segunda-feira, setembro 26, 2011

Anjo

    Babalu e Sansão, inseparáveis 
Já nasceu enorme e ainda agarrou as tetas de sua mãe, a louca e elétrica Babalu, com uma fome de Obelix querendo beber no caldeirão mágico. Nenhum outro cachorro que tivemos ganhou um nome tão rápido e óbvio: Sansão. E ele honrou o nome, cresceu e se tornou o maior cachorro que já tivemos.
Seu tamanho, porém, contrastou com o temperamento mais calmo e dócil de todos que fizeram a nossa história. Sinônimo transparente do que é ser bonzinho.
Atropelado quando ainda filhote, não permitiram que ele partisse tão cedo.
Ganhou uma segunda chance.
Ou foi embora e alguém lá de cima, comovido com tamanha injustiça, o mandou de volta.
Sim, talvez não fosse um cachorro e sim um anjo.
O anjo atrás da porta da cozinha. Porta que, se aberta, libertava dos mais duros problemas do dia-a-dia e da vida sua família sofrida.
Bastava abrir a porta e lá estava ele e sua imensa cabeça e olhar meigo esperando um carinho.
Nunca vi um cachorro gostar tanto de carinho como ele. Tampouco ficar paradinho, recebendo com tranquilidade angelical os afagos enquanto dava seu obrigado em forma de gemidos de alegria.
O anjo também meio malucão quando invadia a casa, fazendo a alegria também dos visitantes, como fez na Copa de 2002 em que nos ajudou com sua correria alegre a trazer o hexa. Todo jogo do Brasil de Felipão, Rivaldo, Ronaldo e Marcão, quando a coisa apertava tinha alguém pedindo, “solta o Sansão!”
O anjo que foi, por 10 anos e meio, o equilíbrio daquela casa, pois era impossível não melhorar o astral só de vê-lo, nosso imenso bicho de pelúcia vivo.
Nosso amigo.
Nosso melhor amigo e sua imensa cabeça a procurar as nossas mãos, como se fossem mãos nos fazendo carinho.
Mãos que eram também suas patas, que nos dava enquanto ficava sentadinho, elegante, bondoso.
Amoroso no sentido máximo, de amor mesmo que nos dava sempre.
Era tão bonito e forte que não percebemos que envelhecia, nessa que é a grande injustiça cometida pelo Criador com os cachorros. Envelhecem e parecem os mesmos. Por isso jamais nos preparamos para sua velhice.
Por isso não percebíamos que sua dificuldade, nos últimos tempos, para se sentar e depois levantar, podia ser algo grave.
Cachorros não deveriam viver tão pouco, em geral uma década.
Deveriam ser eternos.
São.
No coração de quem os amou, Sansão será sempre o ombro amigo e paz necessária que devíamos ter sempre. Como seria bom bastasse olhar pra cima e recebêssemos de novo sua benção, seu conforto, sua serenidade de bebê crescido puro, inocente, pacífico que nunca fez mal a ninguém.
Que nunca brigou com ninguém.
Que nunca desrespeitou a mãe, que ficou junto dele a maior parte de sua vida, mais de 8 anos.
Incrível como, quando abríamos a porta, era sempre ela primeiro a aparecer, a querer entrar, enquanto ele ficava paradão, na boa, respeitoso, só olhando, sabendo que mãe é mãe, que ela vem sempre em primeiro lugar.
Incrível como nunca avançou em uma migalha de comida dela.
Incrível como nunca, mas nunca mesmo, brigou com sua mãe.
Incrível como cuidou dela até o fim, e mesmo quando sua mãe estava indo embora, cada vez mais magra, tinha muito cuidado para não machucá-la com sua força.
Incrível como a limpava lambendo mesmo ela já velhinha e frágil. Ela, a mãe que ele amou como todo filho grato ama sua mãe, com todo o carinho e amor do mundo.
Esta é uma das poucas coisas que atenua um pouco a nossa dor: poucos cachorros tiveram uma vida tão bonita como ele, vivendo protegido e amado pela mãe (ela também nunca levantou a voz ou o latido pra ele) por tantos anos, e sabendo retribuir com tanta beleza todo o calor que Babalu lhe deu.
Mas um dia tudo acabou. Um dia o rei de nosso cães não se levantou mais. Foi internado dias e depois operado, mas poucos dias depois não resistiu.
É duro demais resistir sem ele.
Acho que só resistimos porque ainda existe sua irmã, que não se dava bem com a mãe, e por isso viveu a vida toda longe do irmão. Mas Capitu, mesmo danada e meio maluca como a mãe, também é carinhosa, também geme falando como o irmão. Também tem o coração bonito dessa família e geração maravilhosa de dálmatas que começou com a avó, a inesquecível Duda, que até estrelou meu primeiro livro (Mundaka).
Também tem o amor, que não conseguimos medir, dessa geração de dálmatas que esteve junto de nós por mais de duas décadas.
Uma geração de dálmatas que só existiu porque um dia eu amei demais uma menina e nós dois, cada um com seu dálmata, criamos tudo isso, mas essa é outra história...
Capitu é a última.
Que resista mais, por favor. Porque anjos são maravilhosos mas não conseguem nos dar seu calor.
Mas pelo menos nos deram sua história e suas lições de afeto.
Com Sansão, além de todo o amor e fidelidade, aprendi que é preciso ter calma e ser bom, sempre.
Paz e bondade. O que mais um ser humano, num mundo como esse, precisa aprender?
Obrigado, meu amigo, você foi tão belo e digno que será eterno e um dia passarei para a filha que eu tiver tudo o que me ensinou.
                     Duda (deitada), Babalu e minha mãe

segunda-feira, setembro 12, 2011

O sonho máximo (O Homem do Futuro)


“Todos os dias, quando acordo,
não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo”

O mais duro é que não temos. O homem conseguiu curar o incurável, afastar doenças e até a morte, estender sua jornada, mas há uma barreira que ainda não venceu.
A barreira que é talvez o maior de todos os sonhos.
O tempo.
Viajar no tempo.
Voltar atrás.
Voltar para quê?
Para consertar. Os nossos erros. Sobretudo, os erros que cometemos com o mais belo e terrível dos sentimentos-poderes, o amor.

O amor que Zero, personagem de Wagner Moura, busca, desesperadamente, resgatar.
Reencontrar num passado distante.
No passado mais belo de quando ainda acreditamos e podemos tudo.
O passado do amor da juventude.

Neste passado está Helena, nome de deusa para uma Aline Moraes arrebatadora a cada cena em que aparece. Tão sexy quanto doce. Tão divina quanto humana. Porque ama de verdade, porque ama com pureza, Helena merece qualquer coisa para não perdê-la, ou reconquistá-la.
Até uma viagem no tempo.
Um tempo que ela canta com paixão, visceral, no grande hino da juventude brasileira não só dos anos 80, mas até hoje, Tempo Perdido, de Renato e sua Legião Urbana.
De seus lábios emanam toda a sensualidade, tesão e urgência da juventude. Do amor que ainda sabe ser paixão da juventude.

Você lembra dos momentos mais apaixonantes da sua vida?
Você lembra das canções que embalaram esses momentos?
Você lembra e essa cena ainda o assalta, ainda o invade, tantos anos depois?
Você já tentou o impossível de voltar atrás e viver aquilo de novo?
Se você sente tudo isso, O Homem do Futuro não será um simples filme.
Não será apenas esse espetáculo irresistível que nos faz rir lá do fundo de forma tão gostosa, e tantas vezes, com as loucuras que Zero diz e faz para viajar no tempo e tentar reescrever a sua história.
Não será “apenas” essa magistral aula de atuação de um Wagner Moura espetacular, que nos faz de morrer de rir em um momento e no minuto seguinte nos emociona com seu amor e sonho tão palpável, tão verdadeiro. Tampouco veremos apenas uma Aline Moraes sublime, conseguindo a perfeição de expressar o maior dos sentimentos a cada palavra, a cada gesto, a cada olhar vulcânico.
Mais que um filme arrebatador, comédia romântica impecável, o Homem do Futuro é também um drama-hino ao primeiro amor, talvez o mais verdadeiro para muitos, porque puro.
E esse hino ainda vem não só embalado, mas completado com cada verso tão belo quanto furioso da canção que atravessa e sustenta todo o filme.
Uma canção que é tanto a verdade quanto a desgraça dos amores e realidades juvenis:
“Todos os dias, antes de dormir,
lembro e esqueço como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder
Nosso suor sagrado
é bem mais belo que esse sangue amargo
E tão sério
E selvagem, selvagem, selvageeemmm!”

Desgraça porque o amor, explodindo de paixão, pode queimar até ferir de forma irreversível.
A bateria então acelera a canção. A música vira o filme. O filme, a vida. A vida que é essa batalha de amor, do amor tentar suportar as dores que virão, que já estão vindo:
“Veja o sol dessa manhã tão cinza
a tempestade que chega
é da cor dos teus olhos... castanhos
Então me abraça forte
E me diz mais uma vez que já estamos
Distantes, de tudo
Temos nosso próprio tempo
Temos nosso próprio tempo”

Um dia descobrimos que não temos o nosso próprio tempo.
É o tempo que nos têm.
que nos consome.
que passa
e muita vez nós ficamos.
Parados num tempo perdido.
Cantamos então gritando forte, suplicando
“Não tenho medo
do escuro
Mas deixe as luzes, acesas,
Agora,
O que foi escondido é o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu...”

A vida passa, alucinadamente rápida, atropela e derruba muitos.
Os que têm sorte ficam de pé, amparados nos braços que soube manter ao seu redor, no abraço-laço inquebrantável que sustentamos sem o erro das paixões cegas.
Outros tantos sonham. Lembram. Tentam desesperadamente voltar.

E a gente volta, embalados por Aline e Wagner nos cantando essa canção
Nos envolvendo em uma química total que explode a cada encontro
a cada reencontro.
A cada cena desse filme que faz a mais perfeita utilização de uma canção em toda a sua trama que o cinema brasileiro já viu. E olha que o resto da trilha sonora também é TNT pura, penetra nos poros em outras cenas-canções espetaculares como Creep, do Radiohead.

Por tudo isso, mesmo com tantas cagadas que fizemos em nossas vidas, O Homem do Futuro nos lembra que
“Nem foi tempo perdido”.

quinta-feira, setembro 01, 2011

A Artista e a História


Não existe prova mais técnica e requintada no atletismo. Nada requer mais habilidade. Poucas modalidades são tão arriscadas e requisitam tanta coragem nos anos de iniciação e aprendizagem. O salto com vara é a prova dos grandes artistas e atletas cerebrais do atletismo, rivalizando um pouco, talvez, só com o salto em altura. É preciso ter força e velocidade na corrida, uma visão de longo alcance para enquadrar a pista, vara e sarrafo, terra e céu. Não é prova para gente ansiosa e desequilibrada, pois é preciso saber a hora exata para lançar a vara e deixá-la em busca do sarrafo celeste. São anos e anos de ajustes finos nos treinos e muita coragem para desafiar alturas inimagináveis e os próprios limites nas competições.
Fabiana Murer superou todas essas etapas e ainda o violento baque de perder uma de suas varas na Olimpíada de Pequim (sumiram com ela, numa falha de organização absurda), perder a concentração e acabar fora do pódio no desafio máximo de seu esporte, o ouro olímpico. Como os pobres de espírito sempre surgem nas derrotas, Fabiana virou motivo de chacota para alguns pela vara desaparecida que arruinou seu sonho em 2008.
Guerreira, porém, ela seguiu lutando e dois anos depois conseguiu o ouro no Mundial Indoor. Uma competição com peso menor, mas valiosa. A consagração estava chegando, e veio esta semana em Daegu, no Mundial, ao ar livre. Igualou a maior marca de sua vida, 4m85, bateu suas maiores rivais, incluindo a lenda Isinbayeva, e colocou o Brasil pela primeira vez no lugar mais alto do pódio num Mundial em ar livre, que é a conquista máxima deste esporte, perdendo apenas para uma Olimpíada.
Além do talento e esforço pessoal - e de uma tranqüilidade sob pressão e concentração rara para uma atleta brasileira, sempre sujeita às emoções intensas que é nossa grande característica - a vitória de Fabiana passa também por alguns homens fundamentais. Seu treinador desde o começo, Élson Miranda, o homem que a formou no salto com vara e a fez evoluir. E também o super treinador desta modalidade, o russo Vitaly Petrov, simplesmente o cara que criou o mito Isinbayeva, e há algum tempo se dedica a ensinar à brasileira o que separa um grande atleta de um campeão mundial e olímpico. A dupla Élson/Petrov é uma ferramenta poderosa para Fabiana lutar pelo pódio olímpico em Londres, ano que vem.
Destaco também nesse histórico feito do salto com vara (e do atletismo brasileiro, pois é nosso primeiro ouro num Mundial), um homem que ajudou a sedimentar o salto com vara no Brasil. Falo do ex-campeão brasileiro e sul-americano várias vezes do salto com vara e um dos primeiros grandes atletas dessa modalidade no Brasil, o grande Renato Bortoloci, que depois se tornaria o inesquecível treinador Bortô. Quem teve a honra de ser seu atleta, como eu fui no E.C. Pinheiros no final dos anos 80, sabe que a paixão, dignidade, caráter e inspiração do Bortô tem um pouquinho de importância na medalha da Fabiana. Vi então nesse ouro um pouquinho do suor e alma do Bortô, que inclusive, se não me engano, foi quem iniciou o Elson Miranda, treinador da Fabiana, no salto com vara.
Campeões do esporte nesse Brasil que nunca fez nada pela massificação do esporte nas escolas e universidades costumam ser super talentos que brilham por conta própria, verdadeiros milagres. Fabiana, por mais genial que seja, não me parece ser esse caso. Parece mais o produto de um trabalho de amor e dedicação feito no salto com vara há algumas décadas. Campeões precisam de tempo e um longo trabalho em suas modalidades por trás, como é o caso do vôlei e judô brasileiro. O resto são promessas estapafúrdias do nosso Comitê Olímpico, que diz que criará um país olímpico sem investir na base do esporte. Que a história do salto com vara no Brasil e de Fabiana sirva de exemplo.