terça-feira, janeiro 17, 2012

O homem de braços abertos

Um iluminado que é a antítese do sombrio personagem de Jack Nicholson naquele antigo filme de suspense-terror. Um cara transparente, solar, sempre de braços abertos como aquele amigo do peito que está pronto para nos dar uma força. Um cara que mesmo quem o conhece há pouco tempo, parece amigo antigo, porque tempo de convivência não importa pra ele, o que vale é a sinceridade e a vibe.
Vibe, palavrinha gringa que remete a um clássico solar dos Beach Boys e associamos às boas vibrações é a cara desse maluco do bem. Maluco beleza não por ser louco irresponsável, não é, mas por parecer estar sempre de bem com a vida, deixando ela rolar no rumo de seus sonhos que ele ainda não consegue definir direito. Sonhos de trabalhar com o esporte (é jornalista), por isso ele, que deixou Sampa há alguns anos para viver em Barcelona agora está de malas prontas pra terra da próxima Olimpíada, Londres.
Maluco contraditório, como um cara gente fina desse (apesar de ser palmeirense fanático, chato pacas, rs) pode ser torcedor lá fora dos esnobes e milionários Real Madrid e Manchester City? E ainda admira o máscara maior da bola mundial, Cristiano Ronaldo? Aliás, esse maluco simples - humilde e amigo no trato com as pessoas como um figura típico do interior – é uma contradição de novo ao se vestir feito um David Beckham tupiniquim, sempre com roupinha de marca, justa e até com sapatinho longo e fino de magnata. Bota metrossexual nisso!, dizem que ele leva mais tempo pra se arrumar que a elétrica e simpática namorada espanhola que acompanha o doido mundo e sonhos afora.
Bom, vai ver na verdade ele é apenas uma versão moderna do malandro do bem, os velhos sambistas sempre bem vestidos, roupas sociais feitas sob encomenda, sapato brilhando. Malandros lisos no viver, sempre passando aperto mas se virando bem pela graça de terem um coração enorme e alma musical como se fossem um sambinha que alegra. Como se fossem um batuque que pede uma cervejinha, uma dançadinha e uma musa pra acompanhar.
Sim, malandro que é malandro apenas parece malandro, pois o cara é fiel à musa, a Maria, e faz com ela o romance mais difícil, o namoro cotidiano, o amor temperado dia a dia. O amor cozinhado com afeto como o alimento mais caseiro e fundamental da panela da vó.
Bom, o caso é que o malandro, depois de uma breve volta de férias ao Brasil, ao país que tem sua cara e coração, tá voltando, na real, tá indo embora de novo e deixando seis amigos e família pra voltar ao sonho europeu. Sonho de uma vida melhor, mais tranquila, sem tanto trânsito, sem o stress que passa o rapa na gente todo dia como aquela canção do Rappa, Rodo Cotidiano. Lá vai então pro velho mundo um pedaço do brasileiro mais legítimo, e isso nos deixa mais pobre, porque a nossa verdadeira riqueza é essa: o caráter, astral e coração de ser um brazuca do bem, alegre, pra cima, um brazuca que vive nos zoando e sacaneando mas apenas pra quebrar o clima, pra quebrar as pedras da megalópole e rotina que asfixia. Zoando, sim, mas com respeito, camaradagem e bom humor.
Mesmo que não é fã de samba sente então desde já a falta que esse moleque-bloco de carnaval - porta-bandeira da alegria e das amizades sinceras – nos fará.
Mas tenho certeza que a neblina, frio e chuvinha constante de Londres vão receber nosso mais verdadeiro representante. 110% brasileiro, lá vai então Serginho Terrin(ha) mostrar ao antigo Império o valor de nossa gente mais necessária e real.
Boa sorte, garoto, e não esquece da família que sentirá muito a sua falta, e vê se para com essa frescura e frieza de whats up e de vez em quando dá umas telefonadas pra sua mana, que parece gêmea de tanto que sente sua falta.
Boa estadia na terra dos Beatles, Rolling Stones, Iron Maiden e Queen, pena que você, matuto que é, não gosta e prefere suas bandas e artistas tão ruins como o seu Palmeiras, rs. E fica tranquilo, que não vai perder nada do seu time, porque ele seguirá sem ganhar nada mais um ano hehe
Aquele abraço, irmão, mas lembra que um Brasileiro maiúsculo como você um dia precisa voltar. Tanto jogadorzinho de meia tigela voltando pro Brasil, e você, craque dos melhores valores humanos, vai embora. Tá, difícil trocar o velho mundo por essa Sampa infernal, mas vê se fica rico por aí e volta pra viver em algum refúgio próximo da gente.
See you, jovem Bezerrinho da Silva! E desde já erguemos um brinde da sorte com uma boa Guiness a você, cheers! E pode deixar que eu cuido bem da sua mana, a moça que iluminou minha vida.

quinta-feira, janeiro 12, 2012

Marcos - O herói mais real

Mesmo goleiro campeão do mundo com a seleção (2002) e campeão de quase tudo com o Palmeiras que se tornou maior graças aos seus milagres; e mesmo sendo um ídolo até dos torcedores rivais - fato raríssimo, talvez até inédito no futebol paulista (*) - Marcos foi humilde até o fim. Diferente de outros ídolos, que têm essa condição quase que exclusivamente dentro do campo, e pouco fora - na vida, nas atitudes que denunciam o tipo de caráter que carregam – Marcos mostrou sua imensa humildade até em sua coletiva de despedida. A humildade rara de quem sempre admitiu suas falhas. De quem jamais se julgou perfeito ou “o cara”.
Perguntado sobre qual a sua maior tristeza no futebol, ele não se escondeu: “A tristeza foi o Mundial (contra o Manchester). Cacei borboleta e deixei o torcedor triste.”
Que outro ídolo admitiria e lembraria de uma falha no momento em que todos só querem reverenciá-lo e homenageá-lo?
A humildade (desculpem a repetição, mas não há um sinônimo para essa palavra em Marcos, pensei em modéstia, mas penso ser um sentimento sem a mesma força e verdade do que representa o goleiro de todos nós) que descobri ser ainda maior ao ler hoje outra das que Marcos aprontou. Deu no JT de hoje: “Às vésperas da Copa do Mundo de 2002, Marcos chamou Felipão para uma conversa reservada e fez um pedido: “Não me coloque como titular. O Rogério Ceni e o Dida estão voando, e eu estou sendo cornetado por todo mundo. É melhor você escolher um dos dois para ser o seu camisa 1.” O treinador não deu bola para ele, e o final da história todos sabem: a Seleção conquistou o quinto título mundial com atuações importantíssimas do palmeirense, sobretudo nas oitavas de final contra a Bélgica e na decisão diante da Alemanha.”
Quantos ídolos pensaram em ceder seu posto de titular para um companheiro que julgaram em fase melhor? Pensar é pouco, Marcão pediu para ir para o banco ao seu treinador!
A atitude de Marcos pouco antes da Copa de 2002 revela outro lado raro num jogador de futebol. O falar o que pensa. O não ser cordeirinho amestrado de empresários que controlam carreiras e só pensam em obter lucros. Mais um depoimento que veio na coletiva de ontem: “Eu dava boas entrevistas. E que davam problemas pra mim, mas sempre dormi tranquilo. É difícil mudar a personalidade de uma pessoa. Hoje sempre tem alguém que diz o que você deve falar, vestir… Jogador um pouco mais antigo tinha personalidade pra falar. Hoje tem marketing daqui, manager dali. É por isso que estou aqui hoje e tenho respeito de todos. Me identifiquei muito pela torcida por ela reconhecer o torcedor que estava em campo. Muitas vezes falei muita bobagem, devia ter ficado quieto, mas sempre falei o que o coração mandava.”
Coração. Quantos ídolos tiveram ou têm o coração de Marcos? Num universo boleiro em que não se pensa duas vezes na hora de deixar um clube só porque o outro ofereceu um pouco mais, Marcos é, ao lado de Rogério Ceni, ainda mais raro, pois sempre exalou uma expressão e sentimento praticamente extinto hoje, “amor à camisa”. Toda promessa ou nova estrelinha do futebol brasileiro deveria prestar atenção no que o goleiro disse sobre isso: “Sempre tentei focar que eu gosto daqui, que ganho bem, mas que dinheiro não era a maior prioridade. Queria estar ao lado de quem eu gostava, criar uma raiz e me tornar ídolo aqui. Quem pula de time em time talvez ganhe mais, mas não será tão lembrado. Seria legal que mais jogadores pensassem assim, que dinheiro nem sempre é tudo. Não sei quando me tornei diferente. Achei injusto sair do time quando caiu para a Série B. Resolvi ficar e, sem querer, foi uma das melhores coisas que fiz na vida.”
Falo em Marcos como goleiro, e não ex-goleiro, porque o Brasil não pode perder esta liderança e exemplo tão belos e essenciais. Sim, ele não estará mais nos gramados, não disparará verdades pelos microfones a cada derrota, mas esperamos que o santo mais humano não desapareça do futebol. Do futebol que elevou à vida. Vida decente, bonita, exemplar, farta em bons exemplos para as crianças, jovens e todos nós.
Parou o maior de todos, dentro e fora dos campos. O que foi sempre o mais sincero e decente, e por isso o mais humano. No mundo boleiro, e não só, com tanta pose e intrigas, ele sempre foi o mais simples, transparente e direto possível. Não há ninguém com a sua estatura moral em ação no futebol brasileiro. Por isso o futebol brasileiro sem Marcos ficará ainda mais feio.
Insubstituível é pouco. Deixou os gramados o mais real dos heróis. Torçamos para que ele não deixe a sociedade atuante. Que o Palmeiras ou outras instituições deem a oportunidade para São Marcos semear nos jovens os nobres valores e defesas maravilhosas, de bolas e sentimentos, que espalhou pelos campos do mundo todo.

(*) Pelé foi um ídolo de todas as torcidas, mas o foi só como jogador, não como homem. Talvez Sócrates tenha sido admirado por todas as cores, mas penso que amado mesmo, só o Marcão.