer. Já sabíamos que o mar de sua terra não cuidaria bem dela.
Pena que ela, ainda jovem demais, não sabia que o frio das águas de sua terra não era apenas físico. Pena que o frio tenha a machucado tanto.
Era uma vez uma menina que nos mostrou uma das mais belas canções de amor da história, uma canção que transforma o afeto, carinho e querer bem em algo que podemos sentir intensamente. Uma canção que combinava com a voz doce e papo gostoso dessa menina que amava a vida.
Era uma vez uma menina que foi embora mas que nunca esquecemos. Talvez porque pensar nela é pensar no futuro e saber que um dia ela voltará para os nossos cuidados e amor. Um amor sincero daqueles que saberão abraçá-la como a melodia e palavras desta canção maravilhosa, Love song, do The Cure.
The Cure. A cura.
As canções que amamos devem ter um significado maior. Devem ter alguma relação secreta com a nossa felicidade.
Volta, moça.
Temos sal, água, azul, canções, livros, filmes e silver tape (fita adesiva) de nosso próprio coração para remendar cada pedacinho de seus sonhos partidos.
Estamos sempre prontos pra te receber como a onda que espera passear com seu surfista preferido-querido.

sexta-feira, maio 08, 2009

O respeito e a beleza tão longe de casa


Spike Lee, o cineasta da denúncia da intolerância, acertou de novo. Milagre em Santa Anna mostra o conflito entre o horror da guerra - e dos homens que a comandam - com a dignidade de alguns raros soldados, oficiais e civis que tentam lutar com decência na II Guerra Mundial. Com realismo brutal e também fé e magia-esperança infantil, Lee conta a história de um grupo de soldados negros e chicanos (descendentes de latinos) americanos em campanha contra os alemães na Itália durante a II Guerra Mundial. Negros e chicanos que ocupam a linha de frente de seus pelotões de propósito, servindo como escudos para os demais soldados, brancos, que vêm mais atrás.
Além de servirem de cobaias e escudos, esses soldados ainda são maltratados por seus superiores. O filme inicia com um ataque americano a uma posição alemã em que o pelotão de frente é abandonado por seu exército no meio do confronto. Acuados e praticamente entregues ao inimigo, esses quase suicidas (não por vontade própria) são massacrados pelos alemães. Por sorte, quatro dos soldados sobrevivem e acabam encontrando um raro vilarejo, na belíssima região da Toscana italiana, ainda não ocupado pelos homens de Hitler, que avança rapidamente pelo país.
Nesse intervalo de combate, Spike Lee inicia um misto de fábula e filme de guerra temperados com um amizade parecida com a do filme À Espera de um Milagre – em que Tom Hanks viveu um homem bom que dirige um presídio com homens condenados à morte. A amizade de Milagre em Santa Anna vem do menino órfão italiano, Ângelo, que se envolve e ganha a proteção de Train, um enorme soldado negro americano com a mesma alma pura de criança daquele imenso preso com poderes mágicos do filme de Tom Hanks.
Os 4 soldados, três negros e um filho de portorriquenhos, vão interagir com um acolhedor grupo de velhos italianos e uma bela mulher, Renata, e também com alguns homens da resistência italiana, os partisans, que vivem de emboscadas contra os alemães no meio das florestas e montanhas.
A beleza, e também descrença humana suscitada pelo filme, vem do respeito com que esses soldados são tratados pelos italianos, bem diferente do que eles recebem de seu próprio exército e país, os EUA da época em que os negros sofriam todo tipo de racismo. Junto do menino abençoado e dos moradores de uma pequena vila vizinha ao povoado de Santa Anna, os soldados vão descobrir que são gente como qualquer outra, com direito à dignidade, afeto e amor.
O problema é que os alemães estão cada vez mais próximos. Mas mesmo na situação sem saída desses 4 homens e alguns rebeldes partisans cercados pelos alemães, mesmo na impossibilidade da vitória, Milagre de Santa Anna oferece algumas cenas e atitudes de uma grandeza humana chocante. A resistência - contra o mal e a selvageria - dos 4 soldados, dos civis italianos, de alguns oficiais dos americanos e alemães, nos acompanham muito tempo depois de sairmos do cinema. Mesmo no impasse de destruição da guerra, Spike Lee mostra a bravura e beleza de alguns raros homens e mulheres decentes no meio da estupidez e maldade da guerra. O filme pode ser longo demais (mais de 2h e 30), pode ter algumas cenas dispensáveis, como a do início e do desfecho, mas ao final percebemos o valor e permanência dessa verdadeira ópera de batalhas, raiva, amor e fantasia que Spike Lee criou. Uma ópera de guerra longa mas com algumas cenas e gestos humanos inesquecíveis.

quarta-feira, maio 06, 2009

Para o futebol não morrer


O futebol quase morreu hoje em Londres, graças ao tão poderoso quanto covarde milionário time do Chelsea. Dono de um belíssimo elenco e grandes nomes como Terry, Lampard, Drogba, entre outros, o Chelsea simplesmente abdicou de jogar bola porque acreditava que só se defendendo poderia eliminar o Barcelona, time dos sonhos de qualquer verdadeiro amante da bola. Por isso, como já tinham feito na Espanha, os ingleses armaram uma retranca pesadíssima. O gol que fizeram no comecinho (um sem pulo de Essien tão sensacional quanto raro, um em um milhão) fez o Chelsea se retrair ainda mais e esperar o Barca o jogo todo. Esperar, marcar, marcar e marcar. O pequeno gênio Messi fez muito pouco durante 92 minutos (o jogo teve 93...) porque teve um homem grudado nele a partida inteira. Eto´o também foi perseguido implacavelmente em qualquer canto do campo, assim como o homem da criação inicial, Xavi. Para piorar, o pistoleiro elegante, Henri, sentiu o joelho e nem foi pro jogo. Assim foram anuladas quase todas as peças principais do Barça. Quase todas, porque havia um herói conseguindo, mesmo tão marcado, empurra seu time à frente, Iniesta.
Um herói que não era percebido na transmissão fria e calculista da ESPN, que elogiava seguidamente a marcação impecável do Chelsea: Não paravam de repetir isso: “Bacana como um time consegue se defender tão bem, com tanta organização, e como eles sabem fazer isso sem dar chutão.” O que a ESPN não dizia era como era covarde essa tática, como era o anti-futebol. Como uma eliminação do Barca seria um retrocesso para o futebol. Retrocesso porque os malas da ESPN ainda falaram o absurdo de que “é bacana ver times que sabem se defender bem, e vários estão conseguindo fazer isso”. Desculpem o palavrão, mas porra!, deveríamos é valorizar quem valoriza a bola, o ataque, a busca do gol, e não esse maldito esquema medroso.
Por não agüentar mais a ESPN, mudei para a Record, e fui surpreendido de cara por uma comentarista que apontava Iniesta como o grande nome do jogo (na TV a cabo o melhor era Essien). E ela acertou em cheio quando aos 48 minutos do 2º tempo, nos descontos (de 4 minutos), Eto´o perdeu uma bola para Essien mas este furou bisonhamente, a bola sobrou para Messi, que rolou para o canhão do grande herói Iniesta: uma paulada no ângulo que empatou o jogo e colocou o Barcelona na grande final.
Conclusão 1: Um mero marcador é um mero marcador. Essien pode ser um leão, saber apoiar com vigor o ataque, e ainda fez um golaço (não repetirá isso em anos e anos) mas no lance capital do jogo, furou uma bola ridícula, que sobrou para Messi...
Conclusão 2: Messi não ganhou quase uma bola, mas quando teve a bola 7 no taco, deixou Iniesta na boca do gol.
Conclusão 3: Mais valeu um grande jogador que não cansa de atacar que outros que preocupam-se apenas em destruir. Iniesta jamais desistiu. Por isso fez esse gol histórico. Um gol que salvou o futebol. Com tantos idiotas a defender o futebol de destruição, a maior paixão do planeta iria tender cada vez mais para os esquemas mais defensivos cada o Chelsea passasse.
“Justiça poética”, essa a expressão com que concluiu com perfeição a comentarista da Record (Milly Lacombe) o que foi esse gol e a conquista do Barça.

domingo, maio 03, 2009

Barcelona: O mais belo da história


O que eles fazem é muito mais que futebol. É arte. Todas juntas. Uma arte que brilha tanto coletivamente como individualmente. A arte que está na genética e alma do Barcelona, esse clube que sempre foi um monumento ao futebol jogado com beleza e alma a partir de sua marca maior: o toque de bola. O toque que antes brilhara ao máximo nos anos do holandês Cruyjff – como jogador e depois treinador, comandando os geniais Stoichkov e Romário; e um pouco quando Ronaldinho Gaúcho, bem ajudado por Deco, jogou com coração, e não com a vaidade que está acabando com sua carreira. Pois esse Barcelona de hoje, do corajoso treinador Pep Guardiola, ex-líbero de fino trato, supera bastante os anteriores pois já vem jogando dessa forma há quase uma temporada inteira. Jogando como se cada partida fosse um show inesquecível aos seus torcedores (não deveriam pensar assim os amantes do futebol?).
A arte começa com esse baixinho épico, Xavi. Verdadeiro homem-esquadra, que empurra seu time à frente com passes maravilhosos só capazes por craques visionários que ele é. E Xavi ainda tem uma vontade imparável, que o leva a roubar bolas e armar contra-ataques mortais, como no terceiro gol do Barca frente o Real (ah, foi a 6 a 2, em plena Madrid, contra um Real que vencera 17 das suas últimas 18 partidas...). A arte que prossegue em outro poeta do passe, Iniesta. Quando Xavi ou Iniesta tem a bola no meio-campo ou perto da intermediária inimiga, logo criarão passes perfeitos e rápidos, além de triangulações envolventes, que deixarão os infernais solistas e cantores do gol, Messi, Henri e Eto´o na cara do gol. E esse trio é implacável. E sabe servir um ao outro com rara solidariedade em super-craques. E preciso falar da genialidade e multiplicação em campo desse monstruoso Lionel Messi?
Há muitos e muitos anos um time não jogava com tanta beleza, arte e fúria goleadora. Uma fúria única e original como um trator passando por cima das terras adversárias com a leveza de grupo de ballet e velocidade de vídeo-game. Com a grandeza de todas as artes - poesia, música, ballet, pintura, escultura, cinema etc - juntas. Ou não é uma pintura cada trama e gol do Barça? Ou não é poesia o jeito esmerado e refinado com que eles tocam e batem na bola? Ou não é um teatro romântico a conversa que eles fazem com os pés e seus passes que aproximam os barcelonistas e iludem os rivais? Ou não é uma escultura sagrada em homenagem ao futebol arte o conjunto da obra dessa equipe a cada recital como esse 6 a 2? Ou não é um show de música, perceber tantas peças trabalhando-brilhando juntas com emoção e habilidade, vontade e amor? Ou não é um filme épico a temporada 2008/09 deste Barça insquecível?
Pensava que nunca mais iria ver um futebol tão belo como o do Flamengo de Leandro, Júnior, Andrade, Adílio, Zico, Nunes e cia; o Brasil de Telê, Cerezzo, Falcão, Sócrates, Zico, Éder e outros craques da Copa de 82 ou o São Paulo de Telê, Leonardo, Cerezzo, Cafu, Palhinha, Muller e Raí. Mas o que o Barcelona de Xavi, Iniesta, Messi, Henri e Eto´o anda fazendo o coloca definitivamente no rol das mais belas equipes da história.
Acompanhem os gols e entendam como este Barcelona é uma homenagem viva à magia e fantasia de um futebol que parecia não existir mais.

PS - Pena que tenhamos que fazer malabarismos para assisti-lo no Campeonato Espanhol (não passa nos canais normais da ESPN, que passa todos os outros jogos desse certame, e os do Barca, deixa para seu caríssimo canal na Sky, vai entender...). Mas quem quiser ver o Barça na reta final do Espanhol, é só acessar o link abaixo:

http://www.eugeniosvirtual.com/televirtual/jogos_vivo.html

sexta-feira, maio 01, 2009

15 anos sem o herói maior


“Senna era um cara especial porque tinha uma verdadeira preocupação em transmitir valores e idéias que foi forjando a partir de um universo besta e, na real, minúsculo e irrelevante, como é a F-1. É uma capacidade
admirável, essa de extrair das corridas lições e ensinamentos que valham alguma coisa fora de um autódromo.
Revi Ayrton meio por acaso e de passagem na tevê, eu estava almoçando com um olho, ajudando meu filho mais velho a fazer a lição com outro e... Ayrton dava um depoimento não sei bem com qual propósito, mas pesquei uma ou outra palavra, amor, trabalho, dedicação, luta, vencedor, e ele não falava de F-1, mas da vida. Pastores e picaretas que ganham dinheiro com auto-ajuda dizem coisas parecidas na tevê, mas,num certo momento, meu olhar cruzou com o dele na tevê, e naqueles olhos vi sinceridade e franqueza.
Ele não precisava falar isso, mas falava.”
(Flávio Gomes, Lance!, 23/10/03, citado no livro Heróis do Esporte, Heróis da Vida)

Em 1º de maio de 1994, o Brasil e o Mundo não perderam apenas um piloto e ídolo da F-1. Perderam um herói legítimo, aquele capaz de proezas extraordinárias nas pistas ao mesmo tempo em que, fora delas, demonstrava os mais nobres valores. Valores não só do super-campeão que ultrapassava todos os limites como piloto, mas de sua postura rara de ídolo que procurava ensinar algo belo ao brasileiro comum. Algo como o seu apreço à perseverança, trabalho incansável, metas bem definidas, humildade no trato com as pessoas (nunca, por exemplo, um piloto foi tão querido pelos mecânicos de uma equipe de F-1, que Senna tratava como companheiros) e, algo raro, o amor não apenas ao seu país e bandeira, mas ao seu povo. O povo brasileiro que ele ajudava (hospitais, instituições) sem propagandear, sem faturar em cima com um bom-mocismo marketeiro comum em outras grandes estrelas. Essa brasilidade verdadeira (e não só de Copa do Mundo e Carnaval) de Ayrton Senna da Silva era tão forte que, meses antes de morrer, revelou a irmã, Viviane, o desejo de fazer algo maior pelas nossas crianças e jovens.
Aquela fatídica curva de Ímola interrompeu seu sonho. Mas Viviane, uma legítima guerreira do clã dos Sennas, seis meses depois, em novembro de 1994, lançou o Instituto Ayrton Senna, que hoje é a entidade não governamental que mais atende crianças em todo o país, dando uma formação educacional, esportiva, artística e cultural a milhões de meninos e meninas nos 26 estados do país.
Hoje, 15 anos depois de sua morte, mesmo em um país sem muito apreço a memória como o nosso, Ayrton Senna ainda é o herói maior dos jovens brasileiros, à frente de Kaká e Felipe Massa, como mostra uma recente pesquisa do Ibope com jovens de 15 a 19 anos. Um herói porque Senna nunca foi apenas um gênio do esporte. Sua última atitude como o raro ser humano que foi o mundo não pôde conhecer. Descobri isso apenas ontem, na ótima coluna de Flávio Gomes, no jornal Lance. Junto ao corpo sem vida do brasileiro no autódromo de Ímola, descobriram em seu macacão de piloto uma bandeira dobradinha. Do Brasil? Não, da Áustria. Senna queria homenagear o austríaco que perdera a vida nos treinos para a corrida de Ímola e o abalara demais. Tanto que Senna pensou em não correr. Mas o destino o levaria embora, não dos corações que nunca o esqueceram ou que aprenderam a amá-lo mesmo sem viverem em sua época.
Alguns jovens que descobriram Senna depois de sua morte, ou que eram muito novos na época do acidente, coloquei em meu livro, Heróis do Esporte, Heróis da Vida. Quem quiser ler seus depoimentos sobre o valor de Senna, que estão na introdução do livro (“Um herói brasileiro”), clique no link abaixo, que também permite ver o índice e prefácio do livro.
http://tinyurl.com/d2gyu9
Quem quiser conhecer um pouco mais de Senna por ele mesmo, pode entrar em outro link, um especial do site Terra que resgatou frases históricas do herói:
http://tinyurl.com/cdf5rv