domingo, novembro 27, 2005


O herói em que ninguém acreditava
Diego Hypólito é um daqueles raros casos de campeões que se formam dentro de si próprio - graças ao seu próprio talento e força interior - e contra as expectativas de toda a mídia.

Por que ninguém falava dele ou apostava nele? Por que, no dia em que disputaria a final do solo (madrugada de sexta para sábado), os jornais apenas registravam que ele estava na final (em duas, três linhas) e preferiam escrever longos artigos sobre Daiane dos Santos (que faria a final feminina do solo) ou sobre sua irmã, Danielle, que terminara a prova individual geral (que consagra as ginastas mais completas em todos os aparelhos) com um bom 9o lugar? Por que ninguém acreditava no garoto que em 2004 conquistou cinco medalhas de ouro em etapas da Copa do Mundo de Ginástica?

Mas ontem, em Melbourne, Austrália, Diego Hypólito, 19 anos, surpreendeu a todos e depois de se classificar em 8o lugar para a final da prova de solo (só haviam 8 vagas para essa final), fez uma série fantástica e venceu. Tornou-se o primeiro homem brasileiro campeão do Campeonato Mundial de Ginástica Artística (competição mais difícil que a Copa do Mundo e inferior apenas à Olimpíada). Nunca li na mídia que Diego poderia ser campeão mundial.

Mais surpreso fiquei, ao ler hoje nos jornais e sites, a história dessa conquista, uma das mais inacreditáveis do esporte em todos os tempos. A razão? Diego fraturou em abril deste ano a tíbia do tornozelo esquerdo. Teve que botar gesso, pino, encarar fisioterapia e depressão. Em junho, quando o médico anunciou que ele poderia voltar a treinar duas semanas depois, Diego se precipitou, foi treinar e fraturou a tíbia de novo. Criticado como imaturo e irresponsável, voltou ao inferno da luta pela recuperação espalhada em mais longos três meses.

Enquanto os atletas rivais treinavam e disputavam competições, “o irmão de Danielle Hypólito” (a carioca que colocou o Brasil no mapa da ginástica em 2001 ao ser prata no Mundial de Ghent) seguia apenas fazendo fisioterapia e tentando manter a forma treinando duro apenas nos braços, onde foi ficando cada vez mais forte.

Diego voltou a treinar ginástica apenas em outubro, três semanas antes do Mundial da Austrália. Lá, errou em sua apresentação na classificação e, depois de alcançar o 8o lugar teve que torcer para que vários atletas não o ultrapassassem em exibições posteriores à sua. Deu certo, naqueles (de novo) raros casos em que a história parecia apenas um destino pré-determinado. Mais de dez atletas se apresentaram depois dele e não conseguiram superar a sua nota 9,300 que garantia a 8a e última vaga para a final.

Na grande decisão, Diego praticamente não errou, marcou 9,675 pontos e se tornou o melhor ginasta de solo do planeta. No dia seguinte, a sempre tão badalada Daiane falhou novamente (como ocorrera na Olimpíada de Atenas, em que era a grande favorita) ao errar o seu salto “Dos Santos”, cair sentada no tablado e ficar apenas no modesto sétimo lugar na final do solo.
"Ele acertou o exercício quando tinha que acertar. Esperou três anos para ganhar, e conseguiu", disse o ucraniano Vyacheslav Azimov, técnico da equipe masculina brasileira, referindo-se ao quarto lugar obtido por Diego no Mundial da Hungria, realizado na cidade de Debrecen, em 2002.

O primeiro grande ato de Diego como campeão foi revelar que não ganha nada de seu clube nem da Seleção Brasileira, que vive apenas do salário do seu patrocinador pessoal, a Credicard. Coragem de campeão, que cobra mais para si, para seus companheiros de seleção (sempre ofuscados pelas meninas, que ganham bem mais que os homens) e para seu esporte.

Simples, sempre humilde e sem a arrogância de outros grandes atletas, Diego Hypólito construiu na madrugada de sexta-feira uma das mais espetaculares façanhas da história do esporte brasileiro e mundial. Que seja, finalmente, valorizado como se deve por um país que o ignorava.

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