sexta-feira, março 23, 2012

Os primeiros anos do resto de nossas vidas


Uma das canções da vida. Ou melhor, que nos faz lembrar de pedaços essenciais mas soterrados, até interrompidos, dela. Música-tema de St. Elmo´s Fire (O Primeiro anos do resto de nossas vidas, com Demi Moore ainda menina e cia juvenil estrelada). Os instrumentos iniciais (violino?) são um passaporte para o passado. O tecladinho soa como velhas fotografias de rostos e corações que não devíamos ter esquecido, jamais. A bateriazinha de leve nos lembra de abraços, sorrisos, do jeito iluminado com que olhávamos os amigos e vice versa.
Por que a vida nos separou? “Ah, o tempo, os caminhos, as famílias...” que cada um criou ou ainda tenta criar. Ou a dureza dos que mudam demais e esquecem de como eram melhores, mais humanos, quando garotos e meninas.
A profundidade do piano e a o sax expandem a canção e nos levam de volta às fotografias de momentos inesquecíveis, da pureza de amigos e amigas que um dia foram nossos irmãos de sonhos, viajando juntos nos sonhos fundamentais dos 15 anos: as musas impossíveis, os pequenos grandes feitos, as pequenas  partidas de colégio que transformávamos em finais de Copa do Mundo (quem não lembra de uma grande vitória na quadra da escola onde um dia você sonhou, viveu, sorriu e sofreu, esquece algumas das maiores emoções da vida). As viagens com a turma, as festinhas, as piscinas, o mar, o lago, as águas que corriam mais puras e inocentes. As águas que corriam intensas e emocionantes como o sangue da juventude de atitude.
Volta o tecladinho, a dedilhar com suavidade o menino ou menina quem um dia fomos, jovens em tempos mais reais, onde festas era marcadas de boca em boca, em que conversas eram anunciadas com um toque na campainha de nossas casas ou um grito nos chamando.
Eram tempos em que o amigo, em vez de mandar mensagens via computador ou celular, surgia do nada (do tudo, de seus corações) batendo em nossa porta, sem avisar mas sendo bem recebido.
Eram tempos de papos intermináveis à beira da calçada de frente para ruas tranquilas, livres de tantos carros ou da gente nervosa, apressada e mal educada de hoje. Eram rolês de bike sem capacetes, com as orelhas mais livres para escutar o mundo imenso que sentíamos e imaginávamos quando moleques, e sem roupinhas especiais. Pedalávamos com a mesma roupa com que jogávamos bola ou taco na rua. Pedalávamos por ruas e tempos menos consumistas e neuróticos, mais calmos e humanos.
Eram tempos de ligações mais simples e profundas. Não lembro de falar ou ouvir a palavra “conexão” quando garoto, mas tenho certeza que os amigos eram muito mais conectados na era dos gritos na porta de casa e nos rolês a pé ou de bicicleta em pleno fim de semana (é, acho que tínhamos muito menos lições de casa no passado, talvez os professores e as direções de escolas soubessem ensinar o essencial em vez do massacre conteudista cada vez maior de hoje).
Tínhamos tempo livre de verdade. Éramos mais livres para sonhar e viver. Vivíamos na rua. E não me venham falar de que hoje há muita violência, mais carros etc. Sim, é verdade, mas ainda existem muitas ruas, praças e parques onde se pode crescer e viver sem medo. Pena que a paranoia dos pais ou o excesso de atividades em que enfiem seus filhos acabe com a adolescência hoje.
A adolescência e juventude que parece ter ficado no passado, como no maravilhoso filme St. Elmo´s Fire, em que os amigos, sonhavam, ajudavam-se e, sobretudo, ficavam juntos.
Eram outros tempos.
Eram outros humanos.
Mas graças que alguns resistentes ainda lembram de filmes e canções como essa, como a velha amiga dos anos incríveis que postou essa canção hoje cedo no Facebook.
E graças que ainda existem, nos corações de quem sabe encontrar a companhia e amor certo, romances como o desse filme que marcou os românticos dos anos 80.
Graças que, mesmo se a mágica dos 15 anos não volta, ainda é possível cultivar uma pessoa como cultivávamos os jardins incomparáveis dos amigos dos 15 anos.
Se os amigos desapareceram na cinza poeira do tempo, ou no poço sem fundo (sem volta?) dos que mudaram por questões de grana e status, cuide de sua parceira ou do seu companheiro com o mesmo cuidado, alegria e entusiasmo com que regavam os moleques e meninas dos anos mais mágicos da sua vida.
Quem sabe, fazendo isso, e exercendo a arte esquecida do romance no amor, você não lembrará do amor tão belo quanto: o amor que se irradiava dos amigos e amigas do peito que não apenas se curtiam, mas celebravam a vida juntos.
Texto dedicado aos que se sentem bem demais quando a esposa ou namorada encosta a cabeça nos nossos ombros no cinema vendo um filme que celebra o amor ou a parcela diminuta, mas combativa, da humanidade que ainda luta por um mundo melhor.

PS – Quem vai agitar uma festinha pelos bons tempos??? Ou quem é que vai começar a bater um fio, telefonar para os velhos amigos, em vez da frieza e fugacidade dos posts virtuais?
Nunca é tarde para resgatar a pessoa sensacional que você um dia foi.

quinta-feira, março 22, 2012

Big Sunday – Ondas iguais à vida


As grandes ondas são parecidas com os relacionamentos ou a solidão humana em seu lado mais triste: a falta de companhia. Às vezes não conseguimos chegar até elas  sozinhos. Falta algo essencial em uma boa aventura marinha: os amigos.
Sábado o mar rugia anunciando o finalzinho do verão e a chegada do outono, o início da temporada de ondas grandes. O oceano chamava para uma daquelas sessions épicas, mas faltou braço e estímulo para varar a arrebentação distante numa maçaroca de ondas já arrebentadas uma atrás da outra. O jeito foi desistir, e com sorte, pegar uma boa e única parede na zona intermediária. Solitária onda que me deixou, porém, frustrado. Sempre ficamos quando não chegamos na porta de entrada da catedral marinha, o outside.
Só o longo passeio, de mãos dadas com a mulher amada, de frente para o mar e sob um pôr-do-sol suave e de belos tons do outono próximo, amenizou um pouco a falta de ondas. Mas o déficit de surfe sempre deixa nosso tanque de vida menos cheio.
De noite, a boa notícia chega pelo celular. Era a mensagem só possível em um amigo fiel, aquele que não precisa conversar antes de anunciar: “amanhã cedo estamos colando aí pra dar uma queda.”
Bem aventurados os que têm um brother assim. Não é preciso combinar nada, não é preciso marcar, ligar pra acertar as coisas. O brother de fé apenas anuncia que está a caminho. E eles sabem que surfar sozinho sempre deixa um vazio e muitas vezes, arruína uma session como a minha do sábado.
E pra melhorar ainda mais, o brother fiel não embaça: ele madruga e chega cedinho. Tava ainda na cama quando o telefone tocou, ele já tava na praia, só pegaria a prancha do outro brother ali num apê próximo.
Ainda com um copo de leite quente na mão escutei a buzina. O irmão, o velho parceiro chegou. Logo estamos passando parafina nas meninas. Logo estamos na praia.
Sim, a cena é furiosa. Netuno ruge firme. O liquidificado gigante do sabadão deu uma diminuída, o mar deu uma acertada, mas a arrebentação segue distante pacas. Sabemos que a remada vai ser insana, até pensamos que não conseguiremos chegar lá atrás, mas não sentimos isso. Porque brothers juntos, de alguma forma, por alguma ligação poderosa, sabem que conseguirão.
A entrada já é dura, a temperatura da água já é a fria da próxima estação. A paisagem toda branca, de um mar de ondas grandes estouradas, é uma dura barreira. A remada é uma odisseia para meu ombro esquerdo lesionado há meses e para a lombar direita também machucada há tempos.
O sal é remédio, a água é terapêutica, os amigos são os guias a me estimular. Eis então que o amigo tranquilo dispara lá na frente, parece ter descoberto uma brecha numa breve pausa da fúria marinha. Percebo a chance, dou um gás. A dificuldade para mergulhar debaixo das bombas estourando vai amainando. Pouco depois encontro a segurança do outside, a zona mágica antes das ondas quebrarem.
Ficamos lá, eu e o amigo tranquilo, quase zen, à espera das séries e do velho brother. Nem sinal dele. Deve estar na zona cega das ondas estourando na cabeça e forçando um recuo natural.
Alguns minutos depois o velho amigo desponta. Rema devagarzinho como se caminhasse num caminho santo com um cajado na mão. O ritmo vagaroso era exaustão e então eu e o brother sossegado demos aquela boa risada meio aliviada e meio sacana, “olha lá o Velho, tá mortinho, remando feito um velhinho”.
Logo éramos os três amigos juntos de novo. Juntos, felizes e orgulhosos de terem vencido a famosa remada-estrada sem fim de nossa praia local, famosa por sempre cobrar um preço caro para nos entregar o paraíso do outside.
Bom, o paraíso pode ter suspiros de inferno: a primeira série cavernosa se aproxima. Em vez de botarmos pra baixo, deixamos as morras passarem e damos risada do tamanho delas e de nossa falta de coragem.
As condições estão difíceis de entrar, perdemos outras séries mas não o bom humor, um sacaneando a remada sem sucesso do outro, encerrando a frase com “ainda bem que você não entrou, ia tomar uma vaca...”
Os amigos juntos logo espantam a apreensão e o receio. Nos dão confiança e a certeza de que olharão por nós.
Logo conseguimos pegar algumas bombas e ficamos mais tranquilos também ao descobrirmos que as ondas não estão desabando, mas sim quebrando aos poucos, permitindo nossos erros sem que nos engulam.
Logo estamos todos renovados e logo esquecemos o tempo. As horas passam e curtimos uma das mais longas sessões dos últimos tempos. E curtimos esse aumento dos laços de amizade que uma session inesquecível sempre produz.
Graças às morras desse fantástico Big Sunday.
Graças à vontade de surfar e viver, juntos, dos Brothers.

sexta-feira, março 09, 2012

Messi e Neymar - As crianças da revolução


     A melhor explicação para as inexplicáveis jogadas e gols espetaculares que Messi (se cuida, Pelé!) e Neymar (legítimo sucessor de Garrincha) fizeram 4ª feira veio de um velho artista da bola, o francês Eric Cantona, um dos maiores ídolos da história do Manchester United. Disse Cantona sobre Messi e suas palavras cabem direitinho em Neymar: “Messi tem um entusiasmo quase infantil pelo jogo. Os grandes jogadores são os que têm a espontaneidade da criança.”
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sexta-feira, março 02, 2012

O artista - Por uma vida mais real

Houve um tempo em que a vida parecia acontecer em preto e branco.  As opções em produtos e atividades eram poucas. Nos anos 60 e 70, o único aparelhinho tecnológico que seduzia os homens por muito tempo era a televisão. Só que essa tv tinha poucos canais e poucos programas. E não passava qualquer jogo que você quisesse ver. Quem tinha um time do coração precisava ir ao estádio para vê-lo. Precisava viver a emoção real do jogo ao vivo. 
Eram tempos ainda sem tanto curso disso e daquilo pra ocupar o “tempo livre”, muitas vezes sem um interesse real e profundo. Eram tempos em que as pessoas viviam o tempo livre mergulhados num livro ou brincando, jogando e vivendo ao ar livre. 

Até uma paixão universal como a música oferecia um processo mais bonito e humano: para ouvirmos um artista tínhamos que colocar o LP num aparelhinho que vários escutavam ao mesmo tempo. E era preciso esperar meses, como se aguardássemos a chegada de um grande amigo ou paixão que viajara, para ouvirmos o novo álbum de nossa banda preferida. E que gostoso e que experiência muito mais rica era escutarmos pela primeira vez os belos bolachões de vinil (depois de namorarmos e tocarmos aquela capa enorme) junto dos amigos, com o som se expandindo das velhas mas comunitárias vitrolas. E como era bacana também quando uma modernidade como a pequenina fita cassete virava presente para alguém querido. A gente dava o máximo de nosso bem querer para fazer uma coletânea dos sonhos. E escrevíamos de próprio punho o nome das canções, com algo que necessitava de capricho, cuidado e carinho chamado caligrafia.

A vida era em preto e branco, pelas poucas opções em produtos, mas paradoxalmente, pareciam muito maiores as opções para se viver. Ou alguém aí acha que ter à disposição milhares de joguinhos é um cardápio maior que o oferecido pelas antigas brincadeiras de rua? E os cursos? Hoje podemos fazer curso de qualquer coisa e qualquer idioma, mas será que isso nos enriquece mais que o antigo hábito de lermos muitos livros, sem distrações? Será que as inúmeras opções não acabam fragmentando nossa capacidade e formação?
Todo esse longo preâmbulo, realista e não saudosista, trago para manifestar minha tristeza pelos comentários dos adolescentes e jovens sobre essa obra-prima que acaba de ganhar o Oscar, o filme francês O artista. “Ah, é em preto e branco”, “ah, o cara fica dançando e fazendo careta”, “não tem fala”, “é uma coisa velha”, e o pobre blá blá blá multiplica-se.  O pior é que a maioria dos comentários vieram de moleques que não viram o filme, presos que estão aos seus pré-conceitos e à ditadura do novo e do moderno vendida pela mídia.
Não sabem o que estão perdendo. Não sabem que perdem a interpretação máxima que um ator e atriz precisam ter devido à ausência de cor. Como minha sábia mãe professora e amante do cinema e da vida sempre disse, o preto e branco obriga o ator a ser muito expressivo e dizer muito com “meros” olhares. Não há o recurso da cor e suas milhares de tonalidades e nuances para disfarçar uma expressão facial pobre. O preto e branco é um farol que ilumina apenas os grandes mestres da interpretação como este fabuloso Jean Dujardin, protagonista do filme que vai do tom debochado e engraçado à paixão, amor e dor de uma cena para a outra. O mesmo faz sua eletrizante parceira em cena, Berenice Béjo.
E se os jovens querem uma ação vertiginosa – oferecida pelos joguinhos e pelos vazios filmes blockbusters de aventura - O artista ainda oferece o ritmo alucinante da rápida queda de uma grande estrela do cinema, o George Valentim feito por Du Jardin, da fama ao esquecimento, solidão e pobreza em pouco tempo.
E se os jovens querem diversão, ela está mais que garantida por esse adorável e engraçadíssimo cãozinho que é o companheiro fiel do astro do cinema na glória e no fracasso.
O problema é que nem ao cinema os adolescentes e muitos jovens vão mais. Como bem escreveu na Folha de ontem o jornalista Marcelo Coelho, ir ao cinema decresceu tanto na molecada que os professores agora inventam passeios para o cinema para garantir um mínimo de formação cultural e arte aos seus alunos. Coelho mostra que a ida ao cinema parece a velha ida ao teatro com a escola. Ah, mas e o DVD e a tv a cabo? Preciso dizer que tipo de filmes e canais a meninada assiste?
Graças aos raros pais que ainda mantém o saudável e belo costume de levar os filhos ao cinema, guiando-os em filmes-caminhos desconhecidos, em vez de apenas levá-los para ver o novo blockbuster que a grande mídia tenta nos enfiar goela abaixo.
Graças aos professores que arrumam um tempinho e uma brecha no conteúdo das apostilas para exibir um filme rico aos seus alunos. Obras que eu denomino de “filmes de formação” por apresentarem e discutirem os mais importantes fatos e valores de nosso mundo, de ontem e hoje.
Não viu ainda O artista? Dê uma chance à verdade do preto e branco e descubra ainda como é possível se emocionar num filme mudo, no tipo de filme que nos legou o talvez gênio maior da história do cinema, Charles Chaplin.
Parabéns ao Oscar por valorizar não um filme ao estilo antigo – como críticos superficiais insistem em classificá-lo – mas um filme super atual, para quem defende uma vida mais bela, por resgatar a interpretação e poesia perdida pelos excessos dos efeitos especiais mirabolantes.
Parabéns ao Oscar por valorizarem a perfeita definição do cinema dada pelo cineasta Nicholas: “O cinema é a melodia do olhar”.
Mas como fazer os jovens olhares e se concentrarem num simples olhar se são cada vez mais bombardeados por aparelhinhos, aplicativos, softwares, joguinhos, fones de ouvido ultramega potentes (para delírio dos médicos otorrinos...)?
Como resgatar a poesia sufocada pela fúria da velocidade, barulho e alienação?
PS – Não se convenceu? Tente então dois outros filmes primeiro, coloridos e falados... Em Os Descendentes, o destaque é a jovem Shailene Woodley que faz a filha mais velha de George Clooney. Em seu primeiro papel no cinema, a adolescente produz mais efeitos e eletricidade com seus pequenos, ligeiramente puxados e ultraexpressivos olhos que todo o elenco reunido dos canais adolescentes que infestam a tv a cabo. Da ternura à raiva, da rebeldia sem causa à atitude para defender a honra de seu pai, ela é um soco na cara na apatia ou afetação de jovens atorzinhos e atrizes sem o mínimo talento.
Já em O homem que roubou o jogo, Brad Pitt faz um dos mais belos trabalhos de sua carreira como um homem que arrisca tudo por uma ideia jamais tentada antes. Há uma cena dele acelerando o carro enquanto escuta uma canção da filha que Pitt simplesmente condensa todos os sentimentos mais fortes possíveis no ser humano em segundos. E detalhe: ele faz isso  mal mostrando os olhos, apenas deixando cada linha e ruga de seu rosto falar-explodir sem falar. Coisa de grande artista, coisa do antigo bonitão que virou um grande, e a cena ainda conta com uma fotografia deslumbrante, com pouca luz e sombras sendo incendiadas pela atuação do marido de Angelina Jolie.