quarta-feira, janeiro 19, 2011

A pureza de viver

   (Montevidéu 2011)

Tudo ali parece, a este morador da tão moderna quanto opressiva São Paulo, coisa de outro tempo. De um tempo em que mesmo o dia-a-dia transcorria num ritmo mais calmo e com mais sabor e alegria. Tudo na Montevidéu que conheço me remete à minha inesquecível infância e adolescência dos anos 80, de futebol e brincadeiras na rua e pracinhas; conversas intermináveis à beira das calçadas dos amigos e amigas; e dos passeios de bicicleta atrás das nossas meninas-musas.
Não sei se os montevideanos sabem do privilégio e vida de verdade que usufruem. Não sei se talvez muitos deles não prefeririam ter mais grana e poder em vez de curtir as delícias e astral desta cidade e tempo de outros tempos.
Espero que não, espero que tenham a consciência do valor de sua cidade e capital que parece preservada da agressividade, estupidez, trânsito e poluição infernal de megalópoles como São Paulo. Espero que valorizem até seus muitos prédios velhos, que espantam a pior espécie de turistas, os endinheirados e fúteis demais. Deixem-os ir para Miami ou Dubai...
Preservem sua vida, hermanos charruas. Não são muitas capitais do mundo que têm o que vocês possuem:
As pessoas curtindo tranquilas a caminhada, a corrida e sol na beira do rio que é o mar, o Plata.
A tão simples quanto genial arquitetura debruçada sobre o rio – quilômetros e quilômetros de bancos, com vários pontos para se apoiar as costas (acho uma sacanagem lugares que só têm bancos sem apoio para as costas, ninguém aguenta). Essas muradas são um convite à uma bela relaxada ou uma boa conversa (a charla, como dizem os uruguaios e argentinos).
Tanta gente, de todas as idades, tomando e compartilhando o mate, a toda hora e lugar. Esse mate compartilhado que sai muito mais barato e é muito mais solidário e amigável que o famoso ritual do cafezinho brasileiro.
Os parques admiráveis e tranquilos como o Rodó e o imenso, verdadeiro paraíso para um esportista, o Battle, ao lado do Centenário.
As exposições fotográficas do Rodó, ao ar livre, não sabem como isso é melhor que ter que se enfiar dentro de um museu!
Suas ruas com árvores dos dois lados, formando imensos e gostosos tubos verdes de sombras que confortam e envolvem o pedestre.
Sim, o pedestre que é tratado como cidadão. Não queiram saber como o pedestre é tratado em São Paulo. E pergunto se os estadunidenses acham que civilização é ter que pegar o carro pra tudo, em suas cidades-freeways. Civilização, como disse uma vez aqui nesse blog, é uma cidade que pode ser percorrida a pé, como podem fazer os europeus, os argentinos e vocês.
Não é só um ritmo de vida e o prazer que vocês parecem ter em se encontrar e aproveitar o melhor da sua cidade.
Há algo maior, ainda mais belo.
Há algo quase absurdo nesse mundo em que as pessoas são cada vez mais consumidoras e menos gente.
Num mundo em que cada vez mais só se pensa em vender e consumir, num mundo cheio de vendedores exibindo uma falsa simpatia para atrair os clientes (e muito louco mal educado também, que trata o cliente com frieza e/ou agressividade porque sabe que o cara vai comprar mesmo), os (as) funcionários (as) do comércio montevideano mostram uma simpatia e educação de verdade.
Por isso que mesmo sozinho em Montevidéu, nunca me senti sozinho.
Os responsáveis?
O cara de quem comprei duas laranjas e disse, “que ricas elas estão né, senhor?”.
A moça da lotérica Abitat que me atendeu com todos os detalhes, sem pressa e com um sorriso que queria levar pra casa, me dizendo tudo sobre o jogo que eu queria ver, Nacional e Peñarol.
Os senhores e senhoras das bancas de jornal (kioscos) em que eu ia pegar meu exemplar do melhor jornal do mundo, o (me perdoem, uruguaios), meu fiel Página 12 argentino. Mas saibam, hermanos, que os caras do seu conservador El País, têm o feeling pra falar de futebol no caderno Ovación.
As moças dos restaurantes mais simples ali do Bairro Sur.
Os torcedores do Nacional, que ao me verem com a camisa do São Paulo, vinham falar como se nossos times fossem irmãos pelo passado comum de Lugano (e a mesma história continuará, se Deus quiser, com esse fantástico Sebastian Coates).
O torcedor do Peñarol que tem uma sensacional lojinha de discos, camisetas pop de filmes e séries (remeras) e livros de rock numa galeria da 18 de Julio, pertinho da Plaza Caganchas.
E até, coisa quase surreal, os caras da casa de câmbio, que ao me verem com uma camisa do Rosario Central da Argentina, e ao perceberem meu sotaque de brasileiro, começaram um papo de minutos sobre o futebol brasileiro, argentino e uruguaio. Caraca, amigos, alguém já viu atendente de câmbio simpático em algum lugar do mundo????? Só mesmo em Montevidéu! Falamos de Lugano, Forlán, pai e filho, Pedro Rocha, Dario Pereyra, Coates, papo de amigos antigos de boteco.
E nem falei no clima fantástico dos arredores do Estádio Centenário (a reforma está deixando-o belo de novo!) e de suas arquibancadas, mas isso é assunto pra outro post.
E nem falei da beleza de suas moças, de um charme incrível e sem pose. Um charme do interior antigo do Brasil, das nossas morenas cativantes e autênticas que estão desaparecendo pelo avanço da estúpida incultura dos BBBs (Gran Hermanos) e outros reality shows.
Ponto negativo? Só encontrei no antipático vidro dentro dos táxis que isola e sufoca os passageiros e na atendente de informações turísticas (logo ela???) do terminal de ônibus de Tres Cruces.
Mas fico com a educação, os sorrisos e o tratamento maravilhoso que recebi de seu povo que não me deixou sozinho, que não me deixou acuado.
Fico com o calor humano de um povo que não sei se sabe o tesouro de viver (e não apenas sobreviver) que guardam. E dou risada da ignorância dos idiotas que dizem que criticam Montevidéu como “uma cidade que parece de 50 anos atrás”. Ainda bem que Montevidéu é assim! Mas digo que o 50 anos atrás vale mais para o coração deste povo, um coração de uma época em que as pessoas se tratavam com mais civilidade, interesse e amizade.
PS - Este post é dedicado também à atenção e simpatia da Ele, da Federação Uruguaia de Futebol, que tentou me ajudar numas entrevistas (não deu, moça, mas obrigado pelos esforços!) e do casal Eliza e Miguel, que volta e meia me enviam palavras amigas e cultas por email.

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