quarta-feira, dezembro 16, 2009

Homens que desabam de montanhas


Greg Long, vencedor do histórico Eddie. Waimea.9/12/09
“... no mar que não nos dá coisa alguma a não ser pancadas e por vezes uma oportunidade de sentirmos nossa própria força”, assim escreveu Joseph Conrad no clássico "Juventude". Sim, ele só sabia do mar como marinheiro e escritor a enfrentar o alto mar, não como surfista. Não compreendia tudo que o oceano poderia oferecer na arrebentação. Mas sobre a força ele tinha razão pois, quando o mar cresce, é atrás de algo maior que encaramos o grito do oceano.
A sexta-feira chuvosa de duas semanas atrás não convidava. Mas sabíamos que elas estariam lá. Elas, as ondas. Mais que isso, algo maior, não só fisicamente falando. Algo chamado Ondas Grandes. Havia desistido, mas no último momento disse ao brother, “vamo lá, se estiver insurfável (nosso pico costuma virar uma maçaroca gigante sem boa formação logo que entram as frentes frias) pelo menos a gente toma umas vacas enormes”, falei. Mal sabia que a brincadeira das vacas seria profética...
Sabadão. Choveu a viagem toda mas ventava fraco, bom sinal para a formação de nossa praia, muito aberta, desprotegida dos ventos fortes. Chegando lá, a chuva também havia parado. Uma leve olhada e, coisa rara, a arrebentação não parecia muito complicada.
Não parecia... A remada foi longa, sem parar, braços, ombros e costas no limite. O brother que tenta voltar à velha forma toma uma série toda na cabeça, mas chega lá.
Chega lá atrás. E tem a visão mágica maior para qualquer amante das ondas e do mar: vê as morras, as montanhas. Sim, para surfistas profissionais seria apenas um bom dia de ondas médias, no máximo dois metros. Para nós era o Himalaia. A cadeia montanhosa toda, pois as séries não paravam de rugir, e cada onda despencava como poucas vezes havia visto em nossa praia: desabava de repente, triângulos projetando-se como a mandíbula de um tubarão dando o bote. As presas eram nós... Mas antes de sermos atacados, fizemos o que qualquer privilegiado duma session poderosa dessa faz: rimos, maravilhados com a fúria e altura das bestas líquidas; rimos especialmente da imensa cortina-spray de água que nos lavava a cabeça das morras arrebentando enquanto escapávamos delas remando mais para o fundo. Ríamos como se orássemos ao grande deus dos mares, ao grande Deus que fez tudo isso. Ríamos em comunhão com o máximo em emoção e beleza que a vida e a natureza podem oferecer. Ríamos de alegria por estarmos lá. Ríamos porque éramos loucos caçadores de uma caça aquém de nossas pranchas. Loucos porque aqueles “rifles” 6´2 mostravam-se pequenos para a magnitude da caça e nossas habilidades de poucos recursos.
Logo um ria do outro...
A primeira montanha me atirou feito faca, horizontalmente, fisgando as costas de um jeito que achei que a session tinha acabado. Sorte que logo a dor passou, só um susto.
A segunda montanha eu descia bem, na emoção do drop vertical, o possível com aquela pranchinha pequena, até que paguei o preço. A pequenina não aguentou a fúria da vaca que logo veio, sendo catapultada feito estilingue comigo, e isso ainda arrebentou a cordinha.
Poderia ter ficado nervoso, mas o amor do surfista por sua prancha faz milagres. Só pensava em como estaria minha menina, minha prancha, que desaparecera e devia estar sendo devorada pela série que explodiu na sequência, sobre ela e minha cabeça. Mas logo passou e pude nadar forte. Em poucos minutos os pés já tatearam a areia, mas ainda não a via.
Mais um pouco e vi a pequena lá na areia, quase fincada na areia.
Mais um pouco e apanhei-a nos braços e, sorte, sem ferimentos em sua face e contornos de fibra.
Caminhando na areia, voltei os olhos para o mar e vi os dois amigos sendo engolidos pela série explodindo forte, mais risadas...
Não tinha alternativa, corri pro carro e bora comprar outra cordinha. Correria e em menos de 20 minutos tava de volta na praia. Passar a arrebentação dura pela segunda vez foi mole, pois a sede de aproveitar aquele marzão de gala torna tudo possível.
Bora então para alguns drops bem-sucedidos e outras série de caldos nervosos pra alegria do brother que ria sem parar.
Rimos mais um bocado, mas não só de sacanagem. Era a alegria pura que as ondas grandes nos proporcionavam. A alegria de experimentar a magnitude da natureza. A alegria de, na grande festa, sermos convidados de honra. Sim, de honra, porque a praia de nosso coração nos prega peças mas sabe também nos oferecer presentes inesquecíveis como algumas ondas que valem semanas todas longe do mar.
Que todos nós lembremos, fora do mar, do desenho mais bonito, o sorriso escancarado em nossas almas quando em sessions de gala.
PS – Enquanto experimentávamos nosso big saturday modesto, Waimea quebrava histórico... Quem sabe surfávamos o último grãozinho do swell havaiano... (risos!)

Um comentário:

  1. Hahahaha e ai Zé blz? Cara, te falar que devo estar com água no ouvido ainda desse dia, put... realmente, esse dia foi demais, nunca tinha visto nossa menina daquele jeito. Estava lembrando do momento em que vc, totalmente maluco, desafiou o barba pedidndo "vamo Barba manda uma ondinha pra nós", não passou 3 minutos entrou a maior série já vista naquela praia haheheaheahea nessa hora eu tive certeza que o barba olhava por nós. É isso ai Zé, valeu pelas vacas e principalmente pelas risadas, que não foram poucas. Abraço. PS-Nunca mais desafia o Barba, acho que ele não gostou muito hehehehehe.

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