sábado, julho 24, 2010

O povo que é rio e mar (*)


Uma cidade civilizada não se mede por grandes avenidas, inúmeros prédios altíssimos sendo erguidos, carros último tipo e número de shopping centers, todos acabando com qualquer harmonia urbanística, ambiental e humana. Não se mede com obras voltadas mais para os carros - e seus donos egoístas usufruírem dos confortos da modernidade – do que para os pedestres. Não, uma cidade, para mim, é feita de pessoas. Pessoas que caminham. Pessoas que podemos ver e com quem podemos conversar a qualquer momento. Civilização é esta velha, sofrida mas viva Montevidéu. A capital uruguaia onde crianças ainda brincam nas ruas, adultos sentam-se às portas ou sacada de suas casas para papear, olhar ou tomar um mate.
O mate que é um costume sem nada parecido no Brasil (com exceção dos gaúchos, que ainda o praticam, mas em menor frequência): uma cuia com a erva, uma térmica com água quente e a bombinha para sugar o chá que é passada de mão e mão, boca em boca. Mais que isso, o mate convida ao papo, convida à reflexão, é até um verdadeiro manifesto cotidiano pelo encontro e pela amizade.
A Montevidéu onde as moças sentam-se para tomar sol no gramado de seus prédios de frente para a grande Rambla que acompanha o magnífico rio que também é mar, o rio da Prata.
Civilização é sentar-se apoiado no encosto do banco ao fim de tarde, defronte ao rio com vida que funde-se ao mar, aos nossos sonhos e esperanças sem fim. É observar e deixar-se envolver por um dos mais belos entardeceres, o cair do sol de Montevidéu dentro do rio oceânico. Um crepúsculo multicolorido sobre águas profundamente azuis. Um pôr-do-sol que tranquiliza, tonifica e nos recarrega para a vida.
A vida que é completa nessa velha capital com alma de cidade do interior feita de água doce- salgada do rio que é mar e também verde. O verde onipresente de seus grandes parques e em quase toda ruazinha, como se as ruas fossem tubos verdes de árvores dos dois lados com o rio ao fundo. Como se os sábios caminhantes, fossem surfistas urbanos. Talvez sejam, sim, surfistas, todos os que preferem os pés, olhos e alma aos carros que nada veem e sentem. Todos os que surfam cada pedra e pedaço de chão em vez da comodidade em 4 rodas. Comodidade que torna-se cara em um dos únicos traços ruins dessa velha Europa ao sul do Rio Grande do Sul: os caríssimos táxis da cidade.
Mas voltemos às águas do Prata, que carregam em sua doçura ou tempero de sal o próprio povo uruguaio: educado, respeitoso, simpático, tranquilo.
Um povo que me pareceu desprovido do xenofobismo e aversão aos estrangeiros comuns em tantos outros. Uma prova disso é uma característica uruguaia bem parecida ao nosso Brasil: o país é o outra rara nação da da América do Sul que integrou os negros ex-escravos. Acho que não os perseguiu ou colocou no pelotão de frente de guerras como fizeram os argentinos, que exterminaram os negros na Guerra do Paraguai. Em que outro país senão o Brasil podem-se ver negros nas ruas ensinando percussão, soando os tambores, como nos grupos de Candomblé deles, que são versões parecidas com o nosso Olodum?

Montevidéu e seu povo de alma charrua são uma oportunidade única de conhecer uma gente que é exatamente igual à sua bandeira: azul, profundo, sensível; e branco, calmo e com um sol a brilhar. O pacífico ganha raça e vontade guerreira apenas quando a bola rola e vemos a garra e entrega dos uruguaios. Que talvez precisem escapar de um país de dimensões e economia pequena pelo sucesso que só pode ser alcançado brilhando e ganhando melhor em países mais ricos.
Mas a riqueza da bola é apenas parte da riqueza maior: a bela, nobre, fiel e amorosa alma charrua.
A alma de um pequeno grande povo e país.
(*Escrevi e publiquei esse texto em janeiro, na minha única visita ao Uruguai. Foram poucos mas inesquecíveis dias. Posto aqui de novo para homenagear o carinho enorme que tenho recebido de todo o Uruguai pelos textos sobre a seleção de Forlán, Lugano e outros heróis ).

Um comentário:

  1. Oi Zé! Nossa, Montevidéu é mesmo encantadora! Estive por lá apenas duas vezes, mas também tive essa sensação de calma e certa segurança, tranquilidade, tempo que não passa correndo, sorriso e encantamento que vc descreve no texto... não deve ser impressão! hehe beijos!

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