domingo, março 29, 2009

O vencedor covarde


(O Coração Valente não tem a nada a ver com o medo de seu treinador)

Péssimo o futebol do clássico, de ambos os lados. Triste a covardia do São Paulo, que após fazer 1 a 0 em dois minutos, logo defendeu, linha por linha, a cartilha retranqueira de Muricy. Equipe muito mais encorpada e experiente, além de ter um meio-campo tremendamente superior, o São Paulo limitou-se, especialmente em todo o 2º tempo, a se defender, esperando o Palmeiras. É a tal da “eficiência”, palavrinha adorada por seu treinador. Por que não agredir o adversário se temos volantes que sabem jogar, como Jean, Arouca e, sobretudo, Hernanes? Por que, de novo, tanta covardia, como colocar depois mais um zagueiro, se o Palmeiras era incapaz de provocar perigo à meta de Rogério? Assim o São Paulo vai vencendo, com um futebol burocrático e frio que desonra a memória da antiga escola de futebol arte lapidada por mestre Telê. Desonra muito bem exposta hoje pelo editor do Lance, Marcelo Damato, ao atacar a covardia de Muricy e dizer que tudo o que Telê fez pelo belo futebol no clube, Muricy está fazendo o contrário, preocupando-se muito mais em se defender do que em atacar e jogar bola.
Ah, mas Muricy é tricampeão brasileiro... É, com um futebol do qual nenhum sãopaulino esclarecido se orgulha. Se alguém lembrar, por exemplo, alguma atuação maravilhosa do São Paulo de Muricy, estará mentindo.
As últimas grandes partidas do tricolor foram com Paulo Autuori, que fazia a equipe buscar o gol nas incisivas jogadas pela direita com Cicinho ou pela esquerda com as tabelas entre Danilo e Júnior.
Já o São Paulo de Muricy, com exceção dos lampejos de Hernanes, baseia-se no insuportável chuveirinho na área. O time é tão previsível que até o ofensivo Junior César, em vez de tentar mais os dribles, como na meia lua que deu ontem num palmeirense em direção da área, prefere mandar balão na área.
Sim, o gol ontem saiu de um cruzamento de Hernanes para a cabeça de Washington (bom esse não tem nada a ver com o medo de seu treinador, por isso, quando recebe um bom passe, coisa rara, guarda). E depois? Alguém se lembra do Marcos fazer uma defesa sequer???
Na Libertadores, o medo de Muricy será mortal, de novo. Qualquer time um pouquinho melhor que o Palmeiras (Claiton Xavier na seleção só poderia ser comentário do Caio na Globo, lamentável) teria não só empatado como virado o jogo ontem. Porque futebol não é paredão de tênis. Quem só rebate tem muito mais chances de tomar gols.
Quem tem medo pode ganhar seguidos Brasileiros de nível técnico cada vez piores. Mas não ganha, nem a pau, um campeonato muito mais duro (e mais técnico, sim senhor) como a Libertadores, que ainda envolve o “fator campo”. Imagina o Muricy retrancando o time no 2º tempo numa Bombonera, por exemplo: quantos minutos vocês acham que o Riquelme levará para encontrar alguém na cara do gol? E não precisa nem ser o Boca, pois jogar tão atrás não serve pra encarar também a correria da LDU (bem armada pelo bom meia argentino Manso) e outras equipes.
Quem quis ver bom futebol ontem só viu na bela apresentação da seleção argentina, um show do monstro Messi, bem apoiado por Maxi Rodriguez, Aguero e Tevez. Ou vocês acham que Don Diego Maradona ia botar sua equipe para jogar por resultado em casa? Ah, lembrando: o São Paulo jogava em casa, em seu estádio, com maioria de sua torcida.

segunda-feira, março 23, 2009

A última grande lição


Não há ninguém maior que ele no cinema de hoje. Não há ninguém que tenha se transformado tanto, do justiceiro implacável da série de filmes do policial Dirty Harry, aos personagens também durões, mas humanos de Menina de Ouro, A Conquista da Honra e agora, Gran Torino. Ninguém é tão grande como Clint Eastwood, o cineasta e ator fundamental dos EUA que tentam se humanizar e enxergar o outro. O outro que sempre perseguiram: dos negros escravos, inimigos nas guerras aos imigrantes latinos e asiáticos que tomaram o país em busca do “american dream”; do sonho de prosperidade econômica que seus lares, em países pobres e desvastados, não lhes permitiram. O outro, que Clint soube tão bem reconhecer no belíssimo Cartas de Iwo Jima, em que mostrou o nobre ponto de vista dos japoneses na 2ª Grande Guerra.
Em Gran Torino, Clint se despede do trabalho como ator encarnando com o impacto de sempre (cada gesto e olhar dele são sentenças de brutalidade latente ou sensibilidade sendo despertada) o reacionário Walt Kowalski, um velho branco rabugento descendentes de poloneses. Morta sua esposa e desprezado pelos filhos e netos, ele viverá sozinho num bairro de vizinhos quase todos imigrantes orientais, chicanos ou negros.
Walt não suporta os “chinas” que vivem ao seu lado. Não suporta conviver com quem lhe lembra os orientais que combateu e matou na Guerra da Coréia, nos anos 50. Não aceita - ele que trabalhou a vida toda na empresa-símbolo dos EUA, a Ford – a invasão dos carros asiáticos e outros produtos estrangeiros.
Na verdade, Walt não suporta mais a vida: a falta de amor dos filhos e netos; os EUA que não são mais a potência única do planeta e seus traumas de guerra.
Sem a esposa amada, só lhe resta morrer sozinho como como o homem duro e intolerante que sempre foi.
O contato, porém, com o adolescente oriental, Thao e sua irmã que vivem ao lado, lhe mostrarão que há mais respeito e afeto naquela família oriental e jovens do que ele jamais recebeu de seus filhos. Do que ele não vê mais nos jovens nascidos em seu próprio país.
É assim que o racista Walt descobrirá o valor daqueles “chinas”, na verdade os “hmongs”, povo nômade da Ásia que apoiou os norte-americanos na Guerra do Vietnã e, agora, tenta sobreviver numa América que lhes é hostil.
É assim que o velho Clint dá sua última lição, como ator e diretor, da tolerância que seu país e mundo precisam praticar.
A lição, que em boa parte do filme vem em forma de muito humor e piadas, logo se tornará um drama. Porque a intolerância em geral descamba para a violência sem freios.
A violência que Walt-Clint tentará deter com seu estilo de durão.
A violência que só poderá ser detida com a mais bela lição de amor ao outro que o cinema já nos ofereceu.
A lição que só mesmo o bom e velho Clint - o último dos bravos cowboys com coração e lealdade – poderia legar.
Porque poucos são capazes de filmes e gestos tão grandiosamente dignos e altruístas como este Walt Kowalski com que Clint encerra sua carreira de ator.
E como fará falta.
É sempre uma perda irreparável quando um grande se vai. Graças que Clint seguirá ainda trabalhando como diretor. E tentando resgatar a humanidade que boa parte do mundo perdeu.

sexta-feira, março 20, 2009

Folhetim (por Antero Greco *)


Vinha ontem pra cá disposto a falar de Neymar, a mais recente boa notícia de nosso esporte. Pensava também em fazer algumas divagações em torno da seleção e do frescor e da qualidade da safra que Dunga tem à disposição, se for ousado. Mudei de ideia ao ver na Globo, e em seguida ao ler no Estado, reportagens sobre Pedro Rocha. Sucintas, diretas e comoventes.
Antes de mais nada, você que é jovem me diga: sabe quem é Pedro Rocha? Se sabe, parabéns. Se ignora a importância de El Verdugo, me desculpe, mas vagueia pelas trevas futebolísticas. Mais ou menos como o Bruno, goleiro do Flamengo.
Pedro Virgilio Rocha Franchetti namorou a bola como poucos. Entre os anos 60 até o despontar da década de 80 desfilou sua elegância em gramados do mundo todo. Arrasou no Peñarol, seu berço em Montevidéu, depois na seleção uruguaia. Viveu o auge da carreira no São Paulo dos anos 70.
Pedro Rocha sempre foi o 10 por definição - e numa época em que usavam essa camisa mística craques da estirpe de Pelé, Dirceu Lopes, Rivellino, Ademir da Guia, para ficar em alguns exemplos domésticos. Refinado, dentro e fora de campo. Anos atrás, conversava com ele e o assunto chegou à Copa de 74. O tempo não fez diminuir a admiração pela seleção da Holanda, adversária na primeira fase. "Parecia que eles jogavam com 12, com 14", recordava. "Não víamos a cor da bola." O Carrossel ganhou por 2 a 0.
Rocha aos 66 anos enfrenta problemas provocados pela erosão que a idade provoca em nosso corpo vulnerável. As imagens da tevê que mostram o senhor de hoje são apenas um registro do tempo. Fiquei emocionado, mesmo, ao rever breves lances da magia que eram seus toques, dribles, passes e gols.
O presente de Rocha não difere muito daquele de tantos ex-jogadores. Nostalgia de outras eras, contatos com poucos amigos boleiros (Muricy e Terto são os mais próximos) e ver futebol pela tevê como passatempo. Aposentadoria precoce, depois de aventuras como técnico.
Para a minha geração - sim, lembro da conquista do tri em 70 -, Rocha é um símbolo, um mito, um monstro sagrado, um astro e outros adjetivos surrados mas que o tempo não corrói quando se trata de definir aqueles que de fato os merecem. Profissional já rodado e experiente, várias vezes controlei o impulso de pedir-lhe autógrafo durante uma entrevista. Cá entre nós, me arrependo...
Gente como Rocha merece respeito, porque tem lastro, estofo, acumulou tesouros esportivos que não somem. Só que mesmo ele corre o risco, ainda, de passar por saia-justa como ocorreu com Andrade. Lembra? Na semana passada, após bate-boca banal de fim de treino, na Gávea, o goleiro Bruno saiu de campo vociferando contra o auxiliar de Cuca: "Você não ganhou nada como treinador". Assim, como se falasse com um zé-ninguém. Não imaginava a repercussão negativa de seu destempero, por ignorar o meia que, nos anos 80, formou um dos maiores esquadrões do futebol e que venceu tudo com o Fla. Bruno admite até ir embora, espera avidamente convites e fala-se que o Benfica será seu destino. Sorte sua, se isso ocorrer.
Mas a atitude de Bruno não surpreende em um país em que não se respeitam os mais velhos, em que se diz, como se fosse gracinha inteligente, que quem gosta de passado é museu. Não é por acaso que muitas vezes os Rochas e Andrades que nos alegraram são tratados com desdém, o que me remete a Chico Buarque, em seu Folhetim: "Mas na manhã seguinte/Não conta até vinte/Te afasta de mim/Pois já não vales nada/És página virada/Descartada do meu folhetim".
* Publicado em O Estado de S. Paulo (20/03/09)

PS - Para ilustrar este belo texto de Antero Greco, procurei por fotos de Rocha com a camisa uruguaia, seleção que representou com alma e arte em Copas do Mundo, mas só encontrei esta foto pequenina. Tristes tempos em que deuses da bola como ele são praticamente esquecidos. Graças que existe o Youtube e torcedores-homens apaixonados que sabem o valor do passado, como essa belíssima homenagem que encontrei e posto abaixo:

quarta-feira, março 18, 2009

Turma da ponta da praia


Eu queria poder atender melhor meus alunos de Santos. Ter mais tempo. Ter mais contato, ouvi-los não só como estudantes mas as pessoas que são. Ouvir não apenas suas dúvidas mas seus sonhos e ideais.
Eu queria não apenas dar essas aulas tão rápidas (uma por turma, 50 minutos semanais, na real, 40 com os deslocamentos e chamada). Eu queria conversar um pouco.
Eu queria não apenas fazê-los ler um texto e escutar um pouco de teoria. Queria que eles contassem o que impressiona e emociona mais seus olhos e corações atentos. Queria ouvir as suas histórias livres e não apenas o que escrevem nas redações para nota de minha disciplina. Nas redações que os preparam para o vestibular.
Queria ter tempo para discutir a vida e que eles mergulhassem no papel depois dessas discussões.
Queria falar de música, cinema e viagens. De amor e amizade. De vitórias e derrotas.
Queria que eles sacassem que estou ali não só para prepará-los para uma faculdade. Queria que chegassem na boa e perguntassem sobre aquela cena marcante do filme ou aquele verso poderoso da canção.
Queria guardar o nome de cada um e não errar.
Queria saber o que mais apaixona cada um. Queria poder incentivar o sonho de cada um.
Queria descobrir e entender porque alguns são tão calados e dar uma força.
Queria saber um pouquinho da sabedoria de viver das meninas que sorriem iluminadas e dos moleques que me cumprimentam com a vontade de um brother.
Queria que não vissem apenas o professor, mas também um cara que gosta de aprender com seus alunos.
Que gosta, demais, de aprender com a explosão, paixão e sinceridade da juventude que vocês têm.
Sei que isso é impossível em uma aula por semana. Sei que minha missão aqui é ajudá-los a escrever melhor. Sei que o vestibular é implacável.
Mas sei também que a gente é brasileiro e pode ter um dedinho de prosa. Por isso, sempre que possível vou tentar ler alguma coisa que escrevi para vocês ou conversar um pouquinho.
A vida parece uma bateria de surfe. Em poucos minutos os surfistas profissionais precisam realizar os mais belos e radicais movimentos para vencerem e continuarem vivos no campeonato que disputam.
Em poucos minutos preciso dar uma aula e ajudá-los a melhorar.
Mas nesses poucos minutos também deve haver momentos de beleza e troca, como o surfista que pinta as ondas como um artista refinado. Como um pintor que explora com amor cada tela em branco.
A tela do surfista é também sua companheira: a onda - tão viva, azul e bela.
A tela do professor também é viva. São os olhos, mentes e corações de seus alunos.
Por isso, além das aulas, quem quiser precisar perguntar mais alguma coisa, pedir dica de livro, jornal, filme, banda, viagem, pode perguntar, na boa, no orkut.
Bota lá "Zé Augusto de Aguiar" e perguntem à vontade. Porque para mim as aulas ultrapassam as portas de uma classe.
Valeu.

* A canção acima o Bono fez para o pai dele. ofereço aos meus alunos de Santos. Porque às vezes não dá para conseguir chegar lá sozinho. E a gente tá aqui pra ajudar. Pra escutar esse vídeo traduzido e sacar mais o que podem pedir pra mim, clica em http://www.youtube.com/watch?v=0ExCc26Rv5Y

sexta-feira, março 13, 2009

Sexta-Feira


Poucos sons são mais instigantes e sugestivos que esse. Kings of Leon queimando tudo numa das canções mais aceleradas da história do rock and roll a falar do momento essencial em que homem e mulher botam e pegam fogo juntos. The sex is on fire. E chega de blá blá blá porque hoje é sexta-feira, vão logo pro abraço... Ou, se a coisa tá preta e solitária, acelelera a caranga e grita junto com a música, que logo logo você encontra o que fazer (e com quem...), nas próximas sextas, sábados, domingos etc.

domingo, março 08, 2009

SobR9enatural


Mais uma vez ele calou todos os seus críticos e suas próprias bobagens extra-campo. Mais uma vez ele provou o que não devíamos esquecer jamais: que ele é um dos maiores atacantes de todos os tempos e um dos monstros sagrados da história do futebol. Sim, não achava que sua terceira volta à bola renderia dias como esse. “Devia ter se aposentado faz tempo”, eu disse a minha mãe esta semana. Sábia e sensível, ela me mostrou, mais uma vez, a verdade: “Aposentar como? É o que ele sabe fazer, é o que ele mais ama nessa vida. Imagine se você nunca mais pudesse escrever...” sentenciou, definitiva, dona Vera Aguiar.
Sim, Ronaldo, mega milionário e sobrevivente de três dramáticas cirurgias, já podia ter parado faz muito tempo. Ainda bem que não o fez. Todos que não agüentavam mais o exagero da cobertura da mídia em sua passagem pelo Corinthians ficaram felizes com o gol redentor e com sua tão humana explosão na comemoração junto do alambrado. Lembrei de minha mãe, que infelizmente não pode ver isso ao vivo (justo ela que me ensinou que a vida é ao vivo; justo ela que não acha a menor graça em ver as coisas depois de que aconteceram). Mas fique sabendo, mãe, que seu filho que cismou tanto com esse Fenômeno, não conseguiu esconder a alegria em ver não só o gol, aos 45 do 2º tempo!, mas o êxtase de alegria com que ele festejou mais um cala-boca naqueles que adoram meter o pau antes da hora. Naqueles que esquecem rápido, como eu e muitos fizeram.
Perdão, Ronaldo. E obrigado, além do gol, pelos belos e insinuantes lances que você criou nessa meia hora mágica, com direito a giros, cortes secos, um chute sensacional de longe no travessão (uma pancada com a marca dos craques, colocada) e um drible seguido de cruzamento perfeito para a cabeça de um companheiro que não soube fazer o gol.
Nesse futebol tão pobre do Paulistinha, você faz mesmo a diferença, mesmo ainda gordo e lento, mas só físico. Porque a mente e seus gestos continuam com a marca dos grandes nomes da história.
Que você brilhe ainda mais, que recupere a forma e que nos ensine o que é resistir. O que é renascer. Na verdade, não precisaria fazer mais nada, porque o que fez hoje já entrou definitivamente para a história das voltas por cima mais incríveis do esporte mundial. De novo.
De novo!
A se lamentar apenas a falta de nobreza, mais uma vez, de Wanderley Luxemburgo. Em vez de aceitar a obra do Fenômeno, ficou dando xilique com a arbitragem na hora do apito final. Em vez de entender a beleza do futebol, preferiu a covarde atitude dos que não sabem perder.
Valeu, ex-Fenômeno, agora, legítimo Senhor Sobrenatural!

O menino brasileiro


Como o maravilhoso 2 Filhos de Francisco, O Menino da Porteira é um daqueles filmes que nos faz lembrar como é belo esse país e sua gente simples, entoando suas histórias singelas e também nossa música mais verdadeira. A música que nos envolve e comove aos poucos com as palavras e histórias mais deliciosas de brasileiros que enfrentam a dura lida da vida. A música que vem do coração do país como a canção tradicional sertaneja. Canção que é muito bem defendida por Daniel, cantor das coisas da terra moderno mas respeitador digno dos clássicos mais belos. Clássicos como “Tocando em frente”, de Almir e Sater e Renato Teixeira, que abre em magnífica cena o filme enquanto o peão de boiadeiro interpretado por Daniel viaja com o gado que ele deve entregar na fazenda de Ouro Fino. Sim, a Ouro Fino eternizada na canção O Menino da Porteira, letra que inspirou essa refilmagem de um dos maiores sucessos da história do cinema nacional, dos anos 70.
Cinco pessoas estavam na sala de cinema em pleno sábado (tudo bem, era a primeira sessão, mas cinco só?) num filme que é pura poesia cotidiana do campo e luta sertaneja contra o poder maléfico de um grande fazendeiro. Uma luta sempre desigual do homem simples do campo contra os grandes proprietários de terra, batalha que só aumentaria com o passar das décadas, desde o 1954 em que se desenrola essa trama.
Uma luta livre, e por isso tão bela, do boiadeiro que vive das entregas de gado sem um patrão definido. Ele faz o serviço de acordo com os trabalhos tratados com diferentes fazendeiros. Por isso o boiadeiro é um personagem tão rico, um andarilho a cavalo sem estrada definida. Definido é apenas seu rumo, sempre atravessando estradas e as condições da natureza, sempre tocando em frente. Sempre aprendendo nas suas viagens que são verdadeiras jornadas de aprendizado. Vivem do cavalo, dos bois, do berrante que orienta e protege o gado. Do berrante que é a nossa gaita de foles mágica a conduzir essa vida tão bela quanto simples. A vida que ensina a canção, “Penso que cumprir a vida seja simplesmente /Compreender a marcha e ir tocando em frente /Como um velho boiadeiro levando a boiada /Eu vou tocando os dias pela longa estrada / eu vou / Estrada eu sou...” (Tocando em frente).
Estrada que está tão arraigada no peito do boiadeiro. Estrada que é trabalho tão suado e ao mesmo tempo tão livre, sem chefe a fiscalizar, mandar.
As estradas de um Brasilzão que praticamente não existe mais, pois como o próprio filme mostra, na razão cruel do grande fazendeiro, “um dia esse trem vai chegar perto e levar meu gado, aí esses boiadeiros não servirão pra mais nada”.
O trem chegaria, as comitivas dos peões seriam quase extintas. Porém, sobrevive em quem ama o Brasil mais puro e verdadeiro, o Brasil de nossas entranhas regionais, a beleza de personagens tão puros como o menino da porteira. A beleza de nossa arte antiga, de canções meio escondidas no tempo e preservadas apenas pelos amantes do sertanejo.
Além de toda essa arte, esse novo Menino da Porteira traz em sua fotografia, trilha sonora poderosa e ricas interpretações (em especial do garoto que faz o menino do título e do vilão fazendeiro feito por José de Abreu) uma sessão de coração brasileiro cheio de orgulho. Um orgulho gostoso que dá vontade de trocar os destinos usuais no próximo feriado e mergulhar na tão rica terra e cultura do interiorzão mais afastado. O filme é uma delícia tão quentinha como bolo de fubá e café forte no meio do campo em noite fria que até o cantor Daniel não faz feio. Mais que isso, ele solta a voz com rara emoção a cada vez que pega a viola e solta a alma sertaneja em forma de canções que mais parecem lendas. E tem ainda a brejeirice doce da mocinha Vanessa Giácomo.
Está mais que na hora de redescobrir as estradas e pessoas tão saborosas e únicas como a imaginária estrada de Ouro Fino. Largue um pouco a música e a cidade que se repete em seu dia-a-dia e mergulhe com gosto nesse filme que é também uma grandiosa canção filmada. Uma canção igualzinha ao coração dos brasileiros mais puros, bravos e sábios. Uma canção que também pode se misturar a nossa própria história, como toda grande música,

“Todo mundo ama um dia, todo mundo chora,
Um dia a gente chega, no outro vai embora

Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz...”

quarta-feira, março 04, 2009

Aquela que nunca nos derruba


"Ao pé do mar ficamos enormes, ficamos gigantes. Só de o ver. Olhar sem esperar nada - nem a retribuição do olhar - é um privilégio. O mar, como a morte, oferece-nos essa plateia. Diante dele só podemos melhorar" (Filipe Nunes Vicente, blog Mar Salgado)
“Você é muito sensível, né?”. Num mundo belo e ideal, a frase seria um elogio. Pena que vivemos tempos mais práticos, objetivos e racionais. Uma época em que muita sensibilidade é considerada fraqueza. Assim, homens e mulheres sensíveis demais são considerados fracos. São deixados de lado numa sociedade que prefere as pessoas mais práticas (frias?) e menos sentimentais, aquelas que vão direto ao assunto.
Aconteceu no domingo. Mais uma pancada, daquelas de deixar grogue e cambaleando no canto do ringue. Lá se foi uma chance de trabalho em que ele poderia mostrar o quão era apaixonado e conhecedor de muita coisa. Talvez aí outra palavra perigosa no mundo mais “prático”: paixão. Muitos acreditam que a paixão compromete muitos trabalhos por podar o espírito crítico.
Derrotas pesam. Vão consumindo nossas forças. Mas eis que pinta uma força inesperada, diretamente do brother lá do sul. O cara manda uma frase de outro surfista: “Your favourite song and your favourite wave will never let you down”. Sua canção preferida e sua onda preferida nunca vão te derrubar.
Segunda-feira é o dia do homem sensível partir para a praia onde dá aulas toda terça-feira. É dia de surfe no fim de tarde. A previsão não tá nem aí e mostra um flat sinistro na praia de seu trabalho e na maioria dos picos vizinhos. Eis que as palavras do email são a senha para dar uma checada no pico amado. No pico que o formou como surfista. No pico em que um dia se apaixonou pelas ondas e nunca mais deixou de amá-las. Estranho: flat, nada de ondas por tudo quanto é lado, mas seu pico de coração sinalizava uma chance. Ondas pequenas, mas ondas, esse era o boletim.
Só podia partir para lá.
Só podia seguir a belíssima frase enviada pelo brother.
Só podia seguir o amor pelas canções e ondas que construíram o fundo de seu peito.
Só podia desviar um pouco do seu caminho e voltar ao seu pico de origem. Aquele que o formou, aquele em que mais aprendeu. Aquele que será sempre confundido com as mais belas lembranças da juventude. Com verões sem fim de sessions ao amanhecer e anoitecer, permeadas por dias dedicados à leitura ou seriado favorito visto deitado no sofá. Como aquele verão em que devorou o amor e a guerra de Kundera em A Insustentável Leveza do Ser, um dos livros que moldou seu coração. E em que assistia a jovens tentando vencer na vida e namoro enquanto a canção do REM mostrava como isso era difícil, como isso ia nos fazendo perder um pouco da fé, Losing my religion.
Só podia voltar para o seu lugar. Mais que isso, seu ninho. Só podia botar pra tocar na estrada aqueles velhos CDs ou novo CD do velho mestre. Só podia ser Freddie e seu Queen cantando a luta do amor contra a pressão insana do sistema e da sociedade em Under Pressure. Só podia ser Bruce cantando a luta dos outsiders, dos seres às margens da sociedade, em seu belíssimo novo álbum.
No meio do caminho, mesmo nesses dias de massa infernal de ar quente, já sabia que, contra todas as condições normais, elas estariam lá. Elas, as ondas. Sabia também que seu passaporte era tão velho e grandioso como seu amor à vida: aquela prancha enorme que mais parece uma foto antiga que um dia redescobrimos. Velha e amarelada. Mas viva, cheia de cicatrizes e lembranças.
Viva porque ele saberia revivê-la com o requisito essencial de uma boa session de pranchão: sensibilidade; toneladas leves, fluidas, quase etéreas, de sensibilidade. Sim, ela mesma: o sentimento e arte que o mundo pragmático, racional e ultra-competitivo cada vez mais rejeita. O mundo, mas não os homens das águas.
Lá foi então o surfista bailar e navegar sua prancha com pés quase a flutuar enquanto o velho pranchão preenchia cada cantinho das ondas e viajava em passeios sem fim. Com pés suaves, tronco ligeiramente arqueado – reverência à arte, beleza e vida – e alma a levitar de poeta. Com toda a mágica e sensibilidade que a arte mais pura exige.
Foi então que entendi, no meio de uma das melhores sessions de long da minha vida - ondas longas, lisas e intermináveis como uma Malibu clássica dos anos dourados – o argumento do soul surfer português Pedro Adão e Silva. No mar não ficamos menores, diminuídos pela imensidão azul. Pelo contrário, o mar nos faz crescer, nos torna grandes e importantes pelo simples fato de entrar nele ou contemplá-lo.
Grandes por esquecermos de tudo e viajarmos numa das viagens mais sensíveis possíveis a um ser humano: o longo deslizar e aproveitar cada pedacinho da onda como o amante que sabe explorar cada pedacinho da sua amada.
"... há no mar uma dignidade e uma grandeza que se reflete em quem para ele olha e quem nele vive. Nada no mar nos torna pequenos, pelo contrário." (Pedro Adão)
Sim, surfar é fazer amor com as ondas. E é também acreditar em coisas sem explicação mas que se repetem com frequência, como saber que nossa onda favorita jamais nos botará pra baixo.