sexta-feira, dezembro 14, 2012

Lucas – O menino que não se acovardou



O caso deve ser único no futebol mundial, do jogador já vendido que em vez de se resguardar, passa a jogar com uma coragem e uma determinação maior. Do jovem que em vez de se poupar, sonhando já com a fortuna que fará na Europa, simplesmente não pensa no futuro e apenas se agarra com uma paixão extraordinária, rara, ao clube que o revelou, ao clube que aprendeu a amar. O que Lucas fez neste segundo semestre de 2012 é por isso tudo uma das mais belas histórias de amor de um atleta à camisa que defendia. E imaginem como ele deve ter enfrentado e ignorado a influência de muitas vozes ligadas ao seu staff profissional pessoal - sobretudo seu empresário, velha raposa do mundo da bola – para jogar desse jeito, com algo maior que a já imensa palavra coragem.

Sim, algo mais elevado que coragem foi o que entregou nos gramados esse menino que mesmo vendido passou a partir pra cima com ainda mais vontade pra cima de seus marcadores, e ainda não tirou o pé das divididas, e deu combate recuperando muitas bolas – início de contra-ataques mortais.

Algo mais elevado fez o menino que, diferente de muitas promessas só pra agradar a torcida, típicas das estrelas do futebol, realmente lutou com tudo e mais do que podia por um título. Mais do que podia porque o Lucas antes de ser negociado era já um talento enorme, mas não ainda esse guerreiro de filme medieval a enfrentar no peito, na canela e na raça a fúria e selvageria dos inimigos.

Esse algo que Lucas deixou no gramado do Morumbi e nas arenas sangrentas do Chile e Argentina sob a conivência de árbitros medíocres, foi aquele sentimento quase extinto no futebol, o velho amor à camisa. Não aquele amor da boca pra fora pra seduzir a arquibancada e a mídia, mas um legítimo, nobre e digno sentimento verdadeiro.

Um amor verdadeiro que ele não conseguiu esconder ao ficar um tempão pra deixar o gramado do CT da Barra Funda no seu último treino. Ele simplesmente não queria deixar o campo. Simplesmente não queria ir embora, como transpareceu em mais uma despedida, a sua última entrevista no CT. Ali, emocionado, ele revelava em sua face transparente, sincera, o quanto amava o seu São Paulo. Por isso, quando alguns de seus companheiros invadiram a entrevista, ele não conteve as lágrimas, mesmo em meio à imaturidade e deselegância dos colegas, que em vez de apenas lhe darem um abraço, deram-lhe um banho e alguns tapas na cabeça. Graças que pelo menos o comportamento juvenil (típico de jogadores de futebol brasileiros...) logo virou apenas abraços e um bonito choro coletivo.

Falando em coletivo, em grupo, até nisso o amor enorme e sincero de Lucas pelo São Paulo nesses últimos meses o mudou para melhor. Se antes ele abusava do individualismo e não levantava a cabeça – e por isso o criticamos bastante - a sensação de que sua despedida estava se aproximando o fez olhar mais para os companheiros e ganhar espírito de grupo dentro de campo (fora ele sempre teve esse espírito). Adicionando a isso a mão de Ney Franco em prol desse jogo coletivo (e bem jogando, valorizando a arte e a posse de bola), Lucas cresceu tanto que foi capaz de dar aquela maravilhosa assistência para Osvaldo fazer o gol do título da Sul-Americana.

Isso que é amor: um menino que vira homem e um jogador que escuta, aprende e evolui porque deseja o melhor para o seu clube, para o seu amor.

Um dos amores mais dignos e puros que o futebol e nosso São Paulo já viram. Um amor sem gestos e declarações ensaiadas. Um amor tão apaixonado em campo quanto racional, equilibrado, de um garoto que mesmo tomando mais pancadas que qualquer um de seus companheiros, jamais revidou um pontapé, jamais revidou uma agressão.

Fez isso tudo porque quem ama de verdade não deixa seu amor sozinho.

Obrigado por nos amar com tanta beleza e verdade.

Obrigado por nos reconduzir ao lugar mágico do qual tínhamos tanta saudade.

Obrigado por ajudar a transformar um grupo apático em uma equipe aguerrida e impregnada daquilo intraduzível chamado alma.

A alma de um legítimo fabuloso campeão e ser humano com que você contagiou nosso time até esse título que você nos prometeu e entregou, dentro de campo.

Fica agora um vazio perigoso.

Porque nossa maior arma foi embora e metade do nosso coração.

Que a outra metade, nosso capitão generoso (nobre atitude, repetindo Puyol, de homenagear um companheiro na hora de levantar a taça) semeie na equipe os maravilhosos sentimentos e ações que você nos ensinou nesses meses inesquecíveis.

Adeus, Lucas.

Adeus, Sãopaulino.

(PS – Menção especial ao irmão coragem de Lucas neste São Paulo: Osvaldo. Um jogador pouco badalado, mas que como Lucas nas horas mais difíceis e sangrentas, se agiganta, aparece, enfrenta a carnificina sem reclamar e ainda é capaz de fazer gols maravilhosos, quase impossíveis como aquele toque sutil por cobertura quase sem ângulo do gol que decretou nosso título e enterrou de vez o adversário mais sujo e violento que tivemos em nossa história).

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