terça-feira, novembro 01, 2011

Palhaços escondem lágrimas e ensinam a viver


   Pangaré é um jovem palhaço em crise de vocação. Sujeitão tranquilo, pacato e simples demais, pensa que talvez poderia ter outra vida, longe da rotina dura do pequeno circo que comanda interiorzão de Minas Gerais afora. E ele ainda precisa encontrar ânimo e forças para fazer os outros rirem.
O Palhaço, obra tão delicada quanto profunda do diretor e ator principal do filme, Selton Melo, é uma lição de resistência e amor do velho circo. Do circo que praticamente não existe mais neste terceiro milênio em que o respeitável público foi substituído pelo público tecnológico-consumidor, refém das grandes produções cheias de pirotecnias e aparatos modernos como um Cirque du Soleil ou um megashow do U2.
Assistir a esse filme é um reencontro e resgate de uma infância e mundo antigo, que existiram até a última década não escrava dos aparelhinhos eletrônicos, computadores e megaproduções. Ver a trupe de Pangaré rodando estrada, montando a lona e apresentando suas poucas mas intensas personagens, entre palhaços, seres um pouco bizarros e uma belíssima e sedutora bailarina que cospe fogo é deixar entrar a beleza da simplicidade e da ingenuidade perdidas hoje. Numa realidade de hoje em que tantos humoristas – esses falsos palhaços - invadem as TVs e internet com suas piadas debochadas, sujas, agressivas e até mórbidas, os velhos seres de perucas, roupas coloridas e nariz vermelho deste filme são um sopro de pureza e uma viagem no tempo.
Uma viagem profunda pelo coração de Pangaré e todos aqueles que escondem a dor e a tristeza atrás das brincadeiras, essas máscaras contra o rodo e front cotidiano que precisamos encarar.
Sem o riso a vida seria um desperdício, já ensinava o palhaço maior da história, Charles Chaplin e seu inesquecível vagabundo Carlitos. Mas Chaplin mascarava sua dor profunda pessoal com seu mago de chapeuzinho, roupas largas e bengala.
Pangaré não é tão triste como o mito maior, mas deixará a magia e o sacrifício do circo para sondar outras oportunidades da vida. Fora das lonas, das cores e dos artistas que driblam as poucas condições e grana para oferecer um pouquinho de alegria e arte às pessoas humildes, ele perceberá como o circo é um refúgio.
Um belo e amoroso refúgio cheio de amigos guerreiros e sábios simples, e onde está o mestre maior, seu velho pai, também palhaço, um gigantesco Paulo José num daqueles papéis da vida. Herói da arte e da vida, incrível como Paulo consegue domar sua própria doença real, o Mal de Parkinson, para dar a delicada, ampla e justa medida do velho palhaço que nunca titubeou em sua vocação: fazer as crianças e pessoas puras rirem. Esta talvez a lição maior deste filme: a coragem de quem não foge da missão que aprendeu com a única verdade que deveríamos seguir, aquela que arde em nosso coração.
A coragem dos palhaços. O mundo seria muito melhor com a valentia de Pangaré e seu pai, tão distante da covardia dos que apelam, por fama e dinheiro, para fazer os outros rirem apelando aos piores e mais invasivos sentimentos (des)humanos. 
Que saudade já do Pangaré, seus companheiros e do sensacional delegado feito por Moacir Franco, do qual não revelarei detalhes para não estragar a surpresa.
Que saudade dos palhaços de verdade como Pangaré e sua trupe, que não precisavam ridicularizar e invadir os outros para semearem o riso e a alegria.

Um comentário:

  1. Sensação estranha, essa!
    Pode um drama ser engraçado?
    Pode um palhaço chorar? Ou disfarçar pra não chorar?
    No trapézio, que é também sinônimo para vida, ele perde o rumo algumas vezes. Tropeça, cai. Levanta.
    Pinta o rosto. Se esconde e se revela num sorriso.
    Glamour, ele não tem. Nenhum. Pés descalços, terra batida. Roupas e corações maltrapilhos.
    Poético e ingênuo, "O Palhaço" mistura a dura e triste realidade ao mais belo sonho. É doce e tão puro. Nos faz sorrir abobados.
    Mas também provoca uma pitadinha de angústia. Especialmente por nos fazer resgatar nossos próprios sonhos perdidos, engavetados num canto qualquer...
    Filme sensível, delicado. Encantador. Mexeu comigo. De repente lembrei: sou jornalista (?)...
    Paulo José, como sempre: fantástico. Selton Mello maravilhoso.
    Recomendo a todos que se permitam sentir.
    Lindo, lindo, lindo. Do início ao fim.

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