sábado, dezembro 06, 2008

O homem sem medo



“O tempo não pára. E a gente ainda passa correndo demais”, esse era o lema de Cazuza. Consumir cada momento feito um louco. Sem freios, sem medo, embriagado pela vida. Com muita paixão: pela música, juventude, noite e, sobretudo, por si mesmo. Foi sim um grande egoísta, abusando do amor e proteção de seus pais. Mas foi preciso ser um egoísta e um ego inflado e inflamado demais por ter consciência de sua garra e genialidade, para escrever e cantar alguns dos mais belos, críticos e poderosos versos – verdadeiros hinos – do rock e de algo maior chamado música brasileira.
Foi esse poeta guerreiro um demolidor de preconceitos e talvez a voz mais corajosa no país naqueles pasmacentos anos 80, embrião da alienação e falta de atitude que formaria a triste nova juventude brasileira dos anos que viriam: a acomodada, consumista e cega “geração coca-cola”, como cantou e criticou outro poeta morto, Renato Russo.
Coca-cola para ele era só para misturar o rum, a vodka, algum outro álcool pesado, e ainda maconha, cocaína e a droga que pintasse. Ou para lavar o estômago e o coração do país podre em que vivia, da elite política e econômica que metia a mão nos bolsos dos brasileiros decentes e trabalhadores [mudou algo hoje?]. “Brasil, mostra tua cara, Quero ver quem paga pra gente ficar assim, Brasil, qual é o teu negócio? o nome do teu sócio?... Não me ofereceram nem um cigarro, fiquei na porta estacionando os carros, não me elegeram chefe de nada, o meu cartão de crédito é uma navalha...”, assim ele detonou na canção Brasil, que virou hino pela redemocratização e limpeza do país. Por que essa canção não entrou no filme, produzido pela Globo?... Algo a ver com “o nome do teu sócio”?
Pena que as drogas e a promiscuidade levaram cedo esse poeta fundamental. Imaginem o que poderia ter feito e cantado mais pela vida vivida com a paixão que ele nos ensinou.
A paixão de um exagerado consciente de que vivemos numa piscina cheia de ratos, cansados de correr na direção contrária, sem pódio de chegada ou beijo de namorada, mas com garra e, sobretudo, coragem. Porque, se você achar que eu tô derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados, porque o tempo não pára...”.
A paixão de quem sabia que era preciso - nesses tempos negros em que nossos heróis já morreram faz tempo, de overdose - combater e denunciar nossos inimigos, os que estão no poder. Pena que hoje, 14 anos depois de sua morte, os heróis dos adolescentes sejam caras vazios que cantam sem dizer nada e estimulam os jovens a consumir aquela mesma coca-cola condenada por Renato e Cazuza. Pelo menos Cazuza não envelheceu para ver todos os belos ideais em que acreditava destruídos. Porque as ideologias de hoje, que nunca estiveram tão fortes, são as mesmas que ele teve peito para condenar – o poder, o dinheiro, a mentira e o consumo.
Porque Cazuza era homem.

Uma lágrima então porque ele era o cara.
Uma lágrima então, porque a vida segue a mesma:
Nas noites de frio é melhor nem nascer / Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
E assim nos tornamos brasileiros... Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro...

Assim segue o povo brasileiro, sem armas – educação, trabalho, dignidade. Sobrevivendo da caridade de quem o detesta.
(17/07/2004)

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