quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Os 4 do Pacaembu



Não vou citar seus nomes, nem mostrar seus rostos. Não merecem. Eles, os que perderam uma bela oportunidade de ignorarem seus direitos de consumidor em troca de algo maior: o direito à dignidade e respeito pela dor que tem a família de Kevin Spada e a memória de seu filho.


Eles só pensaram em si mesmos. Eles, que queriam ver o Corinthians porque compraram ingresso, mesmo se o Corinthians, algo monumentalmente maior que eles, não queria que eles vissem o jogo.


Estranha foi então a imagem deles com a camisa do clube vestindo o coração (junto do terno), porque a esmagadora maioria dos outros milhares de corinthianos não brigaram na justiça por “seus direitos”. Prefiro acreditar que esses milhares não tenham entrado na justiça por respeitarem Kevin ou, atitude menos nobre mas ainda correta se pensarmos no amor pelo clube, por não desejarem que o clube tenha uma pena ainda maior.


Portanto, não foi por amor ao Corinthians que vocês protagonizaram este episódio lamentável. Foi por algo que o jornalista Lucio de Castro tentou definir como mais um sinal do “fim dos tempos”. Mesmo dizendo que não é um pessimista, e que tem muita coisa boa também acontecendo por aí, Lucio tentou nomear o que viu nas atitudes dos 4 do Pacaembu:  um individualismo e egoísmo exacerbados. E, pior, Lucio comentou seu mal estar ao ver as cenas dos 4 falando ao telefone, repetidamente, durante o jogo, certamente porque os amigos comentavam “você tá na televisão”... E o veterano jornalista, que já viajou o mundo mostrando como o futebol se confunde com a vida (a série sobre a influência das ditaduras militares no futebol da América do Sul é obra dele) definiu com exatidão o que deve ter movido os 4: mais que a defesa de um direito pessoal como consumidores, eles defenderam seus desejos pessoais, o “eu quero, eu posso”.


Enquanto Lucio mostrava seu desconforto e mal estar moral e humano, a emissora que transmitiu o jogo mostrava em uma reportagem as vozes dos 4 durante o jogo de ontem, quais foram suas reações e gritos. Fez isso sem a menor crítica, como sempre. Mas pelo menos o telespectador que não é idiota pôde perceber a entonação de filme de quinta categoria daqueles gritos patéticos dos 4 (na verdade, falas em tom mais alto) de “aqui tem um bando de loucos, loucos por ti, Corinthians”.


Também estou com Lucio, acredito mesmo que tem muita gente boa e histórias bacanas por aí. Creio no futuro quando percebo o coração e ideais de muitos de meus jovens alunos e ex-alunos . Mas também sinto que a batalha por um mundo mais humano está perdida quando pessoas como esses 4 defendem, única e exclusivamente, os seus desejos pessoais, os seus egos e vaidades enormes ou “direitos”. Sim, vocês têm o direito de afundar, e conseguiram, essa humanidade em parte apodrecida...


Sim, vocês têm o direito de terem pago 217 reais em cada ingresso com desconto que adquiriram como sócios-torcedores.


Só não sei se têm a decência de sentirem-se mal por terem gasto em conjunto mais do que o salário mensal do pai e mãe do Kevin, dado que está na Folha de hoje.


Só não sei se tiveram a decência de lamentar a morte do menino.


Só sei que a decência de homenagearem o menino vocês não tiveram.


PS – Bela, obrigatória e dolorosa a reportagem do veterano Eduardo Ohata na Folha de hoje. O jornalista foi a Cochabamba descobrir quem era Kevin, quem são seus pais e o que fazem (são professores de história), quantos irmãos ele tinha (três, pequenos, de quem Kevin cuidava quando os pais estavam trabalhando), o que ele fazia (era um atleta de várias modalidades na escola, um líder escolar, membro da banda) com que ele sonhava. Parabéns à Folha por nos mostrar que Kevin não era apenas o que sabíamos dele: um adolescente boliviano assassinado por um associado da Gaviões da Fiel. Leia a reportagem aqui: Vazio

Um comentário:

  1. Ainda bem que não fui só eu que senti "vergonha alheia"... Final dos tempos mesmoooo

    ResponderExcluir