"Ao pé do mar ficamos enormes, ficamos gigantes. Só de o ver. Olhar sem esperar nada - nem a retribuição do olhar - é um privilégio. O mar, como a morte, oferece-nos essa plateia. Diante dele só podemos melhorar" (Filipe Nunes Vicente, blog Mar Salgado)
“Você é muito sensível, né?”. Num mundo belo e ideal, a frase seria um elogio. Pena que vivemos tempos mais práticos, objetivos e racionais. Uma época em que muita sensibilidade é considerada fraqueza. Assim, homens e mulheres sensíveis demais são considerados fracos. São deixados de lado numa sociedade que prefere as pessoas mais práticas (frias?) e menos sentimentais, aquelas que vão direto ao assunto.
Aconteceu no domingo. Mais uma pancada, daquelas de deixar grogue e cambaleando no canto do ringue. Lá se foi uma chance de trabalho em que ele poderia mostrar o quão era apaixonado e conhecedor de muita coisa. Talvez aí outra palavra perigosa no mundo mais “prático”: paixão. Muitos acreditam que a paixão compromete muitos trabalhos por podar o espírito crítico.
Derrotas pesam. Vão consumindo nossas forças. Mas eis que pinta uma força inesperada, diretamente do brother lá do sul. O cara manda uma frase de outro surfista: “Your favourite song and your favourite wave will never let you down”. Sua canção preferida e sua onda preferida nunca vão te derrubar.
Segunda-feira é o dia do homem sensível partir para a praia onde dá aulas toda terça-feira. É dia de surfe no fim de tarde. A previsão não tá nem aí e mostra um flat sinistro na praia de seu trabalho e na maioria dos picos vizinhos. Eis que as palavras do email são a senha para dar uma checada no pico amado. No pico que o formou como surfista. No pico em que um dia se apaixonou pelas ondas e nunca mais deixou de amá-las. Estranho: flat, nada de ondas por tudo quanto é lado, mas seu pico de coração sinalizava uma chance. Ondas pequenas, mas ondas, esse era o boletim.
Só podia partir para lá.
Só podia seguir a belíssima frase enviada pelo brother.
Só podia seguir o amor pelas canções e ondas que construíram o fundo de seu peito.
Só podia desviar um pouco do seu caminho e voltar ao seu pico de origem. Aquele que o formou, aquele em que mais aprendeu. Aquele que será sempre confundido com as mais belas lembranças da juventude. Com verões sem fim de sessions ao amanhecer e anoitecer, permeadas por dias dedicados à leitura ou seriado favorito visto deitado no sofá. Como aquele verão em que devorou o amor e a guerra de Kundera em A Insustentável Leveza do Ser, um dos livros que moldou seu coração. E em que assistia a jovens tentando vencer na vida e namoro enquanto a canção do REM mostrava como isso era difícil, como isso ia nos fazendo perder um pouco da fé, Losing my religion.
Só podia voltar para o seu lugar. Mais que isso, seu ninho. Só podia botar pra tocar na estrada aqueles velhos CDs ou novo CD do velho mestre. Só podia ser Freddie e seu Queen cantando a luta do amor contra a pressão insana do sistema e da sociedade em Under Pressure. Só podia ser Bruce cantando a luta dos outsiders, dos seres às margens da sociedade, em seu belíssimo novo álbum.
No meio do caminho, mesmo nesses dias de massa infernal de ar quente, já sabia que, contra todas as condições normais, elas estariam lá. Elas, as ondas. Sabia também que seu passaporte era tão velho e grandioso como seu amor à vida: aquela prancha enorme que mais parece uma foto antiga que um dia redescobrimos. Velha e amarelada. Mas viva, cheia de cicatrizes e lembranças.
Viva porque ele saberia revivê-la com o requisito essencial de uma boa session de pranchão: sensibilidade; toneladas leves, fluidas, quase etéreas, de sensibilidade. Sim, ela mesma: o sentimento e arte que o mundo pragmático, racional e ultra-competitivo cada vez mais rejeita. O mundo, mas não os homens das águas.
Lá foi então o surfista bailar e navegar sua prancha com pés quase a flutuar enquanto o velho pranchão preenchia cada cantinho das ondas e viajava em passeios sem fim. Com pés suaves, tronco ligeiramente arqueado – reverência à arte, beleza e vida – e alma a levitar de poeta. Com toda a mágica e sensibilidade que a arte mais pura exige.
Foi então que entendi, no meio de uma das melhores sessions de long da minha vida - ondas longas, lisas e intermináveis como uma Malibu clássica dos anos dourados – o argumento do soul surfer português Pedro Adão e Silva. No mar não ficamos menores, diminuídos pela imensidão azul. Pelo contrário, o mar nos faz crescer, nos torna grandes e importantes pelo simples fato de entrar nele ou contemplá-lo.
Grandes por esquecermos de tudo e viajarmos numa das viagens mais sensíveis possíveis a um ser humano: o longo deslizar e aproveitar cada pedacinho da onda como o amante que sabe explorar cada pedacinho da sua amada.
Aconteceu no domingo. Mais uma pancada, daquelas de deixar grogue e cambaleando no canto do ringue. Lá se foi uma chance de trabalho em que ele poderia mostrar o quão era apaixonado e conhecedor de muita coisa. Talvez aí outra palavra perigosa no mundo mais “prático”: paixão. Muitos acreditam que a paixão compromete muitos trabalhos por podar o espírito crítico.
Derrotas pesam. Vão consumindo nossas forças. Mas eis que pinta uma força inesperada, diretamente do brother lá do sul. O cara manda uma frase de outro surfista: “Your favourite song and your favourite wave will never let you down”. Sua canção preferida e sua onda preferida nunca vão te derrubar.
Segunda-feira é o dia do homem sensível partir para a praia onde dá aulas toda terça-feira. É dia de surfe no fim de tarde. A previsão não tá nem aí e mostra um flat sinistro na praia de seu trabalho e na maioria dos picos vizinhos. Eis que as palavras do email são a senha para dar uma checada no pico amado. No pico que o formou como surfista. No pico em que um dia se apaixonou pelas ondas e nunca mais deixou de amá-las. Estranho: flat, nada de ondas por tudo quanto é lado, mas seu pico de coração sinalizava uma chance. Ondas pequenas, mas ondas, esse era o boletim.
Só podia partir para lá.
Só podia seguir a belíssima frase enviada pelo brother.
Só podia seguir o amor pelas canções e ondas que construíram o fundo de seu peito.
Só podia desviar um pouco do seu caminho e voltar ao seu pico de origem. Aquele que o formou, aquele em que mais aprendeu. Aquele que será sempre confundido com as mais belas lembranças da juventude. Com verões sem fim de sessions ao amanhecer e anoitecer, permeadas por dias dedicados à leitura ou seriado favorito visto deitado no sofá. Como aquele verão em que devorou o amor e a guerra de Kundera em A Insustentável Leveza do Ser, um dos livros que moldou seu coração. E em que assistia a jovens tentando vencer na vida e namoro enquanto a canção do REM mostrava como isso era difícil, como isso ia nos fazendo perder um pouco da fé, Losing my religion.
Só podia voltar para o seu lugar. Mais que isso, seu ninho. Só podia botar pra tocar na estrada aqueles velhos CDs ou novo CD do velho mestre. Só podia ser Freddie e seu Queen cantando a luta do amor contra a pressão insana do sistema e da sociedade em Under Pressure. Só podia ser Bruce cantando a luta dos outsiders, dos seres às margens da sociedade, em seu belíssimo novo álbum.
No meio do caminho, mesmo nesses dias de massa infernal de ar quente, já sabia que, contra todas as condições normais, elas estariam lá. Elas, as ondas. Sabia também que seu passaporte era tão velho e grandioso como seu amor à vida: aquela prancha enorme que mais parece uma foto antiga que um dia redescobrimos. Velha e amarelada. Mas viva, cheia de cicatrizes e lembranças.
Viva porque ele saberia revivê-la com o requisito essencial de uma boa session de pranchão: sensibilidade; toneladas leves, fluidas, quase etéreas, de sensibilidade. Sim, ela mesma: o sentimento e arte que o mundo pragmático, racional e ultra-competitivo cada vez mais rejeita. O mundo, mas não os homens das águas.
Lá foi então o surfista bailar e navegar sua prancha com pés quase a flutuar enquanto o velho pranchão preenchia cada cantinho das ondas e viajava em passeios sem fim. Com pés suaves, tronco ligeiramente arqueado – reverência à arte, beleza e vida – e alma a levitar de poeta. Com toda a mágica e sensibilidade que a arte mais pura exige.
Foi então que entendi, no meio de uma das melhores sessions de long da minha vida - ondas longas, lisas e intermináveis como uma Malibu clássica dos anos dourados – o argumento do soul surfer português Pedro Adão e Silva. No mar não ficamos menores, diminuídos pela imensidão azul. Pelo contrário, o mar nos faz crescer, nos torna grandes e importantes pelo simples fato de entrar nele ou contemplá-lo.
Grandes por esquecermos de tudo e viajarmos numa das viagens mais sensíveis possíveis a um ser humano: o longo deslizar e aproveitar cada pedacinho da onda como o amante que sabe explorar cada pedacinho da sua amada.
"... há no mar uma dignidade e uma grandeza que se reflete em quem para ele olha e quem nele vive. Nada no mar nos torna pequenos, pelo contrário." (Pedro Adão)
Sim, surfar é fazer amor com as ondas. E é também acreditar em coisas sem explicação mas que se repetem com frequência, como saber que nossa onda favorita jamais nos botará pra baixo.
Sim, surfar é fazer amor com as ondas. E é também acreditar em coisas sem explicação mas que se repetem com frequência, como saber que nossa onda favorita jamais nos botará pra baixo.
Zé, muito bom ler esse texto, cara.
ResponderExcluirQue bom saber que uma simples (mas forte) frase que coloquei junto ao e-mail teve esse efeito tão importante no teu momento, brother.
Espero que a próxima segunda tenha altas pro teu final de tarde. Eu vou ter feriado (aniversário de Joinville) e também vou poder surfar nessa segunda, e a previsão é boa.
Abraço!
Gustavo
"No mar não ficamos menores, diminuídos pela imensidão azul. Pelo contrário, o mar nos faz crescer, nos torna grandes e importantes pelo simples fato de entrar nele ou contemplá-lo."
ResponderExcluirDepois dessa frase não preciso dizer mais nada, ela diz tudo, todos os sentimentos e sensações que o mar nos presenteia.