domingo, março 08, 2009

O menino brasileiro


Como o maravilhoso 2 Filhos de Francisco, O Menino da Porteira é um daqueles filmes que nos faz lembrar como é belo esse país e sua gente simples, entoando suas histórias singelas e também nossa música mais verdadeira. A música que nos envolve e comove aos poucos com as palavras e histórias mais deliciosas de brasileiros que enfrentam a dura lida da vida. A música que vem do coração do país como a canção tradicional sertaneja. Canção que é muito bem defendida por Daniel, cantor das coisas da terra moderno mas respeitador digno dos clássicos mais belos. Clássicos como “Tocando em frente”, de Almir e Sater e Renato Teixeira, que abre em magnífica cena o filme enquanto o peão de boiadeiro interpretado por Daniel viaja com o gado que ele deve entregar na fazenda de Ouro Fino. Sim, a Ouro Fino eternizada na canção O Menino da Porteira, letra que inspirou essa refilmagem de um dos maiores sucessos da história do cinema nacional, dos anos 70.
Cinco pessoas estavam na sala de cinema em pleno sábado (tudo bem, era a primeira sessão, mas cinco só?) num filme que é pura poesia cotidiana do campo e luta sertaneja contra o poder maléfico de um grande fazendeiro. Uma luta sempre desigual do homem simples do campo contra os grandes proprietários de terra, batalha que só aumentaria com o passar das décadas, desde o 1954 em que se desenrola essa trama.
Uma luta livre, e por isso tão bela, do boiadeiro que vive das entregas de gado sem um patrão definido. Ele faz o serviço de acordo com os trabalhos tratados com diferentes fazendeiros. Por isso o boiadeiro é um personagem tão rico, um andarilho a cavalo sem estrada definida. Definido é apenas seu rumo, sempre atravessando estradas e as condições da natureza, sempre tocando em frente. Sempre aprendendo nas suas viagens que são verdadeiras jornadas de aprendizado. Vivem do cavalo, dos bois, do berrante que orienta e protege o gado. Do berrante que é a nossa gaita de foles mágica a conduzir essa vida tão bela quanto simples. A vida que ensina a canção, “Penso que cumprir a vida seja simplesmente /Compreender a marcha e ir tocando em frente /Como um velho boiadeiro levando a boiada /Eu vou tocando os dias pela longa estrada / eu vou / Estrada eu sou...” (Tocando em frente).
Estrada que está tão arraigada no peito do boiadeiro. Estrada que é trabalho tão suado e ao mesmo tempo tão livre, sem chefe a fiscalizar, mandar.
As estradas de um Brasilzão que praticamente não existe mais, pois como o próprio filme mostra, na razão cruel do grande fazendeiro, “um dia esse trem vai chegar perto e levar meu gado, aí esses boiadeiros não servirão pra mais nada”.
O trem chegaria, as comitivas dos peões seriam quase extintas. Porém, sobrevive em quem ama o Brasil mais puro e verdadeiro, o Brasil de nossas entranhas regionais, a beleza de personagens tão puros como o menino da porteira. A beleza de nossa arte antiga, de canções meio escondidas no tempo e preservadas apenas pelos amantes do sertanejo.
Além de toda essa arte, esse novo Menino da Porteira traz em sua fotografia, trilha sonora poderosa e ricas interpretações (em especial do garoto que faz o menino do título e do vilão fazendeiro feito por José de Abreu) uma sessão de coração brasileiro cheio de orgulho. Um orgulho gostoso que dá vontade de trocar os destinos usuais no próximo feriado e mergulhar na tão rica terra e cultura do interiorzão mais afastado. O filme é uma delícia tão quentinha como bolo de fubá e café forte no meio do campo em noite fria que até o cantor Daniel não faz feio. Mais que isso, ele solta a voz com rara emoção a cada vez que pega a viola e solta a alma sertaneja em forma de canções que mais parecem lendas. E tem ainda a brejeirice doce da mocinha Vanessa Giácomo.
Está mais que na hora de redescobrir as estradas e pessoas tão saborosas e únicas como a imaginária estrada de Ouro Fino. Largue um pouco a música e a cidade que se repete em seu dia-a-dia e mergulhe com gosto nesse filme que é também uma grandiosa canção filmada. Uma canção igualzinha ao coração dos brasileiros mais puros, bravos e sábios. Uma canção que também pode se misturar a nossa própria história, como toda grande música,

“Todo mundo ama um dia, todo mundo chora,
Um dia a gente chega, no outro vai embora

Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz...”

Um comentário:

  1. Que gostoso foi ler seu texto e rever algumas cenas desse filme maravilhoso, depois de vê-lo no cinema... V.H.

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