quinta-feira, abril 18, 2013

Um pôr-do-sol infinito chamado Rogério Ceni



 Ninguém se despede de um grande amor lentamente. Só o atleta que chega naquilo que os antigos chamavam de “o ocaso de uma carreira”.


Nenhum grande amor termina de forma tão dolorosa como a do grande ídolo que vai partindo, porque sente que o fim está chegando.

Sente a dor em cada músculo; em cada pé, joelho, ombro e braço que se machuca e não se recupera mais facilmente como antes. Agora a dor demora a partir e o ídolo, grande que é, apaixonado que é, não vai esperar a dor ceder. 

Porque a dor de não jogar será maior perto do fim. Rasgará a alma de quem está cruzando as últimas curvas.

E pesa ainda a responsabilidade de ser amado. O grande ídolo não quer se ausentar em seus últimos momentos, em seus últimos jogos, em seu últimos campeonatos.

Não quer magoar seu grande amor: o distintivo que bate no meio do peito dos que torcem por ele. Um distintivo que é, para o ídolo de verdade, a mesma coisa que o torcedor que o ama com respeito e gratidão.

Por isso é tão duro quando o grande ídolo escuta o burburinho sinistro de algumas críticas que vêm de onde ele menos esperava: daqueles que amava. Daqueles que o amavam.

Nada é mais belo que o amor. Mas nada dói mais que o amor que nos abandona, que não nos ama mais.

Nada é mais duro que jogar-viver machucado e falhar. Porque o ser humano perde o respeito ou desama com facilidade. Não importa a muitos que alguém está lá, no sacrifício, jogando-defendendo por eles. Importa que esse alguém falhou.

Não foi no jogo contra o Strongest, na Bolívia, que Rogério falhou pela primeira vez em um jogo decisivo. Houve outras falhas antes, raríssimas, mas houve. Não foi a primeira vez que ele foi criticado por quem antes só o venerava. O caso é que a crítica, quando perto do fim, costuma ser ainda mais dura, porque vem acompanhada de uma cobrança cruel: “Está na hora de se aposentar”.

Os críticos não ligaram se ele se machucara feio contra o Corinthians.

Os críticos não ligaram para a sua história, tão grandiosa que parece lenda.

Ele ligou. Ele sentiu o baque.

Pior: temeu encerrar a carreira de forma deprimente, eliminado em sua própria casa do campeonato que sempre foi sua paixão eterna como se fosse aquele mesmo garoto sedento de glórias que esperava uma chance para substituir outro grande goleiro, Zétti.

Ocorre que a vida dos grandes personagens costuma não se encerrar de forma melancólica. Ocorre que há algo lá em cima, para os que creem; ou algo que vem do coração energético do mundo, para os céticos, que não aceita que histórias maravilhosas como a deste homem do número 01 às costas acabe desta forma, de repente, como uma bomba que dá chabu ou uma paixão que não se torna amor.

Ocorre que as forças ocultas, mas presentes da humanidade, tecem a vida dos grandes como uma história fantástica, um conto de fadas, uma lenda.

Ocorre que mesmo quando o grande ídolo estava rodeado de um grupo então apático, derrotado, condenado, eis que a sua alma e poder contagiou seus companheiros, e o amor dos milhares que amavam de verdade o seu distintivo também fez a sua parte.

Ocorre que um atacante sem muitos recursos técnicos, mas com uma garra e valentia monumental, disputava cada bola como se sua vida dependesse dela. 

Ocorre que junto desse possuído corria um baixinho que enfrentou todas as privações e dores que significa ser uma criança pobre no Nordeste miserável.

Ocorre que o baixinho que venceu seu destino, Osvaldo, enfiou um passe de mágica para Aloísio.

Ocorre que o atacante sempre possuído como seu apelido, Boi Bandido, matou a bola no peito e preparou-se para marcar, mas foi derrubado. Pênalti.

Ocorre que ele, o homem que se despede lentamente de seu grande amor, começou a caminhar lentamente da sua meta, do seu lar, do seu amor, da sua fortaleza, até a muralha inimiga; a muralha que jamais teve medo de enfrentar porque um dia, revolucionário, decidiu que não apenas evitaria gols, mas os marcaria.

Ocorre que um estádio inteiro, em seu Morumbi, e outros estádios inteiros, no coração de todo são-paulino que não pôde ir ao jogo, cantaram, gritaram e bradaram o seu nome.

Ocorre que enquanto ele se ajeitava para cobrar o pênalti que só ele poderia cobrar, porque só ele teria a coragem de cobrar, o mundo inteiro de sãopaulinos ficou com os olhos cheios e subitamente sem voz ou respiração.

Ocorre que alguns de nós, sim, temíamos pela injustiça dele falhar e ser considerado o responsável por uma despedida que não seria apenas de nosso time, mas dele mesmo.

Ocorre que ele jamais duvidou.

Por isso ele caminhou de novo lentamente para a bola, talvez porque só lentamente que ele e nós poderíamos relembrar tudo o que ele já fez, todas as defesas, todos os gols, todos os títulos, todo o filme ou na verdade, série de filmes que ele viveu em sua carreira tão longa que parecia infinita, ainda parece.

Por isso ele de novo cerrou todos os músculos de sua face antes de, quase parado, bater na bola com a decisão, calma e querer do homem que deseja e precisa falar algo para sua amada pela última vez.

Por isso ele marcou de novo.

Porque um grande amor, como o grito dos radialistas, Rogériooooooooooooooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
... não termina nunca.

3 comentários:

  1. O melhor texto já escrito sobre um ídolo. Os outros torcedores nunca vão entender o que é Rogério Deus Ceni.

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  2. Texto muito, mas muito emocionante.

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  3. Fantástico...
    Perfeito o texto, parabéns!!!

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