quinta-feira, fevereiro 26, 2009

O Lutador


Perto dele, Rocky Balboa e a maioria dos filmes de lutadores viraram contos de fadas. Porque a bela e dura história desse lutador é um festival de pancadas muito mais fortes no lugar onde dói mais: na alma. Na alma atormentada de um velho guerreiro solitário, que perdeu a mulher e também a filha que abandonou e tenta resgatar. Este é o valente da luta livre, Randy “The Ram” (o Carneiro), feito por Mickey Rourke numa performance magistral. Rourke-Randy nos faz sentir intensamente cada demonstração de frieza e pancada que recebe – física e lá dentro do peito - e as pequenas alegrias e grandiosos gestos de calor humano que ele dá e recebe. Nos faz vivenciar a tragédia de um veterano lutador que brilhou nos anos 80 e vinte anos depois insiste em seguir combatendo. Mesmo se o corpo não lhe obedece como antes e a saúde anda cada vez mais precária, perto do limite. Mesmo se a luta livre perdeu as multidões do passado e virou apenas diversão de raros adolescentes perturbados e outros sádicos.
O filme, tão denso e real que parece um documentário, acompanha os momentos mais críticos da vida de Randy, quando a fama ficou para trás e ele tenta desesperadamente sobreviver das lutas e de um humilhante trabalho no estoque ou balcão de um pequeno supermercado.
Randy não consegue parar de lutar porque ainda quer vencer na vida mesmo se o tempo os erros já o derrotaram há anos. Quer vencer para reconquistar o amor da filha ou talvez apenas para ser digno do coração de uma stripper de boate de terceira categoria. A moça enfrenta um drama parecido com o de Randy por já não ser tão moça e seguir batalhando-sobrevivendo com o corpo, pois tem um filho para criar e alimentar. Aqui temos outra atuação poderosa e cativante por uma Marisa Tomei que também nos faz experimentar na pele a dureza de cada round seu contra esse adversário implacável chamado vida. E Marisa ainda ilumina a tela com o carinho e respeito com que trata o velho gladiador ferido, Randy. Cada sorriso e palavra dela exaltam o melhor do ser humano que pode, sim, ser encontrado em uma profissional de algo tão menosprezado como o striptease.

De volta ao guerreiro, Randy já perdeu quase tudo na vida. Resta apenas um carro velho, um trailer de aluguel (que muitas vezes não consegue pagar) e velhas fitas de rock pesado dos anos 80. Do rock cheio de fúria alegre, vocais e guitarras incendiárias de bandas que vão do Judas Priest ao Guns and Roses. Do rock que veio “antes daquele babaca do Kurt Cobain acabar com tudo”, ele mesmo afirma, talvez por odiar a realidade melancólica e desesperançada das canções de Cobain. A melancolia que explode no filme até na fotografia e cenários gélidos do terrível inverno nevado de New Jersey.
Além das pequenas relíquias sobre rodas e sonoras (além da espetacular canção-tema do filme, por Bruce Springsteen) que guarda, Randy ainda tem a dádiva de uma relação de cordialidade, afeto e respeito das outras feras da luta livre. Talvez por ser um esporte em que os golpes são combinados e seus rivais são na verdade parceiros de uma encenação violenta. Encenação porém tão dispendiosa e exigente para o corpo como as lutas de combate de verdade. Não é porque os socos, pontapés e outras atrocidades são planejadas pelos dois combatentes que a dor, sangue e sequelas são menores. Porém, mesmo numa profissão tão dura, é bonito ver como os homens da luta livre se tratam, com um afeto impensável em outras modalidades.
Por outro lado, o problema é que mesmo sabendo em que lugar do corpo vai apanhar, o coração de Randy já não suporta mais os anos e anos de drogas que tomou para preservar os músculos e se livrar das dores. Por isso cada nova luta o risco é maior.
Por isso torcemos para ele parar e só não desistir do maravilhoso coração também maltratado da stripper.
Mas Randy não aguenta mais apanhar dos golpes que não consegue prever e defender. “Lá fora (dos ringues) eu me machuco muito mais”, ele diz para a moça, quando volta a lutar depois de se aposentar por ordem dos médicos. Quando volta a lutar porque só se sente bem e querido enquanto ouve os gritos do público durante suas lutas.
Porque Randy é um homem simples que só sabe fazer bem uma coisa: a arte da luta livre.
Porque “Randy é uma criança indefesa presa no corpo de um gigante musculoso. Estranhamente, se alimenta do carinho de um público sedento por sangue e violência”, definiu bem o crítico Celso Sabadin.
Porque o personagem Randy e o ator Mickey Rourke são quase a mesma pessoa, já que Rourke estava quase morto para o cinema depois de ter o rosto desfigurado pelos anos de boxe que praticou como profissional. O boxe que lhe tirou a face de galã com que explodiu em filmes como “O Selvagem da Motocicleta” e “9 Semanas e Meia de Amor”.
Rourke tornou-se, por muito tempo, apenas uma figura grotesca para Hollywood. Mas sua coragem de persistir, mesmo com a beleza arrebentada para sempre, o fizeram renascer e arrebatar a tela e o público em cada cena desse excepcional e perturbador O Lutador.
Perturbador, sobretudo, para cada veterano que ainda tenta vencer no trabalho e no amor enquanto a maioria das pessoas com quem convive não perdem uma oportunidade de lhe lembrarem como está ficando velho. Uma brincadeira que sempre machuca quando se conta apenas consigo mesmo. Com uma única companheira chamada luta. A luta de cada santo dia, da hora de levantar da cama até a hora de deitar e demorar a dormir porque os sonhos de menino insistem em ficar cada vez mais longe.
Só resta então seguir lutando e enfrentando a brutalidade dos rounds perdidos da vida.
Rounds perdidos mas dignos, como ensina esse filme e seus mais que humanos personagens:
"Mickey Rourke e Marisa Tomei conseguem que, mesmo sob uma chuva incessante em seu boulevard de sonhos partidos, seus personagens ofereçam um inesquecível recital sobre a inquebrantável dignidade dos perdedores". (El País, Espanha)

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Os imbecis


Muito se falou da violência e selvageria que bateu e matou de novo em dia de Cruzeiro e Atlético e São Paulo e Corinthians no último domingo. Um atleticano foi assassinado a tiros por uma dupla de psicopatas com a camisa do Cruzeiro. O serviço foi feito de moto, em frente a um ponto de ônibus de Belo Horizonte. No Morumbi, a PM acuou e surrou a torcida corinthiana na saída da arquibancada e dezenas foram feridos e por um milagre ninguém morreu pisoteado. Sim, os torcedores são cada vez mais bandidos e a PM, cada vez mais despreparada e violenta. Mas faltou falar em outros idiotas que contribuem demais com a violência das torcidas: os próprios jogadores. Quem teve coragem de falar isso foi o comentarista da ESPN Brasil, Flavio Gomes, que atacou o estúpido comportamento dos jogadores de ambos os times no clássico paulista, que ficaram o jogo todo xingando e desrespeitando os bandeirinhas e juiz da partida. Flávio lembrou que isso se repete em todos os campos e estados do país com uma massa de jogadores muito bem pagos e bem de vida enquanto são tremendos imbecis sem educação no trato com as autoridades do jogo. Para Flávio, a estupidez dos jogadores colabora demais para incitar o comportamento selvagem dos torcedores, que se inflamam e saem de si cada vez que um jogador de seu clube peita a autoridade, xinga a mãe dos homens de preto e fazem gestos e coisas piores.
Que saudade de craques que eram Homens, na melhor acepção moral da palavra, que não questionavam as marcações e apenas jogavam bola como Sócrates, Zico, Raí e cia do passado. Ah, detalhe: eles eram craques. Por isso, mais duro ainda é aturar um bando jogadores medianos ou medíocres, o que sobrou em boa parte dos clubes brasileiros, sem um pingo de dignidade, respeito e semancol. Incrível como não aceitam nada. Reclamam, dão pontapé, ficam na banheira e depois não aceitam seus erros e falhas. Só mesmo a palavra “imbecil” para poder nomeá-los com exatidão.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

O caçador de espaços


Cresceu no meio do mato. Enquanto os outros meninos só queriam saber de passarinhos e como pegá-los com arapucas e estilingues, o negócio dele era coruja. A bichinha escondida e silenciosa, só ele via. Surgia no alto das árvores, entre as folhagens, sempre na extrema direita ou esquerda de algum último galho.
Alguns garotos até ouviam os pios dela mas só Beto descobria seus olhos. Só ele podia descobrir a dona da noite e fazer contato. Por isso talvez ela tenha se tornado sua estrela-guia. Seu futuro. Porque Beto também cresceu na terra. Num campinho de futebol duro, seco e poeirento ou enlameado. E nesse campinho havia três traves formando um gol. E marcar gols era seu maior prazer e habilidade. Porque Beto caçava corujas com amor. Por isso sabia onde elas dormiam. O lugar tão belo e sagrado chamado ninho.
Por isso o garoto desapontou todos os sonhos de sua mãe, “ocê vai istudá i sê doutô, minino” e foi ser o seu destino: um número 9 lindo que sua vó pregou com gosto na camisa do timinho da rua do neto.
Foi ser centroavante. Que outra coisa poderia ser um guri que de repente, quando se aproximava das traves, encontrava uma abertura, um espaço que só ele via e mandava a bola para lá como um carteiro infalível? Para lá, no ângulo, no ninho da coruja.
O gol é sempre uma possibilidade para quem levanta a cabeça, olha com vontade de encontrar, descobre a beleza dos cantinhos-coisas mais escondidos da vida e por fim, bate na bola com a arte e paixão de um goleador. Com um leve toque buscando o beijo suave da amada rede ou uma pancada voluptuosa para arrebatá-la em seus braços. Por isso Beto cresceu rápido e logo se tornou o melhor partido daquelas terras humildes. Quem melhor para conquistar as mocinhas da região que o caçador de gols? Quem mais sedutor que um garotão que as fazia esperar um bom tempo, em plena madrugada, porque desaparecia na mata escura?
Sumia em busca de sua mãe da vida, uma elegante dama da noite e protetora. A coruja, seu anjo da guarda.
“Para o gol há um anjo especial. Um não sei o quê. Você o tem ou não...”, escreveu o escritor argentino Osvaldo Soriano. Para viver também: só enxergando no escuro; só procurando as corujas, coisas e oportunidades que os outros não veem encontramos nosso destino.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

20+20


O tempo chega, implacável. Mas a gente enfrenta o dragão com as armas que temos. As minhas são as aulas dadas com o coração e ouvido (poucos sabem ou têm tempo para ouvir os alunos), o esporte que é mais que o alimento diário, a loucura por meu time, o rock que espanta as tormentas de ontem e hoje e as ondas. Por isso, no último dia 9 de fevereiro, 20+20 anos completados, o melhor presente que poderia ganhar seria o mar. Por isso fugi pra lá. Para esconder em cada onda, drop e passeio azul os fantasmas que se acumulam lá dentro. Esconder, não, mandar pro espaço. Por mais que a data seja triste quando não temos com quem compartilhar, mágicas são as ondas que nos transportam para outro mundo. O mundo de Benjamin Button e Peter Pan. O mundo em que a cada deslizar e manobra no infinito playground azul nos faz rejuvenescer, pelo menos na alma.
Depois de noites mal dormidas, praxe numa Sampa cheio de ruídos e vizinhos mal educados, entrei no mar na 2ª. feira, após descer a serra, já cansado, cada remada pesando um pouco. Mas bastaram algumas ondas e a energia foi sendo recarregada em meu pico local querido. Assim foi a primeira bateria. No mesmo dia, estrada de novo até a cidade praiana onde dou aulas nas terças e para onde chego na véspera. Ali a surpresa: na cidade mais velha do Brasil, no pico mais paz e astral que conheço, ondas de sonho longas, lisas e de bom tamanho (santa frente fria). Logo o cansaço de dias e da primeira queda da manhã desapareceram e aproveitei com a fúria e alta voltagem de como se estivesse 100% após dias e dias de bom sono e tranquilidade. Foi o maior presente que podia receber e só tenho a agradecer ao bom barbudo, Netuno, pela sessão com gosto de bolo de aniversário ao lado dos amigos de fé e da mulher dos sonhos. Os sonhos que pelo menos o mar sempre entrega quando mais preciso. Os sonhos e a mágica porque numa idade em que muitos já estão desistindo ou partindo pro pranchão (outra arte, mas talvez sem a sensação de fúria alucinada de viver que a pranchinha propicia) ainda consigo remar fácil e acelerar em alta velocidade à bordo de meu foguete feminino chamado Rafinha, 6´2 de pura vida, minha égua de corrida puro sangue, minha companheira fiel. Sim, 20+20, mas feliz por seguir surfando enquanto ex-parceiros de ondas praticamente já desistiram e têm o surfe apenas como uma atividade ocasional.
Como podem ir deixando o surfe?
Como podem ir deixando de viver?
Obrigado, ondas sempre da vida, por resgatarem o sorriso de um coração adormecido.
Obrigado por me manterem acreditando que é possível, sim, parar o tempo, a cada onda que pegamos, em segundos que parecem horas, nesses momentos em que derrotamos o senhor do curso da vida com a ajuda da grande arma chamada oceano.
Ao mar.
À vida.
Ao surfe, 4 ever.
Forever young.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Nadal, Federer e uma menina especial


Como tantos outros jovens, ela deixou seu interior tranquilo, Marília, para perseguir seu sonho em São Paulo. Ela treina todos os dias como tantos outros atletas, mas Duda não é uma atleta comum. Os olhões azuis são translúcidos e transparentes como devem ser seus golpes numa bolinha amarela. O sorriso é discreto mas sempre presente. A fala, mansa mas decidida. Já suas palavras, faladas com atitude ou escritas com vontade nas redações pedidas por seu professor, quase sempre exalam algo raro quando se tem apenas 17 anos: a preocupação com os mais nobres valores.
Sim, ela não escreve com a frequência que seu professor pede, devido às muitas viagens para competir, mas quando o faz joga com raça e beleza. A beleza que ela sabe captar no esporte e na vida, ambos a mesma coisa para ela. Por isso, quando lhe perguntei hoje se tinha visto a final do Aberto da Austrália do seu motivo de viver, o tênis, ela tocou direto no essencial: nas lágrimas do derrotado, o grande poeta e gênio suíço da raquete, Roger Federer.
Ela poderia ter falado do jogo físico e mental impressionante do touro espanhol, Rafael Nadal, um cara que extrapolou de novo o conceito do que é ser guerreiro após disputar uma duríssima semifinal de 5 e 15 minutos de batalha e ainda encontrar forças para vencer a final em jogo de quase 4 horas e meia.
Poderia ter falado da inacreditável entrega de Nadal em cada ponto, um caçador incansável de bolas impossíveis.
Poderia ter falado do altíssimo nível técnico de mais uma inesquecível decisão entre os dois fantásticos tenistas.
Poderia ater-se mais ao jogo, à técnica e preparo físico e mental, ao resultado, ao campeão Nadal. Poderia se não estivéssemos falando da jovem tenista e pessoa rara chamada Duda Piai.
O que mais a marcou foram as lágrimas de Federer, que quase não conseguia falar na cerimônia de premiação, abalado com a frustrada tentativa de igualar o recorde de 14 títulos em torneios do Grand Slam, um recorde de Pete Sampras que ele chegou perto de alcançar nesta partida contra Nadal em que perdeu por apertados 3 sets a 2, com uma das derrotas em sets sendo no tie-breaker.
O que a marcou foi também a tão digna reação do justíssimo campeão, um Nadal de apenas 22 anos. O espanhol simplesmente não conseguiu comemorar e vibrar com seu triunfo épico (somando sua performance e luta interminável na semi e final) ao ver Federer chorando. Mais que isso, o garotão mais amado da Espanha ainda fez um depoimento que entrou direto para o rol dos mais nobres da história do esporte:

"Federer estava abalado e para mim era complicado, porque tenho uma excelente relação com ele", afirmou. "Desejo sorte para que ele consiga igualar e superar o recorde de Sampras."Ao consolar o companheiro, Nadal o chamou de "grande campeão" e enalteceu seu comportamento. "Vê-lo expressando seus sentimentos mostra o quanto ele é humano. Isso torna o nosso esporte grande." A confraternização no fim do jogo mereceu elogios do rei Juan Carlos, que telefonou ontem para Nadal. "Parabéns não só pelo partidaço e pela façanha histórica de ser o primeiro espanhol a conquistar o Aberto da Austrália, mas pela grandeza humana mostrada após a partida." (O Estado de S. Paulo, 02/02)

Quantos jovens e adultos hoje sabem valorizar a dor de um derrotado e a grandeza de um campeão que respeita a dor de quem superou?
Nunca vi Duda jogar seu tênis amado e vitorioso (a moça já conquistou inúmeros campeonatos de âmbito estadual e nacional), mas a cada posicionamento desse, parece que estamos vendo-a jogar-viver com o brilho, coração e caráter dos mais admiráveis ídolos do esporte e da vida. Que outro exemplo poderíamos desejar no primeiro dia de aula em Sampa 2009 que essa lição do coração sensível da menina de Marília?
* Veja abaixo a maravilhosa demonstração de grandeza humana de um super-campeão que não esconde sua dor, Federer.

domingo, fevereiro 01, 2009

O amor e o tempo



“Não importa como você toca. Mais importante é como você sente cada tecla”. O conselho só poderia vir de uma mestra, de alguém que mesmo deixada em um asilo, ainda reconhece e ensina tão bem a beleza da vida. A beleza que só pode estar no coração. No que sentimos. No que sentimos com entrega, paixão. O conselho vem de uma professora de piano já velhinha à criança Benjamin Button. Uma criança com corpo de velho, mas uma criança no que tem de mais puro: a vontade e alegria de aprender. A alegria de descobrir a magia das pequenas coisas essenciais como a música que vibra em cada tecla de piano. Ainda mais essenciais quando a professora, além da técnica, revela o poder de fazermos algo despejando nossa verdade mais profunda: nossos sentimentos.
O curioso caso de Benjamin Button não é apenas uma história e vida ao contrário, do bebê que nasce velho e vai rejuvenescendo ao longo dos anos. Não é apenas uma fábula sobre a eterna vitória do tempo (incrível como, mesmo ao contrário, o fim é sempre implacável). Não é apenas a impecável atuação de Brad Pitt, escondido por uma maquiagem sublime mas revelando-se em olhares, gestos e palavras em várias fases da vida. Não é só a beleza que é todo homem ou mulher que se joga na vida com a paixão ensinada pelos mestres e vontade genuína interior. A beleza com que o estranho (para a sociedade) Benjamin decide um dia partir em busca do mundo trabalhando em um barco.
Mesmo se o próprio Benjamim afirme algumas vezes que “nada é para sempre”, há algo, sim, que desafia o tempo e sua sina ao contrário, de ir perdendo anos em vez de ganhá-los. Há uma das poucas forças que conseguem vencer o tempo. Uma força chamada amor.
Uma força que Benjamin encontrará em uma criança, em uma jovem, em uma mulher, em uma senhora, em uma idosa, todas elas a mesma pessoa: o amor de sua vida.

Sim, mais do que a tão bela e revigorante quanto triste sina de Benjamim; mais do que a batalha contra o tempo, mesmo se o amor entre os amantes um dia se perder (ele fica mais jovem, ela envelhece), mesmo assim o amor prevalecerá.
Esta talvez a grande lição desse filme magnífico: mais importante que tocar o piano da vida é sentir a melodia de cada tecla que passa por nós. E, se tivermos a graça de encontrar aquela canção-metade que nos completa, devemos ter a coragem de jamais parar de tocá-la, cantá-la, senti-la.

Só assim poderemos partir sendo amados até nosso último suspiro (ou primeiro, para Benjamin). Só assim poderemos ser dignos até o fim. Dignos como os velhinhos e velhinhas que ajudaram a valente mãe adotiva de Benjamim a cuidar dele anos e anos no asilo em que foi abandonado. Aí outra das lições do filme: o carinho, sabedoria e ausência de preconceitos dos velhinhos. Tão descartados por nossa sociedade e mundo baseados na juventude, competição e lucro, são os idosos e sua capacidade de enxergar além das aparências que propiciam um crescimento saudável para aquele menino que nasceu horrivelmente velho para seu pai.
Não percam essa aula de vida. Não percam um formidável Brad Pitt e uma ainda melhor Cate Blanchet, uma atriz e mulher à altura de seu papel e missão: amar do início até o fim. Amar o estranho e o belo. Amar lá dentro.
Quantos conseguem amar dentro?
Quantos entenderam o recado de Peter Troy, o sábio viajante e surfista (nessa ordem) falecido há pouco?
Esse australiano que amava o Rio e o Brasil, um dia disse que surfar é apenas uma parte, um mero acorde, da música maior que vai muito além das ondas.
A música que Benjamin, um homem de trajetória extraordinária mas vida simples, sempre procurou e tentou tocar com a paixão que aprendeu com uma simples e maravilhosa professora de piano.
Porque em alguns homens e mulheres extraordinários, o coração é maior que o tempo.