domingo, novembro 27, 2005


O herói em que ninguém acreditava
Diego Hypólito é um daqueles raros casos de campeões que se formam dentro de si próprio - graças ao seu próprio talento e força interior - e contra as expectativas de toda a mídia.

Por que ninguém falava dele ou apostava nele? Por que, no dia em que disputaria a final do solo (madrugada de sexta para sábado), os jornais apenas registravam que ele estava na final (em duas, três linhas) e preferiam escrever longos artigos sobre Daiane dos Santos (que faria a final feminina do solo) ou sobre sua irmã, Danielle, que terminara a prova individual geral (que consagra as ginastas mais completas em todos os aparelhos) com um bom 9o lugar? Por que ninguém acreditava no garoto que em 2004 conquistou cinco medalhas de ouro em etapas da Copa do Mundo de Ginástica?

Mas ontem, em Melbourne, Austrália, Diego Hypólito, 19 anos, surpreendeu a todos e depois de se classificar em 8o lugar para a final da prova de solo (só haviam 8 vagas para essa final), fez uma série fantástica e venceu. Tornou-se o primeiro homem brasileiro campeão do Campeonato Mundial de Ginástica Artística (competição mais difícil que a Copa do Mundo e inferior apenas à Olimpíada). Nunca li na mídia que Diego poderia ser campeão mundial.

Mais surpreso fiquei, ao ler hoje nos jornais e sites, a história dessa conquista, uma das mais inacreditáveis do esporte em todos os tempos. A razão? Diego fraturou em abril deste ano a tíbia do tornozelo esquerdo. Teve que botar gesso, pino, encarar fisioterapia e depressão. Em junho, quando o médico anunciou que ele poderia voltar a treinar duas semanas depois, Diego se precipitou, foi treinar e fraturou a tíbia de novo. Criticado como imaturo e irresponsável, voltou ao inferno da luta pela recuperação espalhada em mais longos três meses.

Enquanto os atletas rivais treinavam e disputavam competições, “o irmão de Danielle Hypólito” (a carioca que colocou o Brasil no mapa da ginástica em 2001 ao ser prata no Mundial de Ghent) seguia apenas fazendo fisioterapia e tentando manter a forma treinando duro apenas nos braços, onde foi ficando cada vez mais forte.

Diego voltou a treinar ginástica apenas em outubro, três semanas antes do Mundial da Austrália. Lá, errou em sua apresentação na classificação e, depois de alcançar o 8o lugar teve que torcer para que vários atletas não o ultrapassassem em exibições posteriores à sua. Deu certo, naqueles (de novo) raros casos em que a história parecia apenas um destino pré-determinado. Mais de dez atletas se apresentaram depois dele e não conseguiram superar a sua nota 9,300 que garantia a 8a e última vaga para a final.

Na grande decisão, Diego praticamente não errou, marcou 9,675 pontos e se tornou o melhor ginasta de solo do planeta. No dia seguinte, a sempre tão badalada Daiane falhou novamente (como ocorrera na Olimpíada de Atenas, em que era a grande favorita) ao errar o seu salto “Dos Santos”, cair sentada no tablado e ficar apenas no modesto sétimo lugar na final do solo.
"Ele acertou o exercício quando tinha que acertar. Esperou três anos para ganhar, e conseguiu", disse o ucraniano Vyacheslav Azimov, técnico da equipe masculina brasileira, referindo-se ao quarto lugar obtido por Diego no Mundial da Hungria, realizado na cidade de Debrecen, em 2002.

O primeiro grande ato de Diego como campeão foi revelar que não ganha nada de seu clube nem da Seleção Brasileira, que vive apenas do salário do seu patrocinador pessoal, a Credicard. Coragem de campeão, que cobra mais para si, para seus companheiros de seleção (sempre ofuscados pelas meninas, que ganham bem mais que os homens) e para seu esporte.

Simples, sempre humilde e sem a arrogância de outros grandes atletas, Diego Hypólito construiu na madrugada de sexta-feira uma das mais espetaculares façanhas da história do esporte brasileiro e mundial. Que seja, finalmente, valorizado como se deve por um país que o ignorava.

quarta-feira, outubro 19, 2005


Um convite do coração
- Tem jogo meu hoje, sábado, domingo...; Raíssa convidava para um jogo atrás do outro, mas seu professor nunca ia. Na maioria das vezes não dava mesmo; em outras ele podia ter se esforçado mais. Não o fez, mas mesmo assim ela tentava de novo, com a mesma beleza dos que convidam de verdade, fazendo o convidado se sentir especial. Vinha e vinha de novo, porque o ser humano precisa ser visto e apoiado no que faz com mais paixão. O apoio, mágico, que sentimos quando alguém vem nos ver em pleno dia de semana.

Um dia ele foi, depois de muito tempo sem vê-la em ação. Como foi bom perceber a evolução dela. A atacante irregular do passado se tornou mais firme e forte. A garra e vontade aumentaram, além dela ter adquirido uma notável concentração para sacar: olhos fixos nas adversárias enquanto se abaixa e bate a bola várias vezes no chão com as duas mãos, antes de levantá-la e enfiar a mão com força e precisão. Não errou nenhum! Me lembrou a concentração dos grandes atletas da história, imperturbáveis e decididos antes de cobrar um pênalti, lance livre ou saque.

E ainda preciso ressaltar suas defesas, em como também melhorou nesse fundamento cada vez mais exigido e essencial em um time de vôlei.

Parabéns, moça, pena que tão poucos foram lá te ver, como seu professor, seus colegas, Renato, o torcedor número um dos esportistas do seu colégio, a Bia, e, claro, seu fã número um, seu pai. Aliás, precisava ver a tensão e alegria de seu velho a cada ponto.

Obrigado também por me convidar por outro motivo: pude voltar ao Pinheiros, o clube onde fui tão feliz treinando atletismo e sonhando com uma intensidade parecida com a sua paixão pelo vôlei.
Queria assistir mais momentos felizes de sua vida como esses, Raíssa. Como não dá, saiba que estaremos sempre torcendo por você. Não sabemos onde chegará, mas lembre no futuro que houve uma época em que conseguiu nos inspirar e motivar com sua raça, talento e determinação em uma quadra de voleibol.

Finalmente, nunca perca esse seu jeito tão transparente, alegre e esperançoso de convidar as pessoas para assisti-la. É tão bonito como aqueles apresentadores que anunciam um espetáculo para o público.

PS - Mas da próxima vez vê se dá pelo menos um tchauzinho para seus torcedores né!!!

segunda-feira, outubro 17, 2005


Sonhos da bola laranja
São meros garotos, mas já treinam e sonham como homens. Fernando Soria, Thiago Ortega e Henrique Aguiar jogam basquete nas categorias inferiores do Palmeiras. Domingo passado estrearam nos playoffs do Campeonato Paulista. Pela primeira vez pude vê-los em ação e constatar aquele brilho nos olhos de meninos que sonham tanto. Com o basquete brasileiro? Seleção? Talvez. Mas minha aposta maior é que quando a noite e o sono chega, o travesseiro gostoso e o corpo exausto os levam direto para a NBA ou para a Europa, porque o basquete profissional nacional anda cada vez mais triste. Que moleque será louco de sonhar em jogar para uma seleção que tem o Lula como treinador? Ou o Grego como presidente há milênios? E como vão sonhar com o Brasil se não existem mais ídolos aqui desde que o eterno Oscar encerrou a carreira? Tá, posso estar errado, porque o Fernando já me disse achar um absurdo o Nenê se recusar a jogar pela seleção, mas sei não...

Antes do sonho, uma jornada longa demais. Direto para o jogo Palmeiras e Paulistano, no ginásio desse último. Fernando volta de contusão no tornozelo, está meio mal nos primeiros dois quartos, mas depois, mostra o seu valor. No momento mais dramático, quando o Paulistano empata o jogo em 50 a 50, ele pega a bola, atravessa a quadra toda, se infiltra, marca uma bela cesta e ainda sofre falta. Depois, vai fazer isso de novo e ir além, pegando rebotes, dando belas assistências (duas desde o seu garrafão até a zona morta do inimigo, servindo seu companheiro; uma com extrema habilidade, servindo o parceiro passando a bola por trás de suas costas) e marcando pontos importantes. Atuação de jogador que trabalha bem em todas as funções e fundamentos essenciais de quem sonha em ser grande. Mas é preciso melhorar, muito, em um detalhe que decide muitos jogos: os lances livres. Errou demais, e o jogo poderia ter sido mais tranqüilo (o Paulistano encostou no finalzinho, quase virou) se não errasse cinco ou seis arremessos desse.

Outro menino que esteve bem foi Ortega, pivô trabalhando bem nos rebotes defensivos, se projetando bem nos primeiros passes das ações ofensivas e até fazendo uns pontinhos. Falta ao guri mais força física, que virá com o tempo, e um pouco mais de calma.

Henrique não jogou, mas quantos garotos podem se orgulhar de fazer parte de uma grande equipe e um grande clube como o Palmeiras? E quantos ele não terá superado para garantir um lugar naquele banco de reservas honrado?

Os três garotos representam bem o que é ser um jovem esportista batalhador e respeitoso. Ao final da partida Fernando fez questão de apertar a mão não só de adversários e juízes, mas também do pessoal da mesa de cronometragem. Humildade e educação são passos fundamentais nos caminhos de um campeão. E ele ainda mostrou algo raro para os tão jovens: calma nos momentos decisivos da partida, não é daqueles de se enervar facilmente, pelo menos foi o que mostrou nesse jogo.

Parabéns a essa molecada por essa valiosa vitória. E que sigam na postura, determinação e talento que exibiram domingo passado. Quem sabe um dia a Europa ou até aquele sonho gigantesco não vire realidade.

PS- Lembrem, guris, que humildade e respeito deve valer em todos os lugares. Portanto, nada de sacanear os (as) atletas de outros esportes com quem vocês convivem. Ao Fernando, vai um recado especial: nunca vi a Raíssa errar um saque, é incrível a concentração dela nesse momento e o ritual dela antes de levantar a bola e meter a paulada com precisão e força. Se aproxima dela, moleque, vai aprender muito. E lembra que o Oscar, ao final de cada treino, ficava um tempão treinando arremessos sozinho.

terça-feira, outubro 11, 2005


Centro Olímpico?
O Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP), localizado ao lado do ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, foi criado em 1970 com a intenção de formar atletas de alto nível. Por um bom tempo a meta foi alcançada. Mas desde o início da década de 90 o complexo passou a sobreviver dos escassos recursos do orçamento esportivo do governo municipal e de doações de algumas empresas e instituições.


Extensa matéria no jornal Lance de ontem, com o título de “Olímpicos na sucata” mostrou o abandono do local, em especial de sua pista de atletismo toda deteriorada e cheia de buracos. O mais incrível é que jovens promessas em formação e atletas de ponta ainda treinam ali, se sujeitando às freqüentes contusões como a canelite (inflamação na região da tíbia).

O COTP vive hoje dias bem distantes dos bons tempos em que recebia investimentos da iniciativa privada (empresas) e um eficiente programa chamado de “Adote um Atleta”, em que as empresas patrocinavam um esportista. Assim foram formados e evoluíram talentos como Ricardo Prado, na natação, Amauri e Montanaro, no vôlei, futuros ídolos e campeões em suas modalidades.

Montanaro afirmou ao Lance que recebia uma bolsa-auxílio em dinheiro, além da alimentação no refeitório do Centro, que não funciona mais. Hoje, os meninos e meninas que treinam atletismo, por exemplo, ganham um lanche depois do treino. E só.

A atual administradora do COTP, a ex-heroína do basquete, Magic Paula, faz o possível pra administrar e melhorar o lugar, mas sofre com a falta de recursos. O orçamento todo da Secretaria Municipal de Esportes anual é de irrisórios R$ 1,5 milhão.

Até quando o COTP vai ficar abandonado, caro Agnello Queiroz, Ministro dos Esportes? Ah, não venha se gabar da verba de R$ 1 milhão que liberou para o Centro (já diminuiu para R$ 800 mil porque o montante demorou a ser liberado), porque isso é apenas um paliativo perto dos mais de dez anos de abandono e necessidades de reformas do COTP.

Quem quiser ler mais sobre o amadorismo com que é tratado o esporte olímpico brasileiro leia hoje (terça-feira, 11 de outubro), também no Lance um artigo sobre as péssimas condições materiais dos aparelhos de ginástica dos Jogos Abertos do Interior, que acontecem esta semana em Botucatu (SP). O site do Lance é www.lancenet.com.br

sexta-feira, setembro 23, 2005



O olhar de Fabiana Beltrame
Vida de povo. Como os brasileiros típicos, trabalhadores humildes, a jornada dessa atleta começa antes do galo tomar coragem pra acordar. É madrugada, gelada, e a catarinense Fabiana Beltrame já está na água, junto de outras dezenas de atletas que treinam para o Campeonato Sul-Americano de Remo, na raia da Universidade de São Paulo.
9 horas. Fabiana passa silenciosa após o primeiro treino do dia. De longe percebo um olhar distante, talvez triste. Engano. É apenas fleuma; serenidade. A marca dos grandes atletas. A frieza aparente; na verdade, auto-controle. A fibra, de uma jovem valente e séria.

Não chove, nem faz frio, bem diferente do vento gelado e tempestade que desabara entre seis e sete da manhã quando ela já treinava, como todos os dias, de segunda a segunda. Remadores só folgam quando dormem. Ou melhor, quando desmaiam sobre uma cama, tamanha a intensidade dos treinamentos. A exaustão como companheira diária.

Encontro Fabiana, ela me leva junto à última garagem de barcos, para podermos nos sentar em um velho banco de madeira ao ar livre. Educada e gentil, traz um colchão pequeno para colocar sobre o banco molhado. Logo percebe que o colchão está ainda mais molhado, sorri, vamos pro banco mesmo.

Começa a entrevista. Em poucos minutos aquele rosto que muda pouco de expressão diz e ensina muito. Lições que começam em seus olhos. Calmos, puros. Sentidos, do desgaste dos treinos e vida de privações de uma atleta de alto nível. Olhos castanhos esverdeados, talvez o contrário.

Olhos decididos. “Não faz sentido só ir trabalhar, voltar pra casa, comer, dormir”, esse é o veredicto dela sobre quem não praticam esportes. “Nosso corpo precisa se movimentar”, diz a bela moça, natural de Florianópolis, 23 anos, quase formada em Educação Física. A primeira (até agora, única) brasileira a classificar-se para uma Olimpíada (Atenas´2004).
Como uma menina de Floripa, “a ilha da magia”, tantas praias e liberdade foi escolher modalidade tão brutal? “Eu sempre andava de bicicleta pela avenida Beira-Mar, via aqueles barquinhos passarem, os remadores, e tinha um primo que remava”. Com 15 anos ela também foi remar no mar.

Menina bonita fazendo remo? Fabiana penou contra o preconceito. “Meus pais achavam que o remo era um esporte só de homens e relutaram, principalmente por que os treinamentos são duros. Depois alguns amigos diziam que eu ia ficar fortona, musculosa, etc. Nunca liguei pra isso, porque desde o início gostei do esporte. No próprio clube em que comecei, ouvia alguns comentários preconceituosos, principalmente de pessoas mais velhas, que achavam que mulher só entrava nas garagens de remo pra arranjar namorado, vê se pode? Mas aos poucos fui conquistando meu espaço e eles passaram a me respeitar mais.”

Não merece muito respeito quem se dedica a fazer da vida uma grande repetição?
Não é muito duro passar a vida toda fazendo o mesmo movimento? Ela me olha surpresa mas logo mostra a intensidade de quem quer demais. Sim, é difícil, mas Fabiana revela que nas competições ela finalmente se liberta, pela luta e pelo desafio.

E há sim liberdade. “Tem as viagens para treinar (com a seleção) ou competir. Mudamos de raia, o ambiente fica diferente. E o grande prazer do remo é ser um esporte ao ar livre. Me sinto muito bem assim, nunca gostei de ficar trancada dentro de uma academia, acho que por isso procurei o remo.”

A liberdade vem também em poder lutar pelas vitórias e pelo sonho de qualquer atleta de sua modalidade: a Olimpíada. Agora seus olhos estão verdes, não apenas pelo sol que finalmente dá as caras. Olhos verdes e brilhantes como o rosto todo. Como seu sorriso leve mas iluminado. Como a voz da cantora que mais aprecia, Alanis Morrisette, Fabiana parece cantar por dentro you live, you learn [você vive, você aprende]...”Eram os melhores que estavam ali (na Olimpíada de Atenas). Vi que ainda falta muito ao Brasil no remo, mas foi mágico estar ali com atletas do mundo todo e de outras modalidades, gente de todo tipo.” E ainda tinha a experiência do refeitório, vendo feras como Michael Phelphs, “pô, é um mito, e ali do seu lado”.

Rara e atenta observadora é essa mulher que consegue aprender apenas olhando um mito. São seus olhos de novo, de quem sabe sentir. De quem sabe que o treinamento e muito, muito sofrimento, é o diferencial dos campeões.

Campeões que se fazem lá atrás. Campeãs como a atleta que mudou sua vida, a romena Nádia Comanecci, a primeira ginasta a receber uma nota 10 na história (Olimpíada de Montreal, 1976). Fabiana estava ainda nos primeiros anos de escola. “Eu tinha uma professora no primário que adorava passar o vídeo da Nádia. Aquilo me marcou muito: a dedicação toda, o sofrimento que ela passou. O sofrimento de quem veio de família humilde e passou fome por causa de seu esporte (cruel, mas quanto menos gordura tiver, mais possibilidades têm uma ginasta). Aquilo ficou guardado na minha memória, a busca por ser a melhor.”

A guria catarinense cresceu inspirada pela super estrela da ginástica e três palavras essenciais, segundo Fabiana, para uma atleta que deseja ser alguma coisa: “dedicação, disciplina e perseverança”. Outra atitude vital é clara em seus olhos cansados: aprender a sofrer. Porque o remo não admite distrações, deslizes, falta de foco ou simples dias para não fazer nada e relaxar (as folgas são raras, pingadas em gotas durante o ano).

Não é duro demais dedicar a juventude à uma rotina militar? “O remo é a minha vida”, responde na lata. Um amor sofrido, como qualquer grande amor. Volta a despontar um lampejo meio triste em seu rosto. Lembrará de tanta coisa de que precisou abdicar, como uma simples mais impossível festa com os amigos? Passa rápido. Logo a mirada e meta dela são cristalinas de
novo.

Se muitos encontram a felicidade e a realização em modalidades mais livres como o surf, tão popular em sua Floripa natal, Fabiana encontra isso na linha de chegada de uma regata. Ali, no lugar mais alto do pódio do Sul-Americano que acaba de vencer. Quase sem forças para comemorar, percebo a bela das águas tão feliz e satisfeita quanto um surfista, o mais passarinho dos esportistas.

Depois dessa vitória, ela pode relaxar um pouco. Em breve voltará a sua Floripa e talvez até possa ver no dvd um filme, uma de suas raras diversões. Procurará suas histórias preferidas. De sonhos lutados, como À Espera de um Milagre ou Um Sonho de Liberdade, este último, a fantástica história de um preso que cava com uma pequena pazinha, um pouquinho cada dia, o túnel que o permitirá fugir-viver.

Agora sim compreendemos a luta diária da remadora. Aquele repetir, repetir e repetir. Os treinos e treinos: de noite-madrugada penetrando o dia; de tarde até anoitecer; com sol, chuva, frio, com vento (lembrem que ela vem de Floripa). Essa é a vida dessa bonita mulher confinada num barquinho estreito: fazer de cada remada uma martelada em busca de sonhos maiores. Pelo menos ela pode curtir algumas conquistas - nacionais, sul-americanas e pan-americanas – enquanto vai abrindo seu caminho para o sonho maior: chegar a Pequim´2008 e melhorar bem sua 14a posição final de Atenas.

Ao me despedir de Fabiana Beltrame, tento captar mais de sua face tão delicada quanto determinada. Algo então emana ainda mais forte desses olhos profundos de combate e do seu jeito contido, quieto. Algo que só vemos em campeões.

Não duvidem. Ela estará em Pequim. Mais experiente, madura, forte e competitiva. You live, you learn...

sexta-feira, setembro 16, 2005


Universidade mais esporte
Por que não no Brasil?

Aconteceu no último Troféu José Finkel, em Santos (SP). Mais uma promessa da natação brasileira, Lucas Salatta, 18 anos, fera do nado costas, atleta do Pinheiros, foi convencido a ir treinar nos Estados Unidos. Frente à chiadeira do seu clube, ele respondeu com a verdade pura e simples: “lá vou poder estudar e treinar com tranqüilidade”. Dá para discordar dele? Nos EUA a maioria dos atletas de alto nível treinam, estudam e vivem no mesmo lugar: a universidade. Ali eles têm uma bolsa de estudos para cursarem a carreira que desejarem, ótimos equipamentos e ambientes esportivos para treinarem, grandes treinadores e ainda podem morar em confortáveis alojamentos. E ainda tem a boa alimentação dos restaurantes universitários. Quer dizer, os atletas têm tudo para se dedicarem muito às suas modalidades.

Como é no Brasil? Nossa tradição é de clubes, neles estão nossos melhores atletas, com raríssimas exceções. O que acontece então com um nadador, por exemplo? Nos grandes centros desse esporte – São Paulo, Rio e Belo Horizonte – o cara ou a moça treina num clube, estuda em uma escola ou faculdade e mora em outro lugar. Isso significa horas de stress no trânsito (de carro ou pior ainda, no ônibus), tempo perdido e desgaste físico e emocional pela falta de uma estrutura esportiva adequada. Certo que alguns clubes como o Pinheiros alugam apartamentos para seus atletas em área próxima do clube, mas isso ainda não é o ideal. Porque o Brasil ainda não tem um modelo esportivo como têm os americanos, cubanos, russos, espanhóis, chineses etc etc.

Quando as universidades particulares brasileiras vão investir no esporte de verdade? Fazer competições-farras anuais como Jogos Jurídicos, Juca e outros eventos não vai elevar nível esportivo nenhum, é só festa, com muito sexo e bebedeira (tudo a ver com o esporte né?).
Quando as universidades públicas vão utilizar melhor nosso dinheiro (são sustentadas com nossos impostos!) e direcionar para belos trabalhos esportivos? A Universidade de São Paulo, a USP, por exemplo, tem um enorme centro esportivo que praticamente só é utilizado por seus alunos. Por que não investir nos esportes de ponta? Por que a USP só ganha dinheiro com o esporte quando aluga seus campos de futebol para eventos como a Copa Nike? Não tem ninguém ali com um pouquinho de idéias e idealismo para pensar o esporte olímpico? Pior é quando vemos o ridículo estado de sua pista de atletismo, sem o piso emborrachado original há pelo menos mais de vinte anos. Mas como vamos levar a sério uma universidade em que sua Faculdade de Educação Física aluga suas instalações, como a piscina e sala de musculação, para clubes profissionais de vôlei?

Uma das poucas universidades do país que investe bem no esporte é a gaúcha Ulbra. Eles até criaram uma empresa para faturar com seus times de vôlei e futsal masculino, tamanho o sucesso de suas empreitadas, que renderam títulos brasileiros e internacionais. O lucro é reinvestido na formação de atletas.

Será tão difícil fazer o que a Ulbra faz? Ou as universidades só pensam em inventar mais e mais cursos e faturar com o aumento de número de alunos e dos lucros com suas mensalidades abusivas?

E depois vem um clube reclamar de um atleta que quer ir morar, treinar e viver bem nos EUA. Lembro da moradia de grandes nomes do atletismo brasileiro, o alojamento ao lado da pista e do ginásio do Ibirapuera e dá raiva e pena. O pessoal mora em cubículos frios, com pouquíssima luz natural, com uns vitrozinhos minúsculos, não tem janelas!Pode ir embora, Lucas, está mais que certo.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Um inédito campeão do mundo

João Derly, de azul, derruba o campeão olímpico
Depois de tanto tempo de história do super competitivo judô brasileiro, o gaúcho João Derly, 24 anos, conquistou a primeira medalha de ouro para o Brasil em um Campeonato Mundial adulto. Foi sábado, no Egito. E João ainda foi arrasador na final contra o simplesmente campeão olímpico Masato Uchishiba, japonês. Venceu depois de atacar as duas pernas do japonês e jogá-lo de costas no chão, o que caracteriza o ippon, o golpe perfeito, o nocaute desse esporte. O feito veio na categoria meio-leve, até 66 kg.

Atleta da Sogipa, de Porto Alegre, clube que lhe paga um salário mensal, João não tem nenhum outro patrocínio. Trata-se de novo a história típica do atleta brasileiro vencedor que não é jogador de futebol: a história de um ser abnegado, lutador, que acredita em si mesmo e receber quase nada de apoio.

Ah, esqueci de dizer que em 1997 ele teve uma ajuda de custa mensal de 300 reais do governo do seu estado. Só que gastou tudo o que economizou dessa verba com a viagem que teve que pagar para disputar o Mundial Júnior, em 2000, que ele ganhou. Vale lembrar também que João mudou de categoria antes da olimpíada de Atenas (para a qual não se classificou após ter que disputar uma polêmica segunda luta final com seu adversário; obrigaram-no a isso porque João já tinha disputado uma seletiva em outra categoria) e ainda foi suspenso 6 meses por doping (um diurético que tomou para baixar de peso, no duelo terrível enfrentado por muitos judocas) em 2003.

Até quando nossos campeões serão obra rara de esforços pessoais e muito, muito talento? Sim, o judô já tem uma seleção brasileira permanente, mas ainda é uma modalidade com parca ajuda financeira. Será que ninguém mais percebe o potencial e história de sucessos de nossos judocas, que trazem sempre pelo menos uma medalha ou mais da Olimpíada e Mundial,e ainda apresenta uma impressionante renovação, como esse gaúcho João?

Será porque o judô parece um esporte pouco televisivo e de difícil compreensão para o público não familiarizado com seus golpes e regras? Por outro lado, que empresa não gostaria de contar com a imagem de vencedor em modalidade tão guerreira?

João Derly é um homem raro. É o único brasileiro campeão mundial de judô em todos os tempos. Que ele ganhe o que mereça e possa se preparar bem para o desafio máximo de seu esporte: a olimpíada. Pequim 2008 já está bem perto.

sexta-feira, setembro 09, 2005

A maior de todas

Nunca ninguém jogou como ela. E nunca mais jogará. Hortência de Fátima Marcari, a nossa Hortência caipira de Potirendaba (SP) e seu inseparável número 4 que levava nas costas, foi a maior jogadora de basquete da história. Sua marca registrada era um incrível arremesso em pleno ar, o jump, que executava com uma maestria e uma altura de vôo que deixaria o próprio deus orgulhoso, Jordan. E esse arremesso era feito de qualquer canto da quadra em que atacava por ela possuir aquela habilidade mágica dos gênios.
Além disso, ela (que era ala) ainda pegava mais rebotes que a maioria de nossas pivôs, dava algumas assistências, inflamava suas companheiras com uma garra e vontade de vencer incomparáveis e, outra marca registrada, tinha um arremesso de lance livre único e perfeito.
Quem não lembra da sua formidável concentração naqueles momentos, com aquela respirada funda e sua calma antes de converter, claro, mais um lance livre? Ah, e um detalhe: era muito magra, franzina e tinha meros 1m77!
Os próprios norte-americanos, que se auto-intitulam os deuses do basquete, a reconheceram como a Rainha do Basquete em pleno jornal The New York Times, o mais prestigiado do país. Mas só ontem, 8 de setembro de 2005, eles finalmente a colocaram no Hall of Fame do basquete, em Springfield, EUA.
Por que a honraria veio tão tarde, agora que Hortência está próxima dos 46 anos? Coisas de americanos. Mas a homenagem tardia é justíssima para a grande dama do basquete brasileiro. Aquela que junto de outra jogadora excepcional, a armadora Paula, comandou o Brasil no histórico título mundial em 1994 e na medalha de prata na Olimpíada de Atlanta´96.
Que as novas gerações e os amantes da arte não desgrudem da TV hoje para rever algumas raras e tão belas cenas de uma rainha em ação. Da nossa eterna rainha do basquete.

quinta-feira, setembro 08, 2005




Ah...as russas...

Quarta de noite, pregadão vou dormir, mas antes dou uma ligadinha na Sportv e eis que o sono vai pro beleléu. Como não ficar ligadaço com mais essa beldade russa de raquete? O nome da é Elena Dementieva, 23 aninhos, e ela tava dando duro na atual número 1, a americana Lindsay Davenport, em plena Nova York, em plena quartas de final do US Open, o Aberto dos Estados Unidos. Seu jogo? Fundo de quadra consistente, golpes fortes, mas um saque bem fraco, toda hora fazia dupla falta. Mas o jogo seguia parelho.
Mas quem liga pro jogo com essas pernas? Quem liga com esse rostinho? Acabei adormecendo. Acordei leve, algo me diz que sonhei com louras e pernas maravilhosas nada geladas... Não bastasse a Sharapova, temos também Elena. E não é que ela ganhou, depois de salvar match-point e tudo, como avisou para minha felicidade o PC! Amanhã, sexta, não percam ela na semifinal do US Open, ah, essas russas...
PS- Em outro jogaço sensacional, o mito americano, André Agassi tomou dois sets a zero e depois virou de forma espetacular pra cima do compatriota super sangue bom James Blake. Tudo indica uma final Agassi e Federer, imperdível é pouco.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Duelo imperdível
Hoje tem jogaço pelas quartas de final do US Open com transmissão pela Sportv e ESPN. Um duelo de americanos. O mito branco, André Agassi, 35 anos contra o jovem negro James Blake, 25. É o duelo do robô impiedoso e calmo, Agassi - frio matador com um vasto repertório de golpes potentes do fundo da quadra e uma capacidade única de pressionar o adversário sempre, até no saque inimigo – contra o habilidoso Blake, que conta ainda com um algo a mais: todo o sofrimento de sua carreira prejudicada por sérias contusões e abalada com a morte de seu maior incentivador, seu pai. Blake jogava um campeonato enquanto seu pai falecia, porque assim seu velho queria: que ele não desistisse nunca.
Bonito duelo, de dois grandes caras também fora da quadra. E poderemos ainda torcer pelos flashes da cada vez mais bela mulher de Agassi, o mito do tênis feminino, a alemã Steffi Graf, sempre charmosa e doce.
Favorito? Duro é barrar Agassi no que pode ser o seu último torneio, onde ele pode encerrar a carreira na glória, como Pete Sampras fez alguns anos atrás. Mas quem pode duvidar também do renascido Blake? Olho na telinha.
PS- Quem ama o tênis não pode deixar de ler as colunas de Paulo Cleto no caderno de esportes do baratinho Jornal da Tarde. Verdadeira aula de tênis, redação (o cara escreve muito!) e coração, porque Cleto sabe que o esporte pode ser do tamanho da vida.

Título Enganoso
Não se iludam, órfãos do basquete masculino brasileiro: ganhamos a Copa América contra ninguém. Ou dá para botar fé num campeonato em que a Argentina mandou o time b e os americanos mandaram um catado de jogadores de uma liga profissional inexpressiva deles, à anos luz da NBA? Incrível a festa que a Globo fez com esse título. Até quando vão seguir nesse discurso ufanista que não ajuda em nada nosso basquete? E o fracasso de quase uma década de uma seleção que não conseguiu se classificar para as duas últimas olimpíadas e fez fiasco nos dois últimos Mundiais, onde foram parar?
Destacarem-se mesmo na competição apenas o armador Marcelinho, que mostrou mesmo ser um grande arremessador e um craque habilidoso em algumas infiltrações, e o pivô Tiago Spliter, que evoluiu demais em todos os fundamentos no País Basco, Espanha, onde joga. Leandrinho? Fez grande partida na final contra os argentinos e tem potencial para evoluir, mas pecou muito no grande jogo que tivemos na Copa América, contra Porto Rico.
Nossos outros pivôs deixam muito a desejar. Por isso, Tiago, que mostra maturidade, fugiu do discurso dominante de seus companheiros: a bobagem de dizer que Nenê vai ter que “lutar por uma vaga, porque o grupo está fechado”. Ora, Nenê não é nenhum fenômeno, mas é óbvio que o Brasil precisará dele no Mundial para não passar outra vergonha. Ou alguém acredita que o Marcelinho e o Leandrinho vão ter facilidade para ficar chutando de três como fizeram na Copa América? “No Mundial vamos precisar dos melhores”, disse Tiago.
Finalmente, até quando teremos que conviver com um sistema tático ultrapassado (pelo amor de Deus, até quando dependeremos dos chutes de três pontos??? O Oscar parou faz tempo!!!) e jogadores que se afobam e perdem bolas ridículas como naquela inacreditável virada que tomamos de Porto Rico? Nos jogos de verdade é que podemos ver se temos mesmo uma seleção. E o jogo de verdade foi contra Porto Rico, uma seleção mais que irregular (nem se classificou para o Mundial) mas que contou com feras que bateram os EUA de verdade em Atenas, como o genial Ayuso, que pede a bola, chuta e não pipoca.
Hora de trabalhar muito mais e esquecer conquistas enganosas como esses Pan-Americanos e Copas Américas recheadas de falsas seleções. E hora de seguir rezando para surgir um grande treinador nesse país de novo. Ou nosso manda-chuva da CBB abrir os olhos e perceber que têm caras melhores que o seu queridinho.

terça-feira, setembro 06, 2005


Não há vida sem esporte
Como alguém pode viver sem marcar um gol, uma cesta; sem botar a bola no chão, sem acertar uma paralela sem dó, sem dar aquelas últimas e decisivas remadas, sem dar um drible ou aquele passe com efeito, sem levantar um supino deitado, sem dar algumas braçadas esquecendo do mundo, sem dar um ippon derrubador, sem pegar uma onda?
Sem sorrir, sem gritar de alegria ou para pedir a bola pro companheiro, sem dizer um sincero “boa!” para o parceiro de duplas, sem socar o ar numa comemoração de ponto, golpe, gol ou vitória, sem bater no peito, sem fazer aquela cara de fúria feliz?
Sem ser fintado, dominado, batido, vencido, e querer feito um louco dar a volta por cima?
Sem se matar numa quadra, campo, raia, tatame, pista, dando tudo de si e mais um pouco, porque ama demais a sua modalidade?
Sem jogar ou malhar por puro prazer, arte ou necessidade vinda do fundo da alma?
Sem chorar de dor com a derrota que protagonizou ou que assistiu, na também sempre dura derrota de seu amigo, time de coração ou seleção?
Sem celebrar a vitória com festas e outras coisas homéricas?
Sem pegar aquela camisa, aquele agasalho e aquela bandeira e ostentá-la com um orgulho e alegria tão bonitas e sinceras?
Sem torcer como se fosse você por aquele atleta ou grupo que admira tanto, mesmo se for um atleta de judô Azerbaijão ou a seleção de futebol de Honduras?
Sem admirar a beleza dos atletas, as Sharapovas, as Isinbayevas, as Fabianas, as Carolinas, as... e tá, meninas, os Gibas, os Giovanes, os Maldinis, os Flávios, os...
Sem se inspirar com a força, determinação e outra lista sem fim de valores e lições que os atletas carregam com tanta verdade, com tanta história no peito e carreira?
Sem sentir a maior alegria do mundo ao ver uma simples partida ou evento pela TV?
Sem chorar como se o mundo fosse acabar porque seu ídolo perdeu?
Desconheço o que é a vida sem algum tipo de envolvimento com o esporte.
Deve ser muito sem graça.
Deve deixar um grande vazio.
Deve perturbar demais o corpo, a cabeça e a alma.
Porque, parodiando Rico ao falar do surfe, o esporte, antes de tudo, é tudo. Poucas coisas nos preenchem tanto. Talvez a música faça o mesmo, talvez...
Bom treino para todos!
* Esse blog pretende discutir, pensar, sentir e imaginar o esporte. Espero colaborações de vocês, leitores, para compartilhar suas experiências, paixões, ídolos e tudo o mais relacionado às modalidades olímpicas. Enviem seus depoimentos para mim por email e deixem seus comentários.

quarta-feira, julho 06, 2005

Um cachorro perdido
Toda a inocência e miséria desse mundo.
Toda a bondade e pureza abandonada.
Toda lágrima sentida.
Todo o absurdo da desumanidade.
Um cachorro perdido somos todos nós. Que não olhamos, que não agimos, que não gritamos. Basta!
O cachorro perdido não é bonito. É pequeno, atarracado, feio. Mas não existe olhar mais belo, por ser mais que humano. Ele corre pela praça verde pertinho de minha casa. Ele brinca, sorri. Sim, cachorros sorriem, caso não saibam os cegos de coração. Ele corre mais, procura comida no chão. Vai achar muito pouco. Pior, não vai achar, no final do dia, o alimento vital: uma morada. Uma família para cuidar dele. Para lhe fazer carinho. Para amá-lo, com fidelidade (esse sentimento tão raro no ser humano), para sempre.
O cachorro perdido somos todos nós. Porque nesses dias de inverno o frio ensina que só os cachorros amam para sempre. Casamento? Só eles entendem a promessa que o padre pede no altar. Altar me lembra o velho padre Wilson, da Igreja Cruz Torta (será o nome ironia ou metáfora desse mundo torto e cruel?). Lembro que muitos reclamavam de seus sermões longos e confusos. Mas ficava debaixo dele, pertinho da hóstia e do vinho, seu amado cachorro vira-lata branco e preto. Que um dia morreu. Apareceram outros e outros, como o seu padre precisasse de muitos para substituir o ser indefeso que tanto amou. De muitos para lhe dar amor para enfrentar o desamor de quem ele tentava ensinar e passar nobres mensagens.
Os fiéis, abastados, dessa igreja de bairro rico? Muitos reclamavam dos cachorros do padre, enquanto desfilavam suas roupas novas e decotes para um padre e ajudantes humildes. É, eu mesmo admito, e me perdoa, padre, mas ia ali muitas vezes para ver a beleza das curvas generosas das moças, mas isso é roupa de ir à missa? Pecadoras insensíveis...
Volto ao cachorro perdido da praça. Um dia ele se encontrará. Porque ele tem amor, e o amor sempre encontra. Porque ilumina e aquece.
Perdidos estamos nós, esperando por alguém com alma de cão para nos salvar.
Perdido está esse povo. Virando lata feito esse cãozinho feio. Bicho e povo que sobrevivem das migalhas desses poderosos corruptos e egoístas.
O cachorro perdido sumiu. Que Deus o proteja.
PS - Na hora em que me preparava para deixar a praça, uma cena boa. Um casal passeia junto, conversando, se olhando. São muito jovens, cerca de 13, 14 anos. Ele se pendura na barra. Ela espera paciente. Depois sentam no banco. O sol, que era tímido, escondido, sorri de novo. Logo ele deita no banco. E no colo dela. A menina abaixa seu rosto, derrama com cuidado seus longos cabelos, carinho, nele. Um beijo. Um sopro de vida.
Nem tudo está perdido. Talvez alguém encontre aquele cachorro. Talvez alguém nos encontre. Talvez...
O poeta que não conhecemos
Morreu há pouco no Porto, Portugal, o grande poeta luso Eugénio de Andrade, mestre das palavras simples, belas, diretas. Aqui no Brasil, de costas inexplicavelmente para a rica cultura da terrinha que nos criou, nunca soube dele. Até sua morte. Descobri então vida e a simplicidade de um homem que se declarava ao mundo como um menino espiando a primeira namorada, o primeiro amor. Lá vai um poema dele, para os que não têm medo de amar.

Sê tu a palavra
1. Sê tu a palavra,branca rosa brava.
2. Só o desejo é matinal.
3. Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria.
4. Morre de ter ousado na água amar o fogo.
5. Beber-te a sede e partir- eu sou de tão longe.
6. Da chama à espada o caminho é solitário.
7. Que me quereis, se me não dais o que é tão meu?

terça-feira, julho 05, 2005


Por você

Foi o deus Lugano quem disse, “vamos ganhar esse título pelo Grafite, o nosso melhor atacante”. Palavras de lealdade, amizade, de conforto e alento ao companheiro abatido e ferido em ação. Ao companheiro fundamental que ajudou, demais, o São Paulo, a chegar tão longe. Ao bravo e heróico Grafite, que fez gols e jogadas vitais na escalada tricolor em busca de sua menina mais sonhada, o grande amor de sua vida, a Taça Libertadores da América. Ao solitário Grafite, que anda assistindo aos jogos de seu time pela TV. Mas ele estará semana que vem no Morumbi, e “se o professor (o técnico Paulo Autuori) deixar, quero estar no vestiário, junto de meus companheiros”. Imaginem a força que o herói ferido não dará ao São Paulo, fico arrepiado só de pensar nesse encontro. Injeção de ânimo será pouco...