quarta-feira, junho 30, 2010

O adeus de um herói


O goleiro português Eduardo é um herói. Herói pelas brilhantes defesas que fez ontem contra a poderosa Espanha. Herói porque foi ele o homem que mais resistiu em uma seleção acovardada como a sua*, covardia que some no arrojo, coragem e capacidade neste que já é um dos melhores "guarda-redes" portugueses da história. História, sim, pois Eduardo não tomara nenhum gol na 1ª fase (nem do Brasil) e ontem, quase barrou esse eletrizante e imperdoável atacante espanhol e artilheiro da Copa, David Villa. Sim, o 1 Luso pegou a primeira bola cara a cara com Villa, só não conseguiu segurar o rebote, quando a malícia e habilidade do espanhol colocaram a bola por cima do português. Este foi o único gol que Eduardo sofreu em toda a Copa, e por ele seu Portugal foi eliminado. Por isso o goleiro chorou inconsolável ao final da partida. Enquanto seus colegas, como executivos frios acostumados a perderem grandes negócios, mostravam apenas um abatimento tênue, Eduardo não conseguia erguer-se do gramado e de suas lágrimas. Porque Eduardo, que defende a meta do pequenino Braga, do seu Portugal, ainda não foi contaminado pela globalização e “profissionalismo” do mundo da bola. Porque Eduardo não tem um salário milionário que atropela os sentimentos e a alma. Por isso ele é um herói, por ser ainda um jogador à moda antiga. Um jogador que sofre de verdade com uma derrota terrível. Ou não é terrível ver seu sonho desmoronar após tomar um mísero mas definitivo gol na Copa do Mundo? Um gol justíssimo pela coragem e beleza do futebol espanhol, mas injusto se pensarmos no coração de Eduardo, um raro jogador - nesse meio de muitas celebridades milionárias, vazias e frias – que ainda porta-se como um amador, como quem ama o esporte. Pena que essa desgraça chamada marketing oculte os Eduardos - que ainda resistem em algumas seleções – para massacrar-nos com imensos outdoors e comerciais mirabolantes de falsos astros como um outro português, esse fracasso nesta Copa chamado Cristiano Ronaldo. O Cristiano que só joga bem nos clubes - junto de outras estrelas - e apareceu a toda hora nos telões da Copa fazendo suas caras e bocas e jogadas enfeitadas inúteis. Enquanto isso, Eduardo só aparecia defendendo de forma magistral e valente a meta não só de sua seleção, mas de seu país.
E o goleiro só foi aparecer por mais alguns segundos quando as câmeras registraram, já após o fim, as suas lágrimas. As lágrimas de um herói de verdade. E foi nesse momento que surgiu uma das mais belas imagens dessa Copa: de repente Eduardo é surpreendido pelo abraço  algumas palavras de incentivo de outro gigante, o goleiro espanhol Casillas. Que bonito é ver a raridade de um vencedor digno, que sabe o valor de quem perdeu mas perdeu de pé.
Levanta, Eduardo, pois no coração daqueles que não são enganados por falsos heróis e ídolos, você será sempre um grande exemplo e referencial. O resto é mentira.
PS* - Um erro, corrigido por um leitor atento: há que se destacar também a valentia e coragem de um Fábio Coentrão e o ímpeto e vontade de um Raul Meireles que não teve, porém, quem o ajudasse na criação. E, claro, muita culpa para um Queiroz que preferiu se defender a arriscar.

domingo, junho 27, 2010

Para quem torcer?

Foi meu grito de gol mais genuíno dessa Copa, dado numa mesa de um simpático bar, eu sozinho sofrendo desesperadamente até me libertar com o golaço de Luisito Suarez que deu a vitória ao Uruguai contra a Coréia do Sul. O tiozinho gente boa do balcão até assustou com meu grito e soco na mesa, e os outros pareciam não acreditar em ver um cara com a camisa do Uruguai por ali. Por que será que torcer para o Uruguai me dá mais prazer que torcer para o Brasil de Dunga e seu alter ego militar e boçal em campo, Felipe Melo?
A resposta não é só um dos deuses históricos de meu São Paulo, Lugano. A resposta vem em várias partes. Primeiro, penso nesse jogador completo extraordinário, que tanto arma e lidera como ataca e conclui, Diego Forlán, um camisa 10 muito mais jogador que Kaká. Depois vem esses fabulosos (de fato, e não num apelido duvidoso do nosso Luis) Cavani e, sobretudo, Suárez, que fez o golaço maravilhoso da vitória com um chute em curva (depois do corte seco) que só os craques e os iluminados sabem dar. Há ainda um meio-campo com uma vontade colossal, simbolizada pelo careca Arevolo: depois de mostrar, num flagrante da câmera, estar exausto, sem fôlego, buscando ar como um quase morto, na jogada seguinte ele correu tudo de novo, e se entregou de novo para ganhar uma jogada. Como, se não tinha mais fôlego? Com a alma azul da cor de seu país.
Finalmente, o mestre por trás disso tudo, o treinador Oscar Tábarez, um homem tão respeitado em seu país que os jornalistas começam qualquer entrevista com ele com um “permiso, Maestro”, com a sua permissão, Mestre. É Tábarez um dos poucos treinadores ousados desta Copa. O que dizer de um treinador que renunciou a então única qualidade e estilo de jogo do Uruguai dos últimos tempos - a garra - para fazê-lo também ousar e jogar com beleza e ofensividade? Sim, seu Uruguai se apequenou em boa parte do 2º tempo e recuou demais, mas após o gol dos coreanos fez bem demais a quem ama a garra corajosa ver os jovens de azul, comandados por Forlán e Suarez, lançarem-se sedentos pelo gol redentor.
Frente a essa paixão azul, frente à fome de gol dos argentinos, frente ao rolo compressor alemão de volta (que fantástica vitória cheia de passes magistrais e muita técnica contra o eterno jogo aéreo feio inglês), como é possível se animar com o Brasil de Dunga? “Ah, é Brasil, temos que torcer, é a nossa pátria”. Confesso que até tento, gosto da paixão e entrega de Maicon, gosto da..., putz, não gosto mais de nada dessa seleção, talvez um pouco da frieza e categoria de Juan (muito melhor que o sobrevalorizado Lúcio). Não gosto porque do meio para frente temos uma linha de brucutus, Kaká e seu futebol menor do que pensa ter, Luis Fabiano, valente mas sem a habilidade de outros nomes que ficaram no Brasil e Robinho, a única luz dessa seleção falando-se em arte pura, isso se resolver encarar as divididas sem se esconder como fez diante da Costa do Marfim.
Espero que Dunga não seja tão idiota e coloque Ramires no Lugar do lesionado Felipe Melo, mas que outro recurso temos no banco? Nenhum, talvez apenas a raça de Grafite.
Por isso tudo faço minhas as palavras do escritor João Paulo Cuenca, que está comentando os jogos do Brasil para o blog cultural do jornal espanhol El País, com suas palavras após o lamentável Brasil e Portugal:
“Essa é a seleção de resultados, da morte da poesia, do utilitarismo contra a arte, e isso é um crime de lesa pátria. Sócrates, não o simpático e vivaz jogador, mas o filósofo grego, afirmava que ´o patriotismo não exige que estejamos de acordo com tudo o que é relacionado com o país, mas sim deve promover um questionamento analítico na busca de fazer um país melhor.”
“No caso da seleção brasileira, não só um país, mas um mundo melhor. Porque se a humanidade vê o Brasil ganhar a Copa do Mundo jogando assim, vamos todos terminar ainda mais brutos e imbecilizados. Que as oitavas de final sejam melhores, apesar de Dunga”, escreveu o escritor.

Por isso que, mesmo ganhando essa Copa, jamais terei esse título como digno do verdadeiro futebol brasileiro, aquele que Dunga ama destruir a cada treinamento, jogo e entrevista coletiva.

quarta-feira, junho 23, 2010

Os ventos da vida

O terral é a chama que aquece o corpo e alma dos surfistas.
O vento que sopra da terra para o mar.
Para o mar-lar.
Para as cores desse arco-íris surreal formado pelo spray desse vento mágico em contato com seu grande amor, as ondas.
Sim, como sol e lua, vento e onda é o outro grande casal da natureza. Um casal com mais sorte, pois se encontram e semeiam seus filhos e filhas também apaixonados: Surfistas.

Terral.
Tão real e sonhador.
O vento artista, escultor das ondas mais perfeitas e fortes.
O sopro quente de quem sabe amar.
O vento que luta com a face da onda, e reparem na palavra exata: “com”, e não “contra”.
Sim, o terral é o homem-vento que abraça, envolve a mulher-ondulatória, sensual, insinuante em seu jeito de andar-desaguar, convidativa, sereia. Vento e onda, surfista e sereia líquida, assim surge o grande romance das ondas.

Havia então um dia melhor para cair com minha nova prancha que numa session de raro terral em minha praia amada?
E haveria melhor parceiro de session que o brother de tantas quedas que já esperava lá dentro, namorando as suas meninas do mar?
E poderia haver session mais feliz que a do surfista que exercita a amizade com o irmão enquanto carrega pra água a força e sal de uma nova mulher?
E não seria a nova prancha apenas Ela, em forma de fibra de vidro azul?
Fibra, mais uma palavra precisa, agora para a musa que não veio pro mar mas estava sim, presente, em minha alegria e sorrisos rasgados (sim, moça, com todos os meus dentes tortos à mostra!, um dos milagres do surf e dos uh! uhs! constantes).
Porque ventava o terral.
Porque o mar estava belo demais naquela tela infinita de ondas quebrando como manchas brancas exibindo aquele grande véu branco.
Branco como o sorriso dela, como a juventude dela.
Branco como esse sorriso infinito que é o mar, em dia clássico,
a nos oferecer grandes ondas se formando, explodindo e abrindo como uma franca, gostosa e sonora gargalhada.

Tens razão, surfar-gargalhar é viver.

segunda-feira, junho 21, 2010

Isso sim é Brasil

Luís Fabiano e Kaká calaram a boca de seus críticos ontem (este que escreve inclusive). Para os que não botavam fé na capacidade do artilheiro, certamente longe na técnica e habilidade de alguns gênios que já vestiram a camisa 9 brasileira (Ronaldo, Romário, Tostão etc), o que ontem foi Fabuloso mesmo usou o que tem de mehor: a raça, a força física e a potência de chutes pra lá de explosivos. Mais que isso, Luís Fabiano envolveu seus marcadores em dois lindos chapéus, em que usou malandramente o braço duas vezes, no seu gol que já entra para a história do futebol como "As mãos de Deus". Esse foi seu segundo tento, pois antes já fuzilara sem dó o goleiro marfinense para abrir o placar após lindo passe de outro que precisava jogar bola ontem, Kaká.
Sim, o bom mocinho Kaká, o "cone" da estreia contra a Coreia, foi decisivo ontem com dois passes de craque, no já citado presente para Luís Fabiano e no passe açucarado para Elano decretar a expressiva vitória da seleção. Kaká, mesmo errando quase todas as outras jogadas, foi tão mortal ontem que até virou bicho, fazendo cara feia, revidando porradas e sendo depois, infantilmente expulso. Mas prefiro um craque mordido e macho que um craque escondido, submisso e pipoca, como foi o sumido Robinho ontem. Alguém viu Robinho em campo?
Luís e Kaká foram machos ontem, mostraram ter o que é necessário para trazerem o hexa: vontade, raça, alma. Robinho precisa ser mais homem para ajudá-los, porque ser homem contra os corteses norte-coreanos foi fácil.
Hexa? Mas estamos lendo certo, justo de um blogueiro que metia o pau nessa seleção? Sim, pois depois da demonstração de culhão, peito e malandragem de ontem, vejo poucos adversários, nessa Copa de nível tão fraco, para os soldados de Dunga que ontem se libertaram do quartel para serem um pouquinho artistas. Quem pode nos deter? Times que também têm muita raça e bom futebol: Argentina e Uruguai. E talvez a Espanha, caso se recupere do azar da estreia, a Holanda, com seu toque de bola envolvente.
Duro só vai ser seguir aguentando a estupidez de Dunga. Não é que ontem, mesmo com uma bela e convincente vitória, ele chegou na coletiva de imprensa já xingando um repórter da Globo, o Alex Escobar? Duro porque poderia ser muito mais fácil e bela a caminhada de Dunga se ele tivesse levado outros artistas para a África. Porque nossos volantes seguem de uma inutilidade criativa gritante e a lateral esquerda é uma piada.
Outra explicação: até ontem assumia que não conseguia torcer para essa seleção, e que preferia a vitória de quem jogasse futebol de verdade, com arte. Mas Luís e Kaká mostraram que a arte, pelo menos um pouco dela, ainda é possível. Agora vejo possiblidades do hexa. Mas mesmo se ganharmos, não será uma seleção inesquecível, de encher os olhos. Para o bem do futebol mesmo, o título deveria ser da Argentina ou Espanha, mas Kaká e o Fabuloso de ontem, quem sabe ajudados por Nilmar, se Robinho voltar a se esconder, podem trazer o hexa. E Dunga, em vez da dignidade do bom campeão, sairá xingando todo mundo, especialmente a imprensa, aquela que só exerce o seu papel de crítica equilibrada ao futebol pragmático desta seleção.
PS - Tudo o que falei aqui pode ser uma ilusão, pois poucos viram o óbvio ontem: a Costa do Marfim é fraquinha demais. Era um bom Drogba pela metade (jogar com cotovelo luxado é pra poucos) e um bando de açougueiros com uma única habilidade: bater, bater e bater. Poucas vezes se viu uma seleção tão violenta numa Copa do Mundo.
Abaixo, o absurdo destempero do Dunga, ontem e sempre, muito bem criticado pelo jornalista Tadeu Schmidt, no Fantástico de ontem:

sábado, junho 19, 2010

Diós não esquece

Ele está concentradíssimo em plena Copa do Mundo, liderando como capitão essa valente e poderosa seleção uruguaia. O detalhe: Diego Lugano não esquece o clube de seu coração. Reparem no desenho da sua térmica de chimarrão...
Vamos, Diós Lugano, Avante, Uruguai!

sexta-feira, junho 18, 2010

A maldição do goleiro

Sim, torcia pelo Uruguai, dos nossos simpáticos vizinhos ao Sul, do Lugano que foi líder e monstro de meu time, desse excepcional Diego Forlán, desse grande treinador, Oscar Tabárez, que de tão respeitado e querido em seu país é tratado pelos jornalistas do Uruguai, antes de qualquer pergunta como Maestro. Mas o coração apertou ao ver o choro inconsolável do goleiro da África do Sul, ao ser expulso por cometer pênalti. E eu nem sabia ainda que a jogada tinha sido irregular (impedimento). Sim, o Uruguai venceria bem de qualquer forma com sua defesa impenetrável e a inteligente estratégia de Tabárez de recuar o atacante Forlán, tornando-o um armador e último homem de meio, para servir os dois atacantes (Suarez e o homem a mais que o Uruguai agora tem na frente, Cavani) e ele mesmo, Forlán, chegar de surpresa e fazer gols. Mas a dor do goleiro e de toda a África do Sul pegou fundo. Nem minha velha mãe resistiu, e deu pra ver de longe seus olhos azuis encharcando-se pela tristeza que sempre é ver um time mais fraco -  mas com muito brio, e ainda defendendo um país, um continente e uma história de dor do aparthied - cair dessa forma. Cair como caiu seu grande goleiro.
A Copa ficará mais triste e menos bela se a África do Sul, como tudo indica, for eliminada logo na 1a. fase. E seu goleiro jamais esquecerá a dor que sentiu neste jogo, contra um Uruguai forte que vai longe, podem apostar.
* Mais sobre a Copa no meu blog de futebol, o Catedral da Bola

sábado, junho 12, 2010

Canção para uma menina


A gente podia viver assim.
A gente podia viver sorrindo assim.
Como seria bom se aprendêssemos a superar brigas e desentendimentos cantando juntos canções que amamos.
As canções que nos fazem sorrir.
Os sorrisos que, eu sei, são tudo.
Como os olhares também são.
Tomara que aprendamos então a olhar mais e pedir menos, ainda mais porque as palavras, muitas vezes, não são as que queríamos dizer.
Como seria bom se em vez de falarmos, cantássemos.
E dançássemos.
E nos conhecêssemos, de verdade, como conhecemos os filmes e canções das nossas vidas.
Aceite essa canção.
E sorria com ela, querida.

O Futebol, O Craque, O Deus

O futebol começou na Copa, de fato, com um fantástico Messi hoje.
Detalhes em Começou a Epopeia Argentina

quarta-feira, junho 09, 2010

O futebol é uma mulher a ser cortejada e conquistada


O que é fazer um belo gol, chutando forte e colocado, senão fazer amor com a mulher amada?
O que é a bola senão nossa companheira e amante?
O que é o futebol bonito senão a arte de namorar a bola e brincar com ela na região vital, o meio-campo?
O meio de campo que é o corpo da amada. É preciso tocá-lo, explorá-lo. É preciso percorrer seus espaços com suavidade e pressão exata; arte, beleza e paixão, ora de forma cadenciada, ora com mais velocidade.
Os melhores meio-campistas são aqueles que amam o toque de bola como se fossem amantes a procurar e tocar cada pedacinho e recôndito de uma bela e incandescente mulher.
Leia mais em Catedral da Bola

segunda-feira, junho 07, 2010

O grande romance

Tanta gente anestesiada por aí - perdida em falsas experiências, como o mundo virtual – que o sentimento de surfar é um antídoto e lição gostosa e real. O caso é que fazia um frio dos diabos em Sampa na noite de sexta-feira, que exigiu três cobertores na cama gelada. Pra piorar, lá fora chovia sem parar. Quando despertei, madrugada de sabadão, a preguiça bateu forte e toco a ligar pro irmão de tantos anos de ondas:
- Puta, Velho, será que a gente vai mesmo, tá chovendo pra c..., e será que a menina (nossa onda) não vai estar toda mexida?
- Pô, Zé, por mim a gente vai na boa, teve aquele dia que choveu pacas que...
Brother de vida e surfista legítimo é isso: o cara sempre lembra de um dia de clima sinistro – frio e chuva em julho – em que o mar ficou perfeito, longas e lisas paredes de sonho.
Bora então pro surfe, mesmo se tenho que levar a prancha pro carro debaixo do guarda-chuva. A cena parece despertar minha cachorrinha: frio, água caindo? Ela não tá nem aí: percebe minhas duas mãos ocupadas, me dribla melhor que qualquer jogador da seleção do Dunga e sai da casinha tentando fugir pra rua. Seis da manhã, ainda é noite escura e ela já tá despirocada, parece querer dizer “deixa de onda, Zé!”.
Ainda em Sampa, pego o brother e outro índio guerreiro, que veio de longe pacas pra estar de madruga embarcando com a gente.
Digo “embarcar” porque é a palavra exata: apesar de chamarmos o ato de ir pra praia pegar ondas e voltar no mesmo dia com o singelo e informal nome de “bate-volta”, viagens pra surfar são sempre algo a mais que isso. “Embarcar” sugere uma preparação, como quando pegamos um avião pra longe. Por isso que o mais simples bate-volta pede alguns cuidados, como a checada nos sons que embalarão a estrada e a ansiedade climática que sempre nos envolve: sim, existem as câmeras on line mostrando as ondas, mas quem não fica analisando cada vento, pedaço de céu, temperatura e outros sinais?
Estrada, já na paradinha de lei pro sensacional cafezinho e pão na chapa gigante do grande Frango Assado (tá aí uma imagem-marca perfeita: existe bicho mais simpático como esse frango feliz e simpático que parece nos convidar a dar um tempo ali?), o céu boicota a chuva e mostra sinais azuis, parece milagre que o aguaceiro tá indo embora.
Estrada, depois de meter o pau na feiúra do estilo Dunga de jogar bola, chegamos na grande arte do Grandão lá de cima, o mar.
O que se segue é uma daquelas sessions mágicas que rolam sempre que enfrentamos as adversidades, leia-se frio e chuva. Nenhum pingo cai durante aquela hora e meia ou duas de belas ondas antes da maré e do vento estragarem as ondas. Caem apenas pingos-sinais de exclamação ao exercemos o energizante ritual da brodagem de gritar após cada onda nossa ou do irmão de surfe que será sempre irmão de vida.
E o surfe ainda nos oferece as risadas incomparáveis das vacas cinematográficas a cada queda do brother, tão comemorada como a onda mais bem surfada. Porque surfe é diversão em seu estado mais avançado e puro. Diversão real. Diversão da criança que sempre voltamos a ser ao entrar nesse parque de sensações e emoções infinitas que transforma os hopiharis reais e joysticks virtuais em brinquedos ridículos.
E o que dizer das cores incomparáveis do oceano, que são realçadas com a luz especial do inverno já pertinho? Que verde espetacularmente vivo e infantil é esse, como se as ondas fossem a exata tradução dos verdes anos mágicos da infância?
Valeu, Barbudo (Netuno), valeu, irmão, valeu por não desistir. Valeu por propiciar mais um bate-volta com sabor de longa jornada, de odisseia.
Valeu por enfiar a mão na minha preguiça como nosso grande herói, Balboa.
Pra fechar a trip clássica, bom demais saber que de noite, a alma, ainda salgada do tempero único do surfemar, ainda será completada ao encontrar a menina verdeviva. A menina tão intensa e bela como as ondas que surfamos com paixão, romance e abandono. Com a paixão e abandono com que deveríamos, sempre, levar a vida. Como se ela fosse um grande romance sem fim.
PS – Ao outro grande irmão das ondas: o bate-volta surgiu de última hora, imaginamos que estaria viajando, talvez até na mesma praia, mas lamentamos muito não termos levado seu número de celular.

sexta-feira, junho 04, 2010

A viagem azul

sim, o mar é minha alma
cada onda uma viagem
uma mágica a cada sonho
que é passear nesse mar que é quase tudo
pois o mar é apenas
um outro jeito de
viver-dizer amar.

* esse vídeo chileno maravilhoso, um curtametragem, é um dos candidatos do festival de san sebastián (amstel surfilm festibal), espanha, que está rolando por esses dias.

A alma de um povo

Leiam o sensacional texto de André Kfouri, um raro jornalista que está na África do Sul não só para cobrir a Copa, mas para revelar a alma do povo sul-africano, sua história e heróis. É só clicar em O guarda-costas

quinta-feira, junho 03, 2010

A balada dos lutadores de coração


O riff de guitarra inicial é pesado e ritmado como um lutador enfiando murros no saco de areia. A voz é bela e profunda como uma esperança e um sonho. Porém, as palavras fortes cantam corações partidos e aí vemos uma das marcas incomparáveis do rock pesado: canta-se a separação sem nenhum tom de lamentação, sem apelação. É apenas um fato, duro demais. Um fato que esta banda tenta superar com a fúria melódica de um boxeador bailando e executando pancadas terapêuticas no descarrego do saco de areia.
A música prossegue, cresce (a dor do amor perdido sempre cresce), mas como um bom rock catártico (aquele meio desaparecido nesses tempos de emos suicidas insuportáveis), a canção traz a reviravolta da esperança: someday love will find you, break those chains that bind you, algum dia o amor vai te encontrar, arrebente essas correntes que o amarram. Por isso a guitarra segue poderosa, a bateria segue bombando feito coração apaixonado e a voz não desiste na sempre maravilhosa procura de um cantor de alma entoando a batalha do amor.
Sim, a batalha, porque a balada perfeita do bom rock pesado terá sempre o sabor de uma taça de vinho bebida com gosto e paixão. Sorvida com vontade em homenagem à luta dos que não desistem do Graal pessoal de todo homem ou mulher que tem coração: encontrar a cara metade, encontrar quem nos complete nessa vida, mundo e cotidiano que cada vez mais nos parte como o nome desse clássico de uma das grandes bandas de rock de arena dos anos 80, o Journey: Separate Ways, Caminhos Separados.
* A canção fala de uma mulher que foi deixada, por isso os caminhos separados, mas esta a beleza da música: o que nos move e nos dá sentido (sim, a música dá sentido à vida, ou pelo menos a torna mais suportável) são os versos que parecem nos pertencer ou ensinar novas rotas e viagens interiores.
PS - Vejam a loucura e paixão dos fãs escoceses pelo Journey ao cantarem juntos o grande clássico da banda, Don´t stop believin´.

A força que é o Mal

(O texto a seguir saiu ontem na Folha de S.Paulo. Foi escrito pelo maior autor israelense, Amos Oz, um brilhante humanista que discorda dos ataques desmedidos de seu governo aos palestinos. Ele ainda msotrou o absurdo e estupidez do ataque de Israel ao barco com ajuda humanitária que chegaria a Gaza, o campo de refugiados palestinos amontoados e cercados pelas tropas israelenses).

A frota de Gaza e os limites da força (Por AMÓS OZ)
Por 2.000 anos, os judeus só conheciam a força da força em forma das chibatadas que lhes eram aplicadas. Há algumas décadas, porém, nos tornamos capazes de também exercer a força. Seu poder, no entanto, nos embriagou incontáveis vezes. Incontáveis vezes imaginamos que é possível resolver todo grande problema que encontramos por meio da força.
Como diz um provérbio, para o homem que carrega um grande martelo, todo problema tem jeito de prego. No período anterior à fundação do Estado, larga proporção da população judaica na Palestina não compreendia os limites da força e imaginava que fosse possível usá-la para atingir qualquer objetivo.
Por sorte, durante os primeiros anos de Israel, líderes como David Ben Gurion e Levi Eskhol sabiam muito bem que a força tem seus limites e cuidavam em não ultrapassar essas fronteiras.
Mas, desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel sofre de uma fixação pela força militar. O lema é: aquilo que não pode ser realizado pela força pode ser realizado por uma força ainda maior.
O cerco de Israel à faixa de Gaza é um dos fétidos produtos dessa visão. Origina-se da errônea suposição de que o Hamas pode ser derrotado pela força das armas, ou, em termos mais gerais, que o problema palestino pode ser esmagado em lugar de resolvido.
O HAMAS É UMA IDEIA
Mas o Hamas não é apenas uma organização terrorista. O Hamas é uma ideia. Uma ideia desesperada e fanática nascida da desolação e da frustração de muitos palestinos.
E ideia alguma jamais foi derrotada pela força nem por bloqueios, nem por bombardeios, nem soterrada sob as esteiras dos tanques de guerra ou atacada por forças especiais da Marinha. Para derrotar uma ideia é preciso oferecer uma ideia melhor, mais atraente e mais aceitável.
A única maneira de remover o Hamas é que Israel chegue rapidamente a um acordo com os palestinos para o estabelecimento de um Estado independente na Cisjordânia e na faixa de Gaza, tais como definidas pelas fronteiras de 1967, com capital em Jerusalém Oriental. Israel precisa assinar um acordo de paz com Mahmoud Abbas e seu governo e, com isso, reduzir o conflito entre Israel e os palestinos a um conflito entre Israel e a faixa de Gaza.
E o último só poderá ser resolvido, em última análise, pela integração entre o Fatah, de Abbas, e o Hamas. Mesmo que Israel capture uma centena de outros navios rumo a Gaza, mesmo que envie soldados para ocupar Gaza mais uma centena de vezes, não importa quantas vezes Israel use suas Forças Armadas, polícia e forças clandestinas, não haverá como resolver o problema.
NÃO ESTAMOS SÓS
O problema é que não estamos sós nesta terra, e os palestinos não estão sós nesta terra. Não estamos sós em Jerusalém, e os palestinos não estão sós em Jerusalém. Até que nós, israelenses e palestinos, reconheçamos as consequências lógicas desse simples fato, viveremos todos em permanente estado de sítio: Gaza sob sítio israelense, e Israel sob sítio árabe e internacional.
Não desconsidero a importância da força. A força militar é vital para Israel. Sem ela não seríamos capazes de sobreviver nem por um dia. Ai do país que desconsidere a eficácia da força. Mas não podemos nos permitir esquecer nem por um momento que a força só é efetiva de modo preventivo para impedir a destruição de Israel, proteger nossas vidas e nossa liberdade.
Cada tentativa de usar a força não para fins preventivos, ou de autodefesa, e sim como forma de esmagar problemas e esmagar ideias conduzirá a novos desastres, como aquele que causamos para nós mesmos em águas internacionais, no alto-mar, ao largo das costas de Gaza.

Nascido em Jerusalém em 1939, Amós Oz é escritor e jornalista. Publicou 18 livros, traduzidos para cerca de 30 idiomas. Um dos fundadores do Movimento "Paz Agora", representa a chamada esquerda engajada, favorável à criação do Estado palestino. Ensina literatura hebraica na Universidade Ben Gurion