quarta-feira, dezembro 03, 2008

A menina que surfa com os pés



Segundona. Último dia na escola da praia. Na escola e praia que foram minha casa esse ano todo. Na escola que, triste demais, está fechando. Madruguei para surfar antes das aulas. Queria pegar a missa das seis lá dentro, na catedral azul. Netuno se escondeu, e minhas tão presentes companheiras do Itararé simplesmente não estavam lá. Não havia ondas. Na escola também não estava mais presente aquela turma com quem surfei as mais belas ondas da educação com amor. Mas sempre há algum surfista de alma, basta sabemos olhar e sentir, como percebi em minha outra turma. Veio então aquele presente surpreendente, de uma aluna difícil mas tão valiosa. Um bloquinho de notas artesanal feito por crianças humildes. Um pequeno caderno para minhas palavras futuras; feitas em folhas de vontade, embrulhadas em saudade. Valeu, Julia.
Palavras são menores que gestos e olhares. São menores que outro presente inesquecível. Um presente vivo, que seria construído com arte, beleza, alegria e parceria por outra menina. Ana Luiza sempre me chamava pra jogar bola com ela nos mágicos e longos intervalos da Escola Americana de Santos, 30 minutos, mas eu ficava tomando aquele café da manhã gostoso com a moçada da turma mais velha. Mas ontem, no último dia, joguei com ela.
Horas mais tarde, na estrada de volta para Sampa, as imagens e sensações das tabelinhas com a Ana permaneciam como o sal sagrado após uma session de surfe. Como uma onda perfeita que a gente não esquece.
Foram tabelas e mais tabelas. Foram passes com afeto. Foram gols e alegrias sinceras. Foram nossas últimas brincadeiras na escola que foi o lar dela por tantos anos. Na escola que ela aprendeu a amar. Talvez por isso a Ana conheça tão bem cada cantinho daquela quadra. Mas não é por isso que ela joga tão bem. A menina é um talento natural raro. Nasceu para jogar bola. Incrível como parece flutuar pela quadra numa aceleração de bailarina que é jogadora de futebol. Incrível sua objetividade, seu jogo vertical em direção ao gol. E sua humildade ao achar que não joga bem.
Acorda, minha querida aluna e parceria desse jogo tão belo, você é especial também com a bola nos pés. Por isso acredito tanto que seu sonho de jogar bola e estudar fora vai dar certo. Porque ontem eu e você jogamos como se estivéssemos surfando. As ondas nasceram, como mágica, de nossas jogadas, de nossa vontade. Da nossa vontade de partilhar a bola como se estivéssemos lá atrás esperando as ondas mais bonitas.
Obrigado por essa partida que ficará em minha memória talvez para sempre. Como poderia esquecer a minha última onda na EAS?
Vai fundo, artista, você surfa com a bola nos pés.

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