sexta-feira, janeiro 21, 2011

Viajando na praça

Buenos Aires, meio da tarde. O sol reina no meio das torres da catedral. O sol queima. Não só ele. Na praça diante da catedral é a vida que é acendida em suas chamas tão fortes quanto simples. Porque aqui, nessa praça, tudo parece mais vivo.
Ouvem-se vozes conversando. Charlando, como dizem os argentinos. Ouvem-se crianças gritando, porque estão brincando de verdade: com bolas, no parquinho, com carrinhos etc.
Ouve-se a batida seca dos skates queimando energia e obstáculos porque garotos inquietos têm The Doors nos pés, come on baby, light my fire.
Ouve-se o silêncio dos que leem compenetrados, porque barulhos externos não invadem a mágica da leitura de obras que fazem imaginar, pensar, sonhar.
Volto ao calor, nítido nas belas moças tomando sorvete, passeando, namorando. O fogo não se apaga nem na senhora que ao me ver pegar uma parte do jornal, sobre a mesa do café, corre a me dar o resto, porque não queria que eu ficasse sem ler tudo. E as páginas que ela me entrega são justo sobre Clint Eastwood, “o último dos clássicos” segundo este jornal, que aborda seu último filme, que narra, ao que me parece, a vida dos que chegaram perto do fim e sobreviveram.
Fim? Um viajante, mesmo na Buenos Aires trágica dos tangos e do habitual pessimismo portenho, é sempre um dos mais vivos dos seres.
Muitos podem achar esse relato distante de uma viagem emocionante, mas a alma humana não precisa de grandes aventuras para sentir-se maior. Há várias formas de viajar. Mas viajar é sempre mudar o tempo, é colocá-lo em uma outra dimensão. Nada de horários, rotinas e hábitos que teríamos em nossas casas.
Casa? Poderia ser apenas este ritual natural de caminhar, observar, sentir, sentar num banco, pensar, e depois chegar na pousada e bater papos profundos sobre a humanidade com essas guerreiras Martas, mãe e filha, argentinas-brasileiras. Mais precisamente talvez, latinoamericanas. E há ainda o "jovem Evo", o boliviano cheio de atitude e orgulho que trabalha ali sempre com um sorriso e palavras calorosas para os hóspedes que sentem-se irmãos desta imensa América.
Volto à praça, já é de noite, e um ambiente sempre meio pomposo de uma grande igreja é quebrado pela boa e velha maior paixão mundial, o futebol. Só mesmo essa molecada doida por entoar um grito de gol para transformar o hall de entrada desta igreja com jeito de catedral em arco, traves. Sim, os dois “times”, num clássico dois contra dois, driblam e lutam até que um consegue enfiar o pé para fazer o gol na porta da catedral. A blasfêmia para alguma beata carola é apenas a louca e mágica benção da infância.
A infância que parece mais genuína aqui nessa pracinha de classe média também frequentada por pessoas mais humildes que entregam-se a jogar bola em frente ao "campo do Senhor".
Sim, a praça me parece até mais sagrada com seu brincar, sorrir, gritar, namorar, charlar.
A vida deveria ser simples como uma tarde na praça Güemes diante da Iglesia de Nuestra Señora de Guadalupe, uma santa mexicana em terras argentinas. Isto é a América, Marta, a América mais genuína, atrás dos muros dos ianques...

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