quinta-feira, setembro 01, 2011

A Artista e a História


Não existe prova mais técnica e requintada no atletismo. Nada requer mais habilidade. Poucas modalidades são tão arriscadas e requisitam tanta coragem nos anos de iniciação e aprendizagem. O salto com vara é a prova dos grandes artistas e atletas cerebrais do atletismo, rivalizando um pouco, talvez, só com o salto em altura. É preciso ter força e velocidade na corrida, uma visão de longo alcance para enquadrar a pista, vara e sarrafo, terra e céu. Não é prova para gente ansiosa e desequilibrada, pois é preciso saber a hora exata para lançar a vara e deixá-la em busca do sarrafo celeste. São anos e anos de ajustes finos nos treinos e muita coragem para desafiar alturas inimagináveis e os próprios limites nas competições.
Fabiana Murer superou todas essas etapas e ainda o violento baque de perder uma de suas varas na Olimpíada de Pequim (sumiram com ela, numa falha de organização absurda), perder a concentração e acabar fora do pódio no desafio máximo de seu esporte, o ouro olímpico. Como os pobres de espírito sempre surgem nas derrotas, Fabiana virou motivo de chacota para alguns pela vara desaparecida que arruinou seu sonho em 2008.
Guerreira, porém, ela seguiu lutando e dois anos depois conseguiu o ouro no Mundial Indoor. Uma competição com peso menor, mas valiosa. A consagração estava chegando, e veio esta semana em Daegu, no Mundial, ao ar livre. Igualou a maior marca de sua vida, 4m85, bateu suas maiores rivais, incluindo a lenda Isinbayeva, e colocou o Brasil pela primeira vez no lugar mais alto do pódio num Mundial em ar livre, que é a conquista máxima deste esporte, perdendo apenas para uma Olimpíada.
Além do talento e esforço pessoal - e de uma tranqüilidade sob pressão e concentração rara para uma atleta brasileira, sempre sujeita às emoções intensas que é nossa grande característica - a vitória de Fabiana passa também por alguns homens fundamentais. Seu treinador desde o começo, Élson Miranda, o homem que a formou no salto com vara e a fez evoluir. E também o super treinador desta modalidade, o russo Vitaly Petrov, simplesmente o cara que criou o mito Isinbayeva, e há algum tempo se dedica a ensinar à brasileira o que separa um grande atleta de um campeão mundial e olímpico. A dupla Élson/Petrov é uma ferramenta poderosa para Fabiana lutar pelo pódio olímpico em Londres, ano que vem.
Destaco também nesse histórico feito do salto com vara (e do atletismo brasileiro, pois é nosso primeiro ouro num Mundial), um homem que ajudou a sedimentar o salto com vara no Brasil. Falo do ex-campeão brasileiro e sul-americano várias vezes do salto com vara e um dos primeiros grandes atletas dessa modalidade no Brasil, o grande Renato Bortoloci, que depois se tornaria o inesquecível treinador Bortô. Quem teve a honra de ser seu atleta, como eu fui no E.C. Pinheiros no final dos anos 80, sabe que a paixão, dignidade, caráter e inspiração do Bortô tem um pouquinho de importância na medalha da Fabiana. Vi então nesse ouro um pouquinho do suor e alma do Bortô, que inclusive, se não me engano, foi quem iniciou o Elson Miranda, treinador da Fabiana, no salto com vara.
Campeões do esporte nesse Brasil que nunca fez nada pela massificação do esporte nas escolas e universidades costumam ser super talentos que brilham por conta própria, verdadeiros milagres. Fabiana, por mais genial que seja, não me parece ser esse caso. Parece mais o produto de um trabalho de amor e dedicação feito no salto com vara há algumas décadas. Campeões precisam de tempo e um longo trabalho em suas modalidades por trás, como é o caso do vôlei e judô brasileiro. O resto são promessas estapafúrdias do nosso Comitê Olímpico, que diz que criará um país olímpico sem investir na base do esporte. Que a história do salto com vara no Brasil e de Fabiana sirva de exemplo.

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