quinta-feira, janeiro 24, 2013

Caminhos



- Essa é a vida que você escolheu?
- Você não escolhe uma vida, pai. Você vive uma.
  (The Way)

É preciso estarmos fora de nossos trajetos habituais para encontrarmos a estrada com a qual nosso coração mais sonhou. Por isso tantos atravessam o mundo para percorrer o Caminho de Santiago: porque querem se lembrar. Ou esquecer quem se tornaram.

Cada um parte por alguma motivação ou desejo especial lá dentro.
Tão lá dentro, tão fundo, que às vezes até está escondido de nós mesmos e, quem sabe, o Caminho poderá nos ajudar a redescobri-lo. A redescobrir-nos.

Muitos, porém, só se lembram quando encontram os outros. Mais que isso, quando conhecem. Convivem. Comungam, no sentindo de compartilhar corações e emoções desnudas. Abertas como uma longa e sinuosa estrada na qual só temos coragem de nos lançar com companhia.

Só nos encontramos quando reencontramos a nossa humanidade, que só existe no contato com o outro.

O filme The Way (podem ler esse texto que não conto o final ou surpresas do filme) narra a dor de um pai que perde o filho enquanto o jovem, em sua jornada pelo mundo, é morto durante uma tempestade enquanto fazia o Caminho de Santiago, peregrinação que reproduz a viagem do apóstolo Tiago da França até Santiago de Compostela, Espanha. A viagem, claro, não é compreendida nem aceita pelo pai, um médico bem-sucedido nos EUA que trabalha demais e só se diverte, pouco, em raras partidas de golfe com os amigos de country club. Mas esse pai, que viaja para resgatar o filho, acaba tendo vontade de completar a viagem que seu filho não conseguiu.

Começa então uma longa caminhada de homenagem ao filho, uma valente tentativa de entender porque o jovem fazia o caminho santo ou de iluminação para pessoas do mundo todo (só o treinador brasileiro Zé Roberto Guimarães já o fez três vezes).

A jornada é inicialmente dolorosa mas o alívio está em cada parada. Nas paisagens, no silêncio e nas outras pessoas que também buscam algo pelo caminho.

Todos nós precisamos, em algum momento importante de nossas vidas, nos jogar em estradas e lugares desconhecidos. Onde a mente não está habituada os sentidos se ampliam e voltamos a ouvir, talvez, a nossa canção essencial.

A música que batia em nossos peitos de menino ou menina ou aquela que nos mostrou o caminho que sonhávamos tomar, amar.

Pé na estrada então, para que sonhos mais belos e arriscados não sigam se perdendo na imobilidade da rotina ou nos feriados e férias banais .

Basta um passo, e o belíssimo filme The Way - com pai e filho na vida reais como atores, o grande Martin Sheen e um de seus filhos, Emilio Estevez - mostram o valor dele. Charlie ´Parker´ Sheen deveria fazer o mesmo...

Não se trata de peregrinar e encarar, se não quiser ou não tiver saúde, o árduo Caminho de Santiago. Pegue o mapa de seu coração e localize as rotas com que um dia sonhou. Pode ser naquela cidadezinha do interior de seu estado; na região estrangeira que um dia viu em fotos, em um filme ou na TV, em qualquer lugar. Mas faça desse também o SEU lugar.

Mas não esqueça que é preciso ir lá fora conhecer.

Para viver mais, Pearl Jam, sempre: Take a walk outside. Dê uma volta lá fora.

quinta-feira, janeiro 10, 2013

Querem matá-lo



“O amor não dura”, “é mera paixão que acaba, que não vence”, “é apenas uma possessão egoísta”, “não é algo natural”, “foge da realidade de hoje” etc etc. Parece auto-ajuda ao contrário, mas esses tipos de considerações são cada vez mais comuns. Diversos livros, colunistas de jornais e revistas metidos a polêmicos, alguns psicanalistas e intelectuais querem provar que o amor arrebatador que tantos buscam é um grande engano ou algo passageiro e perecível como um alimento com prazo de validade. Alguns dizem até que o ser humano está evoluindo, e que as múltiplas relações são cada vez mais comuns e bem-sucedidas.  É o tal do “poliamor”, citado pela psicóloga Regina Navarro. E ela ainda afirma que "o amor romântico está com os dias contados. Domina filmes e novelas, mas está saindo de cena na vida real". Ah, Regina assina a obra, em dois volumes, O Livro do Amor...

Evolução? Poliamor? Desistir de uma relação só porque vamos percebendo os defeitos de quem está firme com a gente é evoluir? O correto então seria pular de relação em relação como se surfássemos de perfil em perfil das redes sociais? O ato evolutivo é buscar vários tipos de amores nas prateleiras dos bares, baladas e escritórios da vida?

Os detratores do amor afirmam ainda que este sentimento dos sentimentos ainda é uma ingênua idealização romântica dos poetas antigos ou das comédias românticas de Hollywood.

Quanta picaretagem nesta nova estratégia mercadológica desses autores e profissionais que devem ter tomado um pé na bunda monumental ou apenas querem faturar em cima das vítimas de corações partidos.

Sim, o amor romântico, relação regada com cuidado e atenção, está mesmo em declínio, mas não por causa da “ingenuidade” do amor romântico. O “amor de filme” em nossas vidas reais só vem decaindo porque boa parte da sociedade embarcou, passando o cartão de crédito, no egoísmo, superficialidade e individualismo extremos. Muitos só pensam em satisfazer seus desejos e não das parceiras ou parceiros.  Mais exata que a palavra satisfazer para o mundo de hoje é consumir. 
Numerosos homens e mulheres em vez de procurar conhecer e acolher o outro, querem apenas o consumo rápido. Sexo, sexo, sexo. Compromisso? Responsabilidade pelo outro? “Ah, que papo mais careta...”

Ingênuos são é esses insaciáveis que perdem, pelo mero tesão de experimentar e experimentar, aquele olhar, gesto ou palavra de cumplicidade quando mais precisamos.

Amor não é indeciso de sorveteria que deseja provar tudo quanto é sabor. Amor não é um monte de opções e sabores a serem provados, escolhidos e descartados.

Amor é provar e reconhecer em uma pessoa aquele sabor que a gente aprendeu a amar porque está dentro da gente e faz parte do que a gente é. Ou um sabor novo que vai nos ensinar muito e aí sim nos fazer evoluir e nos tornar mais completos. Um sabor novo que a gente não vai deixar mais de pedir só porque lançaram um outro muito atraente.

Amor não combina com a gula.

Amor é contenção. Valorizar as pequenas coisas e gestos.

Amor é aquela que aguenta a dor do seu namorado ou marido sem reclamar dos lamentos dele, sem julgá-lo fraco. É não deixar ele desanimar. É ficar ali do lado, firme, mesmo quando ele mal pode se mexer.

Amor é olhar pra essa pessoa que exala o mais belo e sincero "tamo junto" e saber que ninguém mais vai amar a gente como ela faz.

Porque o amor mexe, remexe, cuida e envolva mesmo o mais adoentado e estourado dos companheiros. E esse turbilhão, essa onda amorosa, pode apostar que é um remédio tão ou mais poderoso quanto o comprimido mais pesado que dão pra ele.

Obrigado, então, amor, por tanta paciência e presença.

E lembro, aos exilados do amor, que a busca nunca deve acabar. Porque o amor é igual à atitude do amigo poeta/historiador/filósofo dos botequins, Paulão. Lembro da noite antiga, em que em pleno bar lotado ele perguntou, quase gritando - com indignação, dor e urgência - “Onde está o amor?!”

Paulão segue procurando e jamais desistirá, como faz o bom e velho Robert De Niro no terceiro conto do filme As idades do amor. Sim, grande Paulão, De Niro é no filme um velho professor de história solitário, um americano vivendo em Roma, que um dia é atravessado pelo furacão da filha de um amigo italiano. Simplesmente uma certa Monica Bellucci...

Para Roma, grandi amici Paulão!, para Roma!

PS – Quem quiser ler a reportagem na Folha de S. Paulo que mostra a "derrocada do amor romântico", clica aqui