segunda-feira, agosto 30, 2010

14 anos depois, o Renascimento

Não foi apenas um jogo memorável, foi um resgate de uma camisa tão maltratada desde que o mito Oscar se aposentou. 14 anos depois de nossa última e digna participação em um grande evento (em 1996 era a Olimpíada de Atlanta), o basquete masculino brasileiro finalmente teve uma atuação condizente com um país que já foi bicampeão mundial da modalidade (nos distantes 1959 e 63). Surpreendendo a todos os seus críticos (me incluo nessa), um possesso, valente, corajoso e líder Leandrinho, muito bem acompanhado nessa regência pelo ousado Marcelinho Huertas, comandaram a heróica partida que o Brasil fez diante dos EUA. Heróica, sim, pois perder por apenas 2 pontos dos homens da NBA é sempre uma façanha. E olha que poderíamos ter vencido caso não tivéssemos errado tanto no último quarto, com muitos erros infantis de passes e chutes de 3 precipitados, uma pane geral que assolou a seleção brazuca toda.
Mas valeu a coragem de partir pra cima dos homens da NBA e, sobretudo, a louca e infernal marcação que os brasileiros jogaram pra cima deles. Mais que uma marcação, uma entrega apaixonada que tem a mão de nosso Treinador, o argentino Ruben Magnano, um cara que simplesmente levou os hermanos ao ouro olímpico em Atenas. Treinador maiúsculo, que diferença depois de tantos treinadores medíocres, confusos e sem pulso que passaram pela seleção.
Além de Leandrinho e Huertas, foram bem também Marquinhos, Alex e Spliter, esse um pivô que não anda devendo quase nada aos melhores do mundo, faltando-lhe, porém, mais velocidade em algumas penetrações no garrafão. O problema é quando Spliter precisa descansar, pois sem Varejão, aguentar o lento e assustado JP é dose. O mesmo ocorre quando Huertas vai pro banco: Marcelinho Machado continua sendo 8 ou 80, alterna jogadas brilhantes com perdas de bola e erros bisonhos. Mas pelo menos hoje o Machado mais acertou que errou.
Bom, mas fica essa luta e belo basquete da seleção hoje, como não víamos há tanto tempo. Se jogarmos assim de novo, o sonho da medalha não será algo tão impossível. Uma medalha (bronze) que não conquistamos desde que Marcel (num time que tinha Oscar, claro) acertou aquele chute milagroso a 3 segundos do fim contra a Itália, em 1978...
PS
- Só temo que a bela exibição brasileira hoje não se deva um pouco pela impressão de que essa seleção dos EUA é a mais fraca reunião de profissionais da NBA em muitos e muitos anos. Porque Kevin Durant não é esse fenômeno como o Sportv quer nos fazer crer. Porque esses americanos são uma espécie de terceiro escalão da NBA.

segunda-feira, agosto 23, 2010

Alma vernelha



O Inter bicampeão da América é o sonho de qualquer torcedor. E não falo apenas do raro equilíbrio entre técnica e entrega, entre craques e monstros da raça, entre veteranos de outras guerras e jovens muito talentosos. O sonho começa na própria torcida, apaixonada, valente e presente durante todos os minutos que duram um jogo. Diferente de uma torcida do São Paulo - que só grita em determinados momentos, quase sempre quando o time está bem, na frente; além de não ter a mínima criatividade para criar cantos contagiantes – os colorados fazem do Beira-Rio um arrepiante inferno vermelho de apoio, amor e beleza. “Ah, eles copiaram o estilo argentino de torcer”, criticou um sãopaulino. Ainda bem, para o Inter, pensei, pois ninguém nesse mundo da bola canta e apoia mais que uma hinchada argentina.
Impossível não se emocionar com a festa colorada, especialmente com a paródia deliciosa e entusiasmante da música do Mamonas Assassinas. Imagino a descarga de adrenalina e vontade que essa canção bombada por dezenas de milhares fanáticos colorados (e sócios-torcedores do clube!, pois o Inter que é o número 1 nesse quesito no Brasil*) produz no coração dos jogadores colorados...
Jogadores, falemos então da raça e talento. A garra do gigante e capitão, Bolívar e desse monstro Guiñazu, um raro deus da raça que ainda é frio e equilibrado, o que o torna imbatível. A garra e técnica desse incansável Tinga, que vai minando o adversário com seu poder de penetração baseado tanto em sua habilidade como em sua força física. Cheguemos então mais fundo no talento, falemos no endiabrado, genial e insuportavelmente ousado para os rivais, D´Alessandro, outro que elimina o último fôlego de quem tenta marcá-lo. Habilidade marca também o futebol do velho e refinado vinho chamado Kléber, mestre de passes e cruzamentos perfeitos. Voltemos à força com o irmão que joga bola da família, Alecsandro, um tanque que também vai minando os rivais com tanta pegada.
Faltam outros elementos importantes, não conheço tão bem esse formidável bicampeão da América, mas não esqueço do talvez herói maior, de um prodígio determinado, desse garoto que mesmo sendo reserva arrebentou todas as vezes em que entrou com gols decisivos. De um menino que será um dos grandes do futebol mundial. Giuliano. O que dizer de um cara que entra na pedreira contra o Estudiantes lá na Argentina, e mesmo com aquela neblina, encontra aquele que foi talvez o gol mais sofrido e necessário do Inter nessa Libertadores? E o moleque ainda elimina o São Paulo e faz o gol do título contra o Chivas...
Melhor ainda saber que Giuliano foi oferecido ao Palmeiras há dois anos, quando ainda era do Paraná clube, e a cúpula alviverde o recusou...
Finalmente, há que se destacar um treinador, Celso Roth, que abandonou já há algum tempo seu estilo mais guerreiro (violento mesmo...) para fazer suas equipes jogarem bola e buscarem o gol sem parar. Roth já fôra assim no Atlético que liderou boa parte do Brasileirão do ano passado lotando o Mineirão com um time dedicado ao gol. Acabou naufragando, porque se sobrava técnica ao Galo, faltava a raça e alma colorada.
Não falta mais.
Não falta nada a esse poderoso Internacional. Um Inter que joga muito mais futebol que seu rival no Mundial, o time italiano pragmático de mesmo nome.
Falta pouco para os gaúchos conquistarem o Bi Mundial.
* O sócio-torcedor do Inter é muito mais bem tratado que o do São Paulo, por exemplo. O cara não precisa comprar ingresso em cada jogo no ridículo plano do tricolor. Ele vai ao estádio com seu cartão, passa seu cartão na catraca e pronto. Até nisso eles batem a gente...

Isso é torcer.

quarta-feira, agosto 11, 2010

Onde está a nossa canção?


Não consigo escrever algo relevante nesse blog há um bom tempo, talvez porque não veja há algum tempo as pessoas que gostaria de ver e, com certeza, porque tenho passado mais tempo “conversando” pela tela de um computador do que trocando ideias, gestos e olhares na vida real. Sim, algumas mensagens via micro são realmente belas e importantes, fazem um afago bom no peito, mas seriam mais fortes e marcantes ao vivo.
Não consigo escrever mas sigo lendo feito maluco e mando então um pedaço de um texto vital, do jornalista Bob Herbert, do The New York Times. O cara reflete sobre a overdose de novas tecnologias (celulares cada vez mais avançados, ipods e outros aparelhos, além do vício das redes sociais). O texto é um grande “acorda pra vida”, para que acordemos e passemos menos tempo no micro e mais tempo com as pessoas que fazem ou fizeram parte de nosso coração:
“Há um personagem em uma peça de August Wilson que diz que todo mundo tem uma canção dentro de si e que você corre risco de perder essa canção. Se você perde o contato e esquece como cantá-la, você está sujeito a ficar frustrado e insatisfeito.
Não acho que ficamos em contato com nossas canções ao tuitar ou digitar mensagens em nossos Blackberrys ou acumular amigos no Facebook. Precisamos reduzir os limites de velocidade de nossas vidas e saborear a viagem. Deixe o celular em casa de vez em quando. Tente beijar mais e tuitar menos. E pare de falar tanto.
Ouça.
As outras pessoas também têm o que dizer. Quando elas não dizem, aquele silêncio glorioso dirá mais do que você jamais imaginou. Isso é quando você começará a ouvir a sua canção.
Isso é quando os seus melhores pensamentos aparecerão, e você realmente será você.”


Será que estamos escutando a nossa canção, a nossa essência, como pede o jornalista americano? Ainda conseguimos escutar as batidas do coração nesse redemoinho de centenas de músicas que entopem um ipod sem limites de espaço? Ainda conseguimos conversar de verdade com alguém enquanto disparamos mensagens sem parar no facebook? Ainda conseguimos escrever-sentir algo mais que os 140 caracteres do twitter?
Tenho namorado um livro mágico que vou lendo aos poucos, quando tenho um tempinho de sentar-me ao sol. Trata-se da história de uma menina que está procurando a canção essencial dela, que a define, e ela vai direto ao ponto, mostrando que ipods e toda a tecnologia digital não tem fim, não acabam, podem ser sempre mais e mais preenchidos. Só que a jovem Martina sabe que a vida (e nós mesmos) não é digital, é analógica: tem começo, meio e fim como os velhos discos em vinil.
Lembrem então das experiências mais marcantes de suas vidas, aposto que foram com alguém em especial, com um grupo em especial, num lugar especial, numa ocasião especial. Foram momentos com começo, meio e fim. E cada um foi UM momento, e não vários ao mesmo tempo.
Uma das grandes mágicas da internet e desses celulares cada vez mais parecidos com computadores é que permitem que façamos várias coisas ao mesmo tempo e até que conversemos com vários ao mesmo tempo. O resultado é que não fazemos nada direito ou com envolvimento e não conversamos com ninguém de verdade. Tá, escrever escutando um som é uma coisa (faço isso agora com o bom e velho Lionel Richie, Easy like sunday morning, relax puro, grande soul dos anos 70), mas escrever, escutar um som e ficar acessando as redes sociais (como eu fazia até alguns dias atrás) e email só podem causar uma coisa: falta de foco, ansiedade e produção reduzida.
E, meu Deus, se você não é um jornalista cobrindo um evento na rua, um executivo escravo de sua multinacional ou um jovem revolucionário denunciando a opressão nas ruas, qual o sentido de ter um celular com internet? Não dá pra esperar e dar uma olhadinha no micro do seu trampo ou sua casa? Será que precisa mesmo, em seu momento de paz, no almoço, ou enquanto se desloca, nas ruas, checar o email e as redes sociais?
Sai dessa. Tem pessoas que já estão ficando doentes com a síndrome de acessar emails e checar as redes sociais toda hora. Desliga um pouco, olha as pessoas, fala com elas, escuta os barulhos verdadeiros, sente as coisas pulsarem, acorda. E, por favor, escutem de novo as canções mais belas: as vozes das pessoas que vocês gostam, as vozes e toda a melodia e ritmo de seus gestos e olhares. E a vida é física, meu irmão: um aperto de mão, um abraço, um xingamento com afeto no velho amigo que reencontra, um carinho no rosto de uma garota e um beijo valem mais que duzentas mil horas passadas atrás da tela de um computador. Atrás, nunca dentro, da vida mais bela e real. Como canta o grande poeta e vivente Eddie Vedder, em Black, chame o velho amigo, chame alguém especial e take a walk outside, vá dar uma volta lá fora.
Lá fora. Dentro da emoção e paixão incomparável de realmente viver.
* O vídeo é do inesquecível show do Pearl Jam em São Paulo.

quinta-feira, agosto 05, 2010

O campeão que sairá das cordas

Porque poucos acreditam. Porque as grandes viradas nascem assim. Porque um grande no chão ainda é um grande, e pode se levantar. Porque eles perderam a chance de nocautear. Porque há ainda um último round. Uma última chance.
Porque temos um grande capitão e campeão.
Porque temos o líder da virada, que será o Fernandão um pouco mais recuado, armando, ditando o ritmo.
Porque Hernanes atuará onde rende mais, como volante, vindo detrás e tendo que marcar.
Porque Ricardo Oliveira queimará minha língua e mostrará que seu estilo e talento serão mais importantes que minhas críticas à sua frieza demais.
Porque Dagoberto deixará de lado sua óbvia jogadinha correndo da ponta pro meio e será empurrado, pela massa tricolor, para dentro da área, para decidir lá dentro.
Porque Alex Silva gritará tanto que Miranda acordará.
Porque Rodrigo Souto marcará como um possesso e cobrirá todo mundo.
Porque Cléber Santana perderá o sangue de barata com o clamor das arquibancadas e assim se encherá de brios para acertar aquele chute de longe que ainda não acertou.
Porque Júnior César voltará a voar.
Porque até Jean, que Deus nos ajude, fará uma grande partida, mordido que está por tantas críticas, justas, à sua inabilidade na lateral.
Porque somos TRICAMPEÕES. Desta América e do Mundo.
Porque hoje é dia de Rogério Ceni.
Porque hoje o verdadeiro campeão sairá das cordas e nocauteará seu rival sem dó com a experiência dos mitos e a fúria dos campeões humilhados que precisam provar, de novo, seu valor.
Porque meu irmão tricolor de tantas glórias, um louco que batizou sua filha de Luana (Lugano + Telê Santana) estará lá no glorioso Morumbi comigo e meu velho pai, que tem o mesmo sobrenome de Ricardo Oliveira.
Vamo, São Paulo!!!!

domingo, agosto 01, 2010

Born to Run

(Quando viver é partir)

Bruce canta toda a paixão, todos os sonhos e o maior amor do mundo, aquele que faz um cara precisar de uma mulher pra fugir dessa armadilha do cotidiano ou da pressão demais da cidade em que (sobre)vive.
I wanna know if your love is wild
Baby, I wanna know if love is real
“Eu quero saber se o amor é selvagem, eu quero saber se o amor é real.” Isso só será possível se nossa cara metade nos acompanhar, ou nem precisa ser já a amada, basta ser uma mulher que tenha a loucura tão sã de nos acompanhar, cheia de coragem e paixão numa corrida para algum lugar e algo melhor. Tudo isso cantado, mais que isso, entoado, por essa alma incendiária e apaixonada, pelo Grande Chefe das Canções e Histórias Tão Belas, as músicas e as narrativas que vêm da alma, que vêm do homem que ainda parece, depois de tantos anos, o mesmo jovem do subúrbio de New Jersey, vizinha a Nova York, cheio de fúria feliz pela vida, Bruce Springsteen.
We gotta get out while we're young
'Cause tramps like us, baby we were born to run
“Precisamos cair fora enquanto somos jovens, porque vagabundos como nós nascemos para correr.” Será que só quando se é jovem tem-se a coragem necessária para ir embora? Qual é a idade da juventude? Existe uma idade para se desistir dos sonhos? Quantas pessoas já não jovens, segundo a sociedade, não tiveram essa coragem? Quantos jovens acomodados existem por aí sem a audácia e fibra de pessoas muito mais velhas? Quantos velhos não estão por aí, na fundamental experiência das ruas e viagens, enquanto muitos jovens trancam-se em suas gaiolas tecnológicas virtuais? Quantos jovens, vagando anestesiados, cegos e surdos pelas ruas – com mp3s, iPods, celulares com som, net e TV - ainda veem, escutam e sentem o que está lá fora? Algo chamado vida.
Mas ainda há esperança para os que precisam de um empurrãozinho para escapar, ainda há alguns fugitivos para salvar as tantas Wendys da canção, presas em uma vida opaca. Há ainda há por aí esse cara que Bruce canta:
Wendy, let me in, I wanna be your friend
I wanna guard your dreams and visions
“Wendy, me deixe entrar, eu quero ser seu amigo, eu quero guardar seus sonhos e visões.” E que sentimento pode ser maior desse cara que gosta tanto de uma garota que quer ser também amigo dela e proteger os sonhos dela? Quantos de nós temos os ouvidos e amor necessário para pensarmos de verdade em quem gostamos e ajudarmos essa pessoa a realizar seus sonhos? Pé na estrada não é só ligar o motor, apanhar sua garota e fugir, é se preocupar com ela e junto dela lutar por tudo o que é possível. Together we could break this trap. “Juntos podemos romper essa armadilha.” Juntos. Porque para Bruce o amor será sempre Nós.
Sim, Bruce tem a coragem de admitir que o fugitivo é um Cavaleiro, mas um cavaleiro com medo, por isso pede walk with me, venha comigo.
Pausa para o solo de sax, pausa viva, pois o sax é o carro acelerando, é a coragem em ação, é a estrada, é a tentativa de mudança.
Fim do solo, o Fugitivo e Wendy tentam ir embora, mas há algo na letra que nos faz ver que talvez não dê certo, I wanna die with you Wendy on the streets tonight
In an everlasting kiss.
“Quero morrer com você nas ruas esta noite em um beijo eterno”, canta Bruce, sabendo talvez que não é possível correr-fugir-encontrar. Talvez não haja gasolina suficiente, talvez não haja emprego, talvez não haja a louca coragem para partir. Volta o sax, tentemos de novo, acelera, pisa fundo, deixa a poeira pra trás como se a realidade fosse uma nuvem de pó ou esse pó seja o sonho voando a nossa frente.
Volta então a canção
Highway's jammed with broken heroes
On a last-chance power drive
Everybody's out on the road tonight but
There's no place left to hide.
“A estrada está cheia de heróis arrebentados numa última jornada, numa última chance, todo mundo está lá fora, não há onde se esconder.” Talvez não seja possível correr, mas Together Wendy we can live with the sadness, “juntos nós vamos viver essa loucura, Wendy”. E vêm então os versos mais belos da canção. Os versos de um coração sincero que pede confiança, um “acredite em mim”:
Someday girl I don't know when
We're gonna get to that place where really wanna go
“Algum dia, menina, eu não sei quando, nós vamos chegar naquele lugar que queríamos realmente encontrar.”
Tramps like us, baby, we are born to run, “Vagabundos como nós, querida, nós nascemos para correr.” Vagabundos é a tradução exata de Tramps, mas Bruce deve querer dizer Viajantes, Gente que procura, de verdade, viver.
PS – Poucos lugares do mundo representam tão bem a beleza, arte e chama de viver como a cidade em que Bruce deu essa apresentação, Barcelona, no coração da incendiária Catalunha.