quarta-feira, agosto 11, 2010

Onde está a nossa canção?


Não consigo escrever algo relevante nesse blog há um bom tempo, talvez porque não veja há algum tempo as pessoas que gostaria de ver e, com certeza, porque tenho passado mais tempo “conversando” pela tela de um computador do que trocando ideias, gestos e olhares na vida real. Sim, algumas mensagens via micro são realmente belas e importantes, fazem um afago bom no peito, mas seriam mais fortes e marcantes ao vivo.
Não consigo escrever mas sigo lendo feito maluco e mando então um pedaço de um texto vital, do jornalista Bob Herbert, do The New York Times. O cara reflete sobre a overdose de novas tecnologias (celulares cada vez mais avançados, ipods e outros aparelhos, além do vício das redes sociais). O texto é um grande “acorda pra vida”, para que acordemos e passemos menos tempo no micro e mais tempo com as pessoas que fazem ou fizeram parte de nosso coração:
“Há um personagem em uma peça de August Wilson que diz que todo mundo tem uma canção dentro de si e que você corre risco de perder essa canção. Se você perde o contato e esquece como cantá-la, você está sujeito a ficar frustrado e insatisfeito.
Não acho que ficamos em contato com nossas canções ao tuitar ou digitar mensagens em nossos Blackberrys ou acumular amigos no Facebook. Precisamos reduzir os limites de velocidade de nossas vidas e saborear a viagem. Deixe o celular em casa de vez em quando. Tente beijar mais e tuitar menos. E pare de falar tanto.
Ouça.
As outras pessoas também têm o que dizer. Quando elas não dizem, aquele silêncio glorioso dirá mais do que você jamais imaginou. Isso é quando você começará a ouvir a sua canção.
Isso é quando os seus melhores pensamentos aparecerão, e você realmente será você.”


Será que estamos escutando a nossa canção, a nossa essência, como pede o jornalista americano? Ainda conseguimos escutar as batidas do coração nesse redemoinho de centenas de músicas que entopem um ipod sem limites de espaço? Ainda conseguimos conversar de verdade com alguém enquanto disparamos mensagens sem parar no facebook? Ainda conseguimos escrever-sentir algo mais que os 140 caracteres do twitter?
Tenho namorado um livro mágico que vou lendo aos poucos, quando tenho um tempinho de sentar-me ao sol. Trata-se da história de uma menina que está procurando a canção essencial dela, que a define, e ela vai direto ao ponto, mostrando que ipods e toda a tecnologia digital não tem fim, não acabam, podem ser sempre mais e mais preenchidos. Só que a jovem Martina sabe que a vida (e nós mesmos) não é digital, é analógica: tem começo, meio e fim como os velhos discos em vinil.
Lembrem então das experiências mais marcantes de suas vidas, aposto que foram com alguém em especial, com um grupo em especial, num lugar especial, numa ocasião especial. Foram momentos com começo, meio e fim. E cada um foi UM momento, e não vários ao mesmo tempo.
Uma das grandes mágicas da internet e desses celulares cada vez mais parecidos com computadores é que permitem que façamos várias coisas ao mesmo tempo e até que conversemos com vários ao mesmo tempo. O resultado é que não fazemos nada direito ou com envolvimento e não conversamos com ninguém de verdade. Tá, escrever escutando um som é uma coisa (faço isso agora com o bom e velho Lionel Richie, Easy like sunday morning, relax puro, grande soul dos anos 70), mas escrever, escutar um som e ficar acessando as redes sociais (como eu fazia até alguns dias atrás) e email só podem causar uma coisa: falta de foco, ansiedade e produção reduzida.
E, meu Deus, se você não é um jornalista cobrindo um evento na rua, um executivo escravo de sua multinacional ou um jovem revolucionário denunciando a opressão nas ruas, qual o sentido de ter um celular com internet? Não dá pra esperar e dar uma olhadinha no micro do seu trampo ou sua casa? Será que precisa mesmo, em seu momento de paz, no almoço, ou enquanto se desloca, nas ruas, checar o email e as redes sociais?
Sai dessa. Tem pessoas que já estão ficando doentes com a síndrome de acessar emails e checar as redes sociais toda hora. Desliga um pouco, olha as pessoas, fala com elas, escuta os barulhos verdadeiros, sente as coisas pulsarem, acorda. E, por favor, escutem de novo as canções mais belas: as vozes das pessoas que vocês gostam, as vozes e toda a melodia e ritmo de seus gestos e olhares. E a vida é física, meu irmão: um aperto de mão, um abraço, um xingamento com afeto no velho amigo que reencontra, um carinho no rosto de uma garota e um beijo valem mais que duzentas mil horas passadas atrás da tela de um computador. Atrás, nunca dentro, da vida mais bela e real. Como canta o grande poeta e vivente Eddie Vedder, em Black, chame o velho amigo, chame alguém especial e take a walk outside, vá dar uma volta lá fora.
Lá fora. Dentro da emoção e paixão incomparável de realmente viver.
* O vídeo é do inesquecível show do Pearl Jam em São Paulo.

Um comentário:

  1. Perdi minhas canções faz um tempo. Mas talvez ainda haja como recuperá-las, né?!
    Saudade de ler suas palavras. E esse é mais um texto fundamental.
    Beijão.

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