terça-feira, novembro 17, 2009

O anjo de Los Angeles


O que pode existir de especial num homem das ruas que toca um violino com apenas duas cordas ao lado do Skid Row (majestoso palco de concertos), em Los Angeles? Muito se quem ouvi-lo for um homem que sabe ouvir. Muito se quem percebê-lo for um jornalista de verdade, aquele que sai às ruas, que vive, que não se esconde em uma profissão facilitada pelos emails e telefonemas, que são a única base, insípida, de muitas matérias.
Mais que um jornalista, Steve Lopez é um caçador de histórias. Por isso ele percebe algo maior naquele homem aparentemente louco de vestes estranhas, que fecha os olhos enquanto toca com alma para quase ninguém. Ou toca talvez para os pássaros ou para os seres alados que são os guardiães da cidade dos anjos.
Steve descobrirá que o louco do violino é um ex-aluno brilhante da prestigiadíssima escola de música clássica Juilliard. Por isso tornará o estranho Nathaniel, na verdade um artista de outro instrumento, o violoncelo, personagem de sua coluna, no L.A. Times. Por isso acabará se envolvendo com ele, tentando ajudá-lo a ser o músico que poderia ter sido. Tentando fazer algo praticamente esquecido na mídia predominantemente informativa de hoje: praticar uma missão e dever esquecido do bom jornalismo do passado: praticar cidadania e, por que não?, humanidade.
O filme O Solista fica longe da perfeição de obras-primas que retratam o mundo da música - como Johnny e June, Ray ou Apenas Uma Vez – mas oferece cenas inesquecíveis. Cenas como o momento em que Nathaniel consegue um violoncelo em ótimo estado, com todas as cordas. Na beira da calçada de um lugar tão cinza e barulhento, vizinho de um túnel e às margens de uma avenida movimentada, o músico voltará a usufruir de um instrumento completo. Isso só poderá resultar em uma coisa: uma música tocada com uma beleza, paixão e necessidade incomparáveis de um homem que não tem quase nada, exceto ela, o único alimento que o mantém vivo: a música. O único alimento que o faz sobreviver à sua doença: a esquizofrenia, mesmo sofrimento já retratado no cinema em Uma mente brilhante, em que Russell Crowe faz o gênio atormentado da Matemática, John Naish.
A bela e triste história de Nathaniel ganha força no único lugar em que ele pode tocar sem medo de ser roubado: um centro de assistência social em que homeless (sem teto) com problemas mentais ou com as drogas vão se alimentar e fazer pequenas terapias; um lugar raro em que ainda podem, com a ajuda de voluntários, lembrar que são seres humanos. É ali que o anjo de asas partidas Nathaniel pega o celo (fica guardado ali, para não ser roubado nas ruas) e leva-os ao alto de novo, ao sonho e alegria que um dia tiveram.
O Solista é importante também para lembrar-nos que a arte que amamos é, muitas vezes, uma arma poderosa contra a solidão, depressão, desencanto e outros problemas. Sim, a arte que salva é talvez a lição maior deste filme. Mais que isso, a paixão pela arte e humanidade que deve ter um grande artista, explode no filme na grande performance de O Solista: o Nathaniel feito com um realismo, alegria e dor tão genuínas por Jamie Foxx, o monstro que já havia brilhado na história de Ray Charles.
Procurem logo esse filme, envolvam-se com ele. Reencontrem, talvez, o lugar e momento em que deixaram as asas para trás. As asas do amor que um dia tiveram por algo essencial, algo feito de arte e amor.

Um comentário:

  1. Gustavo Valentini18 novembro, 2009 11:29

    E aii Zé,
    Vi o triller desse filme domingo passado e como um bom apreciador da música, curti demais e fiquei na expectativa de ver o filme.
    Vale destacar tbm que fazia tempo que não entrava no seu blog, e agora a "cara nova" ta muito boa !
    Nunca falei isso Zé, mas parabéns pelo blog. Sempre que eu entro e leio, termino o comentário sabendo que valeu a pena os 15 minutos que passei intretido nele.
    Abração!!!

    ResponderExcluir