segunda-feira, janeiro 31, 2011

PBB (Pobre Basquete Brasileiro)


No Jogo das Estrelas (que estrelas?) da Liga Nacional de Basquete, os brasileiros simplesmente tomaram um saco dos estrangeiros que jogam no país. Só para a locução da TV Globo e seu promoter travestido de jornalista, Tiago Leifert, que o Jogo das Estrelas parecia sensacional e parelho. Desde quando me sentei para ver a partida, no final do segundo quarto, os gringos comandavam o placar tranquilamente, e logo aumentaram, no terceiro quarto, sua vantagem para cerca de 10 pontos ou mais, o que se manteve em quase todo o restante do jogo (meteram 16 pontos de diferença...)
Comandavam o placar é pouco: os gringos (que na maioria jamais jogaram juntos) trituravam os brasileiros mostrando um entrosamento e vontade coletiva que os nossos (simplesmente 7 dos 12 brasileiros que jogaram o último Mundial) não tinham. Incrível como Marcelinho, Guilherme, Alex, Baby, o ridículo Nezinho e cia, que estão juntos na seleção há anos, simplesmente seguem cometendo os mesmos erros. Em geral, o mesmo erro: enquanto os gringos trabalhavam a posse de bola para infiltrarem como queriam no garrafão ou servirem o iluminado Robert Day (50 pontos!) para este chutar de três no final da posse de bola, os brazucas precipitavam, COMO SEMPRE, o chute de 3. No terceiro quarto, quando a diferença caiu para 5, 6 pontos, tivemos a chance de encostar, mas aí seu Alex enfiou uma bola da sua defesa (!?) buscando Marcelinho e ele, que tinha todos outros companheiros próximos, chutou no aro uma bola de 3 que poderia ser trabalhada para 2. Isso cansou de acontecer nos últimos Mundiais em que fizemos papelão atrás de papelão.
Pra piorar, estes brasileiros deverão ser maioria na seleção que lutará por 2 vagas em Londres 2012 no Pré-Olímpico das Américas. Pra piorar mais ainda, os brazucas tomaram um baile não de feras da NBA ou do forte basquete europeu, mas de jogadores de segundo ou terceiro escalão que jamais brilharam ou sequer participaram das ligas mais fortes do planeta.
Por mais que por aqui os americanos Shamell, do Pinheiros, e Robert Day, do Uberlândia, sejam jogadores decisivos por aqui, eles nunca foram atletas de ponta em seus países e ficaram longe da NBA.
Certeza: nosso excepcional treinador argentino – campeão olímpico e vice-mundial com seu país – vai ter trabalho para armar uma equipe decente no Pré-Olímpico, ainda mais se os homens (sobrevalorizados...) da NBA não virem por causa de uma greve na melhor liga do planeta.
Finalmente, a quem a Globo quer enganar sobre o nível ainda bem distante dos maiores pólos mundiais, dos jogadores brasileiros adultos da nossa liga nacional?
A única esperança é o olho e trabalho incansável do treinador argentino, que está viajando o país feito louco (coisa que os últimos treinadores, brasileiros, da nossa seleção, jamais fizeram) em busca de novos talentos e renovação. E Magnano está sempre presente também em jogos de tudo quanto é categoria aqui no Brasil. Só eu já vi o Bigode duas vezes em janeiro no ginásio do Pinheiros acompanhando jogos dos garotos e adultos. E ele ainda está implantando uma seleção permanente de várias categorias de garotos no interior de São Paulo. Portanto, o futuro pode dar samba, mas acho difícil que nos classifiquemos para a Olimpíada de Londres. De novo...

terça-feira, janeiro 25, 2011

O homem de papel

Margens do Rio Paraná, Rosário, Argentina, janeiro. O rio segue belo, amplo, verde, silenciosamente valente correndo em direção ao mar. Belo porque é a grande vista da cidade, seu respiro. O problema é esse: Rosário antes não precisava deste respiro, desse alívio. Porque esta era a “ciudad para se vivir”, pela excepcional qualidade de vida que suas amplas áreas para o lazer e esporte proporcionam, às margens do rio. Não me parece mais se inserirmos na equação do viver algo vital para mim: o calor humano do povo . Os rosarinos já me parecem não ter a simpatia de antes, ou eu é que não percebia isso pela paz que o Paraná me dava. O caso é que o rosarino típico está mais apressado, dá informações tão rapidamente como se quisesse se livrar logo de quem lhe pergunta. Outro indicador de simpatia em queda é o tratamento frio no comércio, em especial na hora das refeições e nas lojas de qualquer coisa.
Assim, desanimado, estava meu estado de espírito, enquanto olhava para o rio (como um surfista pode ficar em paz num rio se o temor maior desta espécie é justamente uma água tranqüila? Bom, isso já expliquei num post antigo). Eis que aproxima-se um pescador e sua sacolinha de tralhas úteis para a sobrevivência.
Sabe como é a desconfiança típica de um paulistano, né, ainda mais quando o cara perguntou se eu tinha cigarro ou um baseado. Eu já me preparava para sair dali quando o cara começou a perguntar de eu onde era e percebi sinceridade quando ele disse do parente que tinha ido pro Rio, “deve ser muito bonito lá, né?”, me perguntou.
Foi então que troquei ideias com o pescador que na verdade era cartonero (catador de papelão e coisas, o nosso carroceiro). Foi então que ele sacou o seu maior tesouro, que começou a me mostrar todo entusiasmado: uma revista das mais caras, mas com belíssimas fotos e dicas de lugares especiais na Argentina e Chile.
Foi bacana ver a alegria genuína deste legítimo representante do povo argentino mais carente, da massa mesmo, ao revelar que já estivera em alguns desses lugares, ou perceber o sonho dele em conhecer esses lugares bonitos. E bacana foi ver como tratava aquela revista como uma jóia, muy rica, como ele afirmava.
Aqui divago um pouco sobre a joia e a sensação que só o papel provoca. Em tempos de internet, i-de-todo-tipo e livros eletrônicos, só o papel tem esse feitiço e portabilidade democrática e segura de ser levada a qualquer canto. E como alguém pode se dizer um leitor sem ler no papel um jornal ou revista importante (elas ainda existem entre o lixo fascista ou vazio das vejas e caras que se proliferam)? Não pode, porque a leitura no papel é muito mais ampla do que a na internet. Eu digo a leitura de um jornal ou revista por vez. O jornal em que lemos um caderno de cada vez, e não os poucos links de algum caderno que lemos na net. É fato: quem lê no papel, lê muito mais, porque ninguém consegue ler muito sentado desconfortavelmente na mesa de um computador e olhando para uma tela cansativa. E façam um teste: quantos compradores de i-Pads leem mais uma edição virtual que o leitor da boa e velha edição em papel?
Ali, em Rosario, do pequeno tesouro daquela revista que o cartonero achou no lixo, o papel - que muito moderninho e/ou hiper consumista quer matar porque prefere gastar muito dinheiro em aparelhos novos – voltou a mostrar seu valor.
Mas valor maior mostrou esse homem do povo, que me ofereceu um papo profundo sobre a economia e sociedade argentina, as mulheres (que o deixaram e a de hoje), Brasil e lugares para se conhecer. Ah, só me lembrei de fazer a pergunta fundamental entre homens da maior parte do mundo no final. Uma pergunta tola em se tratando de Argentina, porque para a esmagadora maioria dos homens do povo de lá, a resposta é a mesma:
- Qual o seu time do coração?
Ele dá uma risada, a resposta só poderia ser uma:
- Boca, por supuesto!
- La mitad mais uno!, devolvo para a satisfação imensa dele com o lema do clube mais popular de nossos hermanos.
Despedi-me do homem de papel mas antes de ir ele ainda me surpreenderia com sua consciência e conhecimento político. Ele diz que está com a presidenta Cristina – “os Kirchner foram os melhores para o povão”, sabe do complô dos grandes produtores agrícolas com a extrema direita argentina. Sabe até que o maior jornal do país, o Clarín, é da direita, e que sua dona tem como filhos duas ex-bebês arrancados de seus pais, porque seus pais desapareceram na mãos da ditadura militar. Pior, esses dois filhos foram comprados pela empresária. Pior ainda: esses filhos não querem saber quem foram seus pais. Preferem a fortuna e o conforto que têm hoje em vez de descobrir qual o sangue e classe social que lhes deu a vida.
Depois disso, parti, e lá ficou o homem de papel, um dos poucos seres humanos que salvaram a simpatia em baixa deste lugar que já foi maravilhoso, Rosário.
* Além do homem papel, teve a moça da loja de roupas e os três figuras da livraria mais humana da cidade, bem diferente dos mal educados e antipáticos atendentes da rede Ateneo, mas isso é assunto para outro post. E claro, os taxistas apaixonados por futebol.
PS - Quem quiser ler outro texto, mais antigo, sobre a dignidade de um catador de papelão argentino, leia o segundo texto do link abaixo:
Sobre a dignidade

segunda-feira, janeiro 24, 2011

Ciclovia de araque


A Ciclovia do prefeito Kassab estreou ontem em São Paulo do Parque Villa Lobos até Moema, 10 km só para as bikes. A ideia é boa mas a concepção uma piada ao funcionar apenas aos domingos. Tá, bacana poder pedalar tranquilo no domingão sem esses motoristas doentes e mal educados de Sampa, mas pensando em cidadania, alternativa de transporte e respeito ao meio-ambiente é um minúsculo paliativo, quase inútil.
Motivos? O impacto contra o trânsito é zero. A melhora da qualidade de vida também é zero, ou até mais baixa. Explico: quem for pedalar apenas uma vez por semana, nos domingos da ciclovia, não melhora em nada a saúde, pois qualquer atividade física precisa ser feita pelo menos três vezes por semana para trazer benefício ao praticante. Imagina o cara que passa a semana trabalhando feito louco no escritório e domingão vai pedalar a ciclovia toda... A chance do maluco ter problemas físicos é grande.
Aliás, isso é uma ciclovia coisa nenhuma. A prefeitura colocou é faixas nas vias normais de veículos. Por isso que não é nenhum absurdo o comentário distraído do meu pai: “isso é um corredor de ônibus novo”. Ciclovia de verdade tem que ser CONSTRUÍDA. Falando nisso, que fim levou a ciclovia de verdade mas mal feita que acompanha os trens na Marginal? Mal feita porque tem uma entrada aqui e outra na casa do.... Kassab prometeu que até o fim do ano (de 2010...) estariam prontas outras saídas e entradas (Cidade Universitária, Pinheiros, Villa Lobos etc) e elas não saíram das promessas. Aí ele resolveu comprar um monte de tinta vermelha e branca e pintar as faixas dessa ciclovia de mentirinha.
Dá pra levar a sério uma "ciclovia" aberta só aos domingos???
Ciclovia de verdade funciona todos os dias, como acontece, por exemplo, em Bogotá. É, galera, na Colômbia que tem muito menos dinheiro que nossos governos mas lá os melhores urbanistas trabalham com muita eficiência pelos cidadãos. E é óbvio que a nova ciclovia do Kassab nunca poderá funcionar todos os dias, porque senão a cidade para de vez.
Gênio...

sexta-feira, janeiro 21, 2011

Viajando na praça

Buenos Aires, meio da tarde. O sol reina no meio das torres da catedral. O sol queima. Não só ele. Na praça diante da catedral é a vida que é acendida em suas chamas tão fortes quanto simples. Porque aqui, nessa praça, tudo parece mais vivo.
Ouvem-se vozes conversando. Charlando, como dizem os argentinos. Ouvem-se crianças gritando, porque estão brincando de verdade: com bolas, no parquinho, com carrinhos etc.
Ouve-se a batida seca dos skates queimando energia e obstáculos porque garotos inquietos têm The Doors nos pés, come on baby, light my fire.
Ouve-se o silêncio dos que leem compenetrados, porque barulhos externos não invadem a mágica da leitura de obras que fazem imaginar, pensar, sonhar.
Volto ao calor, nítido nas belas moças tomando sorvete, passeando, namorando. O fogo não se apaga nem na senhora que ao me ver pegar uma parte do jornal, sobre a mesa do café, corre a me dar o resto, porque não queria que eu ficasse sem ler tudo. E as páginas que ela me entrega são justo sobre Clint Eastwood, “o último dos clássicos” segundo este jornal, que aborda seu último filme, que narra, ao que me parece, a vida dos que chegaram perto do fim e sobreviveram.
Fim? Um viajante, mesmo na Buenos Aires trágica dos tangos e do habitual pessimismo portenho, é sempre um dos mais vivos dos seres.
Muitos podem achar esse relato distante de uma viagem emocionante, mas a alma humana não precisa de grandes aventuras para sentir-se maior. Há várias formas de viajar. Mas viajar é sempre mudar o tempo, é colocá-lo em uma outra dimensão. Nada de horários, rotinas e hábitos que teríamos em nossas casas.
Casa? Poderia ser apenas este ritual natural de caminhar, observar, sentir, sentar num banco, pensar, e depois chegar na pousada e bater papos profundos sobre a humanidade com essas guerreiras Martas, mãe e filha, argentinas-brasileiras. Mais precisamente talvez, latinoamericanas. E há ainda o "jovem Evo", o boliviano cheio de atitude e orgulho que trabalha ali sempre com um sorriso e palavras calorosas para os hóspedes que sentem-se irmãos desta imensa América.
Volto à praça, já é de noite, e um ambiente sempre meio pomposo de uma grande igreja é quebrado pela boa e velha maior paixão mundial, o futebol. Só mesmo essa molecada doida por entoar um grito de gol para transformar o hall de entrada desta igreja com jeito de catedral em arco, traves. Sim, os dois “times”, num clássico dois contra dois, driblam e lutam até que um consegue enfiar o pé para fazer o gol na porta da catedral. A blasfêmia para alguma beata carola é apenas a louca e mágica benção da infância.
A infância que parece mais genuína aqui nessa pracinha de classe média também frequentada por pessoas mais humildes que entregam-se a jogar bola em frente ao "campo do Senhor".
Sim, a praça me parece até mais sagrada com seu brincar, sorrir, gritar, namorar, charlar.
A vida deveria ser simples como uma tarde na praça Güemes diante da Iglesia de Nuestra Señora de Guadalupe, uma santa mexicana em terras argentinas. Isto é a América, Marta, a América mais genuína, atrás dos muros dos ianques...

quarta-feira, janeiro 19, 2011

A pureza de viver

   (Montevidéu 2011)

Tudo ali parece, a este morador da tão moderna quanto opressiva São Paulo, coisa de outro tempo. De um tempo em que mesmo o dia-a-dia transcorria num ritmo mais calmo e com mais sabor e alegria. Tudo na Montevidéu que conheço me remete à minha inesquecível infância e adolescência dos anos 80, de futebol e brincadeiras na rua e pracinhas; conversas intermináveis à beira das calçadas dos amigos e amigas; e dos passeios de bicicleta atrás das nossas meninas-musas.
Não sei se os montevideanos sabem do privilégio e vida de verdade que usufruem. Não sei se talvez muitos deles não prefeririam ter mais grana e poder em vez de curtir as delícias e astral desta cidade e tempo de outros tempos.
Espero que não, espero que tenham a consciência do valor de sua cidade e capital que parece preservada da agressividade, estupidez, trânsito e poluição infernal de megalópoles como São Paulo. Espero que valorizem até seus muitos prédios velhos, que espantam a pior espécie de turistas, os endinheirados e fúteis demais. Deixem-os ir para Miami ou Dubai...
Preservem sua vida, hermanos charruas. Não são muitas capitais do mundo que têm o que vocês possuem:
As pessoas curtindo tranquilas a caminhada, a corrida e sol na beira do rio que é o mar, o Plata.
A tão simples quanto genial arquitetura debruçada sobre o rio – quilômetros e quilômetros de bancos, com vários pontos para se apoiar as costas (acho uma sacanagem lugares que só têm bancos sem apoio para as costas, ninguém aguenta). Essas muradas são um convite à uma bela relaxada ou uma boa conversa (a charla, como dizem os uruguaios e argentinos).
Tanta gente, de todas as idades, tomando e compartilhando o mate, a toda hora e lugar. Esse mate compartilhado que sai muito mais barato e é muito mais solidário e amigável que o famoso ritual do cafezinho brasileiro.
Os parques admiráveis e tranquilos como o Rodó e o imenso, verdadeiro paraíso para um esportista, o Battle, ao lado do Centenário.
As exposições fotográficas do Rodó, ao ar livre, não sabem como isso é melhor que ter que se enfiar dentro de um museu!
Suas ruas com árvores dos dois lados, formando imensos e gostosos tubos verdes de sombras que confortam e envolvem o pedestre.
Sim, o pedestre que é tratado como cidadão. Não queiram saber como o pedestre é tratado em São Paulo. E pergunto se os estadunidenses acham que civilização é ter que pegar o carro pra tudo, em suas cidades-freeways. Civilização, como disse uma vez aqui nesse blog, é uma cidade que pode ser percorrida a pé, como podem fazer os europeus, os argentinos e vocês.
Não é só um ritmo de vida e o prazer que vocês parecem ter em se encontrar e aproveitar o melhor da sua cidade.
Há algo maior, ainda mais belo.
Há algo quase absurdo nesse mundo em que as pessoas são cada vez mais consumidoras e menos gente.
Num mundo em que cada vez mais só se pensa em vender e consumir, num mundo cheio de vendedores exibindo uma falsa simpatia para atrair os clientes (e muito louco mal educado também, que trata o cliente com frieza e/ou agressividade porque sabe que o cara vai comprar mesmo), os (as) funcionários (as) do comércio montevideano mostram uma simpatia e educação de verdade.
Por isso que mesmo sozinho em Montevidéu, nunca me senti sozinho.
Os responsáveis?
O cara de quem comprei duas laranjas e disse, “que ricas elas estão né, senhor?”.
A moça da lotérica Abitat que me atendeu com todos os detalhes, sem pressa e com um sorriso que queria levar pra casa, me dizendo tudo sobre o jogo que eu queria ver, Nacional e Peñarol.
Os senhores e senhoras das bancas de jornal (kioscos) em que eu ia pegar meu exemplar do melhor jornal do mundo, o (me perdoem, uruguaios), meu fiel Página 12 argentino. Mas saibam, hermanos, que os caras do seu conservador El País, têm o feeling pra falar de futebol no caderno Ovación.
As moças dos restaurantes mais simples ali do Bairro Sur.
Os torcedores do Nacional, que ao me verem com a camisa do São Paulo, vinham falar como se nossos times fossem irmãos pelo passado comum de Lugano (e a mesma história continuará, se Deus quiser, com esse fantástico Sebastian Coates).
O torcedor do Peñarol que tem uma sensacional lojinha de discos, camisetas pop de filmes e séries (remeras) e livros de rock numa galeria da 18 de Julio, pertinho da Plaza Caganchas.
E até, coisa quase surreal, os caras da casa de câmbio, que ao me verem com uma camisa do Rosario Central da Argentina, e ao perceberem meu sotaque de brasileiro, começaram um papo de minutos sobre o futebol brasileiro, argentino e uruguaio. Caraca, amigos, alguém já viu atendente de câmbio simpático em algum lugar do mundo????? Só mesmo em Montevidéu! Falamos de Lugano, Forlán, pai e filho, Pedro Rocha, Dario Pereyra, Coates, papo de amigos antigos de boteco.
E nem falei no clima fantástico dos arredores do Estádio Centenário (a reforma está deixando-o belo de novo!) e de suas arquibancadas, mas isso é assunto pra outro post.
E nem falei da beleza de suas moças, de um charme incrível e sem pose. Um charme do interior antigo do Brasil, das nossas morenas cativantes e autênticas que estão desaparecendo pelo avanço da estúpida incultura dos BBBs (Gran Hermanos) e outros reality shows.
Ponto negativo? Só encontrei no antipático vidro dentro dos táxis que isola e sufoca os passageiros e na atendente de informações turísticas (logo ela???) do terminal de ônibus de Tres Cruces.
Mas fico com a educação, os sorrisos e o tratamento maravilhoso que recebi de seu povo que não me deixou sozinho, que não me deixou acuado.
Fico com o calor humano de um povo que não sei se sabe o tesouro de viver (e não apenas sobreviver) que guardam. E dou risada da ignorância dos idiotas que dizem que criticam Montevidéu como “uma cidade que parece de 50 anos atrás”. Ainda bem que Montevidéu é assim! Mas digo que o 50 anos atrás vale mais para o coração deste povo, um coração de uma época em que as pessoas se tratavam com mais civilidade, interesse e amizade.
PS - Este post é dedicado também à atenção e simpatia da Ele, da Federação Uruguaia de Futebol, que tentou me ajudar numas entrevistas (não deu, moça, mas obrigado pelos esforços!) e do casal Eliza e Miguel, que volta e meia me enviam palavras amigas e cultas por email.

sábado, janeiro 01, 2011

O caminho mais difícil


Às vezes não importa quanto de bem alguém distribuiu em sua vida, pois certas quedas fazem o desespero dela esquecer o tamanho de seu coração. A fronteira entre toda a bela luta já realizada e o futuro negro que se vê ante um erro que se comete, é tênue demais. O abismo é logo ali e é muito fácil ir ao seu encontro.
Desistir de tudo é um dos temas principais desse monumental A felicidade não se compra. A história gira em torno de um homem e uma família genuinamente bons, os Baileys. Genuinamente bom é a marca dos que colocam o bem acima de tudo. Fazer o bem. Essa é a vida de George Bailey desde menino. Um moleque que sempre cuidou dos outros, mesmo tão novo. Mas sua história não é uma dessas fábulas modernas fáceis do cinema de hoje, em que os jovens conquistam tudo o que sonharam.
Sim, o jovem George também sonha demais, quer estudar e conhecer o mundo. Quer deixar a sua pacata cidadezinha sem grandes oportunidades e riquezas. Quer pegar a estrada e construir a sua própria história. O “problema” de George, porém, é um coração e caráter maiores que seus sonhos. Mesmo tão puro, ele percebe o que acontecerá com sua cidade caso o negócio da sua família, um banco popular, seja engolido por um empresário inescrupuloso.
Revelar mais estragará as surpresas e emoções grandiosas deste clássico do mais idealista dos diretores, Frank Capra.
Só posso adiantar que George não lutará sozinho. Haverá uma mulher, daquelas que entendem o valor de um coração altruísta. Haverá outros homens, que entendem o valor de um homem bom. Haverá uma grande batalha entre o bem e o mal, este representado por um senhor de terras e dinheiro tão parecido com os senhores egoístas de qualquer época. Haverá a luta do dinheiro que compra a felicidade contra a felicidade que só depende do amor, da amizade e de uma palavrinha tão vital e meio sumida hoje, dignidade.
Haverá uma catarse tão grande na meia hora final deste filme, que desistiremos de desistir.
Se algum dia você se perdeu e não encontrava a saída, o magistral James Stewart e seu comovente e tão real George Bailey, vai te mostrar um caminho. Junto de Mary – outra atuação epidérmica, visceralmente delicada e afetuosa, por essa maravilhosa atriz Donna Reed – George nos mostrará que nada pode deter um coração generoso. Porque atos de amor em série produzem, num mundo decente e menos egoísta, gratidão em série.
Pena, talvez, que George, Mary e Frank Capra venham de um mundo antigo, de valores mais fortes que status. Pena que muitos jamais verão um filme tão antigo (de 1946) como esse, ainda em preto e branco.
Pena que o feliz título dado ao filme no Brasil não seja verdade para um número de pessoas cada vez maior.
Pena que hoje, algumas pessoas que ainda se esforçam em fazer o bem, chegam ao Natal e ao ano novo sem nem ao menos escutar na última noite um simples “feliz ano novo”. Para essas pessoas, sorte que ainda existem um desses raros "filmes da vida" como A felicidade não se compra. Porque a arte, nesta dimensão, conforta até os que deixaram de acreditar.

Feliz 2011, com mais amor e amizade no coração, sobretudo para as horas mais difíceis de quem precisa. Esqueçamos um pouco nossos mirabolantes planos e metas pessoais e pensemos, em vez de ter um ano melhor, em oferecer um ano melhor.