quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Nem as chamas podem apagá-la



Foram exatamente da cor desse entardecer os anos da nossa infância e adolescência. Foram também parecidos com a beleza simples afetuosa dessas velhas madeiras vindas de outros séculos. Anos dourados que tiveram a graça de acontecer nesse lugar mágico chamado Fazenda. Um lugar e tempo vivido tão belo que às vezes parece que foi apenas um sonho. Mas foram reais, tão quentes e intensos quanto delicados nos feriados, verões e invernos sem fim que passávamos ali. Sem fim porque cada dia na Fazenda era longo como nossas amizades e farras da mesma magnitude que as antigas picardias estudantis das comédias românticas dos anos 80. Simplesmente não queríamos ir embora, talvez pressentindo que um dia não voltaríamos mais e isso se transformaria em um pequeno vazio no fundo do peito jamais preenchido de novo.


Os dias começavam na madrugada em que ainda estávamos em ação, embalados por paixões juvenis, jogos de guerra em pleno breu (a famosa Bandeira que tentávamos roubar dos exércitos inimigos chefiados por generais loucos entocados como o fantasma incrível hulk da corneta, Lucas e uma certa Ana Lara, ainda uma menina mas insana como uma guerrilheira na selva que surgia de tudo quanto é lugar, até despencando de cima das árvores sobre nós), passeios às margens do lago em que contávamos histórias sinistras nas noites de lua cheia com o assustador copo do lado (o terror só aumentava porque sempre havia um amigo desgarrado pronto para surgir do nada, pulando e gritando sobre a gente, e chutando nosso coração pra boca), e outras peripécias.


Depois vinha o sono, farto em sonhos ou pesadelos divertidos. As meninas ficavam protegidas, mais ou menos, na casa grande junto do tio e da tia. Os homens, naquele templo de insanidades chamado República, entre rituais de poções mágicas embaladas por heavy metal que assustariam até o Ozzy e, claro, intermináveis papos para celebrarmos nossas musas ou para tentarmos entender a mente indecifrável delas que muitas vezes nos tornavam mais tontos e enfeitiçados que os garotos da canção do Leoni. Mas não éramos só nós, os meninos. A emoção e o medo explodiam em escalas estratosféricas pelos trotes maquiavélicos que recebíamos do filho mais velho do pedaço, Joseph Hitchcock Louis, junto de seu não menos assustador parceiro, Sebastian Monster Monteiro. O que esses caras sacaneavam a gente faz os trotes das faculdades parecerem brincadeiras do jardim da infância.


Depois de desabarmos em nossos beliches entre sonhos e pesadelos, vinha a manhã que já começava com o sempre espetacular leite de vaca e pão quentinho. Logo começávamos jornadas olímpicas de muito tênis e vôlei em quadra de areia, que acabavam com um bom mergulho na piscina. Haviam também aqueles que encaravam aquele selvagem e enorme cavalo Malhado, e caíam feio, claro! O almoço era chamado com o velho e grande sino e era a hora sagrada da não menos histórica e saborosa comida caseira de Dona Alzira, especialmente na sobremesa com doce de leite empelotado.


Pausa pro cochilo nas duas redes da sacada (esta com essa maravilhosa vista da foto) ou início dos xavecos homéricos dos mais atirados. Bom, os “mais devagar” como este que vos escreve tinha é que ir tirar uma soneca mesmo.


No meio tarde brigávamos pelas melhores canecas para tomarmos o incomparável leite tirado da vaca na hora, morno, no ponto, enchíamos as canecas orgulhosos como alemães na Oktoberfest. E essas poções diretas das tetas das malhadas repunham nossas forças gastas no esporte e rolês intermináveis pela fazenda.


Fim de tarde era hora de mais esporte ou das aventuras explorando o lago remando num bote amarelo pra lá de judiado. Bote que obviamente afundaria um dia no meio do lago, em pleno inverno e nos obrigou a nadar naquela água tão escura e cheia de lodo quanto o Lago Ness escocês...


O anoitecer nos pegava encarando o banho sempre surpreendente do chuveiro detonado da República: ou era geladão mesmo ou nos dava uns puta choques que os mais loucos até curtiam tomar, fanáticos roqueiros elétricos que todos eram (Graças a Deus eram os anos 80 ainda livres do axé, pagode, pagode universitário e funk carioca).


A noite começava com um lanche parrudo e mais tarde iniciávamos os trabalhos com várias opções: salão de jogos, brincadeiras de guerra ou contação de histórias lá fora, mímicas de filmes na casa grande e, claro, as epopeias dos romeus e suas julietas.


Hoje, mais de 30 anos depois, volta e meia a memória e a saudade me assaltam ao ver essas velhas fotos na parede. Lembro então de pessoas e momentos que não deveríamos esquecer. Lembro de uma grande turma de amigos que não queriam saber de balada ou de conhecer, rapidamente e sem profundidade, outras pessoas. Queríamos era viajar juntos, pra esse verdadeiro templo de uma adolescência que não existe mais, esse nome tão simples quanto mítico, a Fazenda.


Tomara que nossos filhos (sim, ainda vou ter) tenham a chance de experimentar um pouquinho dessa dádiva que é viajar com a turma da escola. Essa mágica que é fazer de nossos colegas, amigos. Amigos do peito. Amigos que queriam e estavam sempre juntos, na cidade. Ou nessa aconchegante, bela e simples casa da Fazenda que não existe mais. Sim, só há pouco descobri que o refúgio de nossos anos dourados foi consumido pelo fogo. Talvez ela se foi por nunca mais ter sido reduto de amigos e amigas que se queriam tanto, como nós nos queríamos.


Pena que além da cinzas daquele lugar, foram também embora as nossas velhas amizades.

Mas, se a vida separa e afasta, ela jamais vai nos tirar as lembranças - verdadeiros presentes e sementes que nos formariam nos anos seguintes – da Fazenda.


Tomara que cada um em seu cantinho, nova família (sim, éramos uma família) e vida ainda, de vez em quando, se lembre disso.


Que saudade, meus velhos amigos. Procurem então um dos nossos hinos daqueles anos loucos e escutem mais uma vez “Tãn nãn nãn nãn nãn!!! ... Aiiiiiiiiiiiii, Aiiiiiiiiiiii, Iron Man!!!”

...

Um comentário:

  1. Zé estas fotos foram tiradas com aquela câmera KODAK "tequinha"??
    Maquina do tempo. Quem diria depois de 30 anos. Enfatizo 30 anos caraca meu.
    Maquina que só viaja no tempo passado. Passado imutável, indelével, INCRIVEL.
    Graças a ele (passado) é que nos garante aqui no presente e nos alimenta para o futuro.
    Zé, tivemos uma bela infância e adolescência. Proporcionada por nossos pais, AMIGOS e a nos mesmos.
    Assim acredito.
    Estas fotos e esta viagem no tempo foi um TESÃO. Faria tudo de novo, outra vez, igualzinho. So estudaria o que deixei de estudar, afinal treis paus foram um pouco traumático.
    Fora isso não mudaria nada no curso da historia.
    Agora, Hoje temos ESPERIENCIA, BAGAGEM, CICATRIZES,TARIMBA ponha o termo que quiser, isso é seu, meu nosso.
    So fazendo uma bela CAGA_A, para destruir com isso.
    Assim meu caro colega, ou melhor AMIGO, utilize suas experiências passadas para melhorar seu cosmos.
    Zé um GRANDE ABRAÇO do seu AMIGO Lucas. Ainda tenho a corneta e de vez em quando infernizo a vizinhança.

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