quarta-feira, julho 06, 2005

Um cachorro perdido
Toda a inocência e miséria desse mundo.
Toda a bondade e pureza abandonada.
Toda lágrima sentida.
Todo o absurdo da desumanidade.
Um cachorro perdido somos todos nós. Que não olhamos, que não agimos, que não gritamos. Basta!
O cachorro perdido não é bonito. É pequeno, atarracado, feio. Mas não existe olhar mais belo, por ser mais que humano. Ele corre pela praça verde pertinho de minha casa. Ele brinca, sorri. Sim, cachorros sorriem, caso não saibam os cegos de coração. Ele corre mais, procura comida no chão. Vai achar muito pouco. Pior, não vai achar, no final do dia, o alimento vital: uma morada. Uma família para cuidar dele. Para lhe fazer carinho. Para amá-lo, com fidelidade (esse sentimento tão raro no ser humano), para sempre.
O cachorro perdido somos todos nós. Porque nesses dias de inverno o frio ensina que só os cachorros amam para sempre. Casamento? Só eles entendem a promessa que o padre pede no altar. Altar me lembra o velho padre Wilson, da Igreja Cruz Torta (será o nome ironia ou metáfora desse mundo torto e cruel?). Lembro que muitos reclamavam de seus sermões longos e confusos. Mas ficava debaixo dele, pertinho da hóstia e do vinho, seu amado cachorro vira-lata branco e preto. Que um dia morreu. Apareceram outros e outros, como o seu padre precisasse de muitos para substituir o ser indefeso que tanto amou. De muitos para lhe dar amor para enfrentar o desamor de quem ele tentava ensinar e passar nobres mensagens.
Os fiéis, abastados, dessa igreja de bairro rico? Muitos reclamavam dos cachorros do padre, enquanto desfilavam suas roupas novas e decotes para um padre e ajudantes humildes. É, eu mesmo admito, e me perdoa, padre, mas ia ali muitas vezes para ver a beleza das curvas generosas das moças, mas isso é roupa de ir à missa? Pecadoras insensíveis...
Volto ao cachorro perdido da praça. Um dia ele se encontrará. Porque ele tem amor, e o amor sempre encontra. Porque ilumina e aquece.
Perdidos estamos nós, esperando por alguém com alma de cão para nos salvar.
Perdido está esse povo. Virando lata feito esse cãozinho feio. Bicho e povo que sobrevivem das migalhas desses poderosos corruptos e egoístas.
O cachorro perdido sumiu. Que Deus o proteja.
PS - Na hora em que me preparava para deixar a praça, uma cena boa. Um casal passeia junto, conversando, se olhando. São muito jovens, cerca de 13, 14 anos. Ele se pendura na barra. Ela espera paciente. Depois sentam no banco. O sol, que era tímido, escondido, sorri de novo. Logo ele deita no banco. E no colo dela. A menina abaixa seu rosto, derrama com cuidado seus longos cabelos, carinho, nele. Um beijo. Um sopro de vida.
Nem tudo está perdido. Talvez alguém encontre aquele cachorro. Talvez alguém nos encontre. Talvez...
O poeta que não conhecemos
Morreu há pouco no Porto, Portugal, o grande poeta luso Eugénio de Andrade, mestre das palavras simples, belas, diretas. Aqui no Brasil, de costas inexplicavelmente para a rica cultura da terrinha que nos criou, nunca soube dele. Até sua morte. Descobri então vida e a simplicidade de um homem que se declarava ao mundo como um menino espiando a primeira namorada, o primeiro amor. Lá vai um poema dele, para os que não têm medo de amar.

Sê tu a palavra
1. Sê tu a palavra,branca rosa brava.
2. Só o desejo é matinal.
3. Poupar o coração é permitir à morte coroar-se de alegria.
4. Morre de ter ousado na água amar o fogo.
5. Beber-te a sede e partir- eu sou de tão longe.
6. Da chama à espada o caminho é solitário.
7. Que me quereis, se me não dais o que é tão meu?

terça-feira, julho 05, 2005


Por você

Foi o deus Lugano quem disse, “vamos ganhar esse título pelo Grafite, o nosso melhor atacante”. Palavras de lealdade, amizade, de conforto e alento ao companheiro abatido e ferido em ação. Ao companheiro fundamental que ajudou, demais, o São Paulo, a chegar tão longe. Ao bravo e heróico Grafite, que fez gols e jogadas vitais na escalada tricolor em busca de sua menina mais sonhada, o grande amor de sua vida, a Taça Libertadores da América. Ao solitário Grafite, que anda assistindo aos jogos de seu time pela TV. Mas ele estará semana que vem no Morumbi, e “se o professor (o técnico Paulo Autuori) deixar, quero estar no vestiário, junto de meus companheiros”. Imaginem a força que o herói ferido não dará ao São Paulo, fico arrepiado só de pensar nesse encontro. Injeção de ânimo será pouco...