terça-feira, abril 27, 2010

A história de Black Johnny


Meu amigo, Johnny
Irlanda, julho de 2006. Black Johnny é um cara de bem com a vida. Está sempre presente nos melhores shows de rock de Dublin. A cabeleira cor de fogo balança, a garganta grita, as mãos erguem uma inseparável cerveja Guiness e o cara toda hora dá uma parada, pede silêncio e diz em tom solene: “vamos fazer um puta brinde à vida, meus bons amigos!, levantem as mãos!” (let´s make a fuckin´cheers to life, my good friends!, raise your fuckin´ hands!”)
Black Johnny nos parece a exata tradução do clichê de aproveitar cada momento da vida. Impossível não dar aquela risada e acompanhá-lo nas suas exaltações de alta voltagem.
E a loucura elétrica não se restringe aos shows. Sempre que armamos uma boa pelada em um gigantesco parque de Dublin, brigamos para tê-lo no time, pois é garra e alma garantidas a cada dividida. Seus gritos primitivos de lobo das estepes, monstro do Lago Ness (ele não gosta nada dessa comparação, I´m no fuckin´ scottish!, ele reclama) ou uma espécie de Lugano alucinado das ilhas do Norte nos dão mais vontade de jogar. Johnny sabe transformar uma simples pelada em final de Copa do Mundo. E a hora do gol então? A solução é correr dele dando risada, porque o maluco vem correndo e gritando peitando e abraçando todo mundo com uma adrenalina e alegria que quebra os desavisados no meio.
Os monótonos dias em Dublin – as aulas de inglês são bem fraquinhas – transformam-se quando encontramos o maluco nos finais de semana. A sensação de vê-lo e gritar pro lunático, “Fuckin´ Crazy Johnny!”, espanta qualquer monotonia e as nuvens cinzas onipresentes na capital da Irlanda.
“Queria ser tão feliz como o Johnny”, “Queria fazer das coisas mais simples um espetáculo, como ele”... a galera toda, entre brazucas, espanhóis, italianos e sérvios é unânime ao falar de Johnny, o cara que parece o refrão de uma grande canção cantada por milhares de vozes num show inesquecível.
Todos estavam errados. Só acertaram uma coisa: ele era mesmo uma canção, mas com alguns dos versos mais tristes da história do rock.
Descobri um dia em que errei a estação do Dart (o eficiente tremzinho local) e resolvi dar um rolê num velho porto abandonado.
O lugar estava quase deserto e achei ser ideal pra dar um tempo pensando na vida. Digo quase porque escutava ao longe as melodias de um violão. Perseguindo o som, escutei uma voz tão bela quanto triste em cima do ancoradouro mais judiado do lugar. Cheguei mais perto e fiquei espantado. Era Black Johnny, e pela primeira vez não o vi com aquela aura de alegria e eletricidade em volta dele.
Me aproximei, ele percebeu mas não se preocupou em disfarçar nada. Apenas deu uma paradinha, me disse um “pode sentar, meu bom amigo” e voltou a tocar. Entendi aqueles versos puta tristes, “fuckin´ sad” é como ele diria.
Mas Black Johnny não disse. Apenas cantou e o céu mais escuro do mundo parecia nos tocar enquanto ele cantava os últimos versos da canção,
I´m looking to the sky
searching for some light
but i can only find
the black star that falled
from my heart


- Van Morrison?, perguntei.
- Não, meu amigo, too fuckin´ sad para Van Morrison.

- Neil Young?, arrisquei, imaginando a beleza daquela canção na guitarra triste do mestre canadense.
- Errou de novo, meu amigo. É Black Johnny mesmo.
- Você tá me sacaneando, essa puta canção é tua?
- Yeah, Black Johnny´s fuckin´ love song...

Naquela noite, descobri a verdade. Na escuridão daquele porto abandonado descobri enfim o porquê do apelido “Black” acompanhar Johnny. A história passa por um coração arrebentado, repleto de um vazio que transborda e o sufoca, especialmente quando a noite chega e não há ninguém para atravessá-la junto dele.
A história passa por uma menina maravilhosa que o amava e ele dispensou porque se enganou numa paixão infernal. “Big shit, brother, fui fuckin´stupid”, revelou Johnny, que nunca mais se recuperou. “Quando percebi o erro, a primeira menina, o verdadeiro amor, já tinha partido”.
Só não entendi como ele disfarçava isso tão bem, “porra, Johnny, a gente achava que você era o cara mais loucamente feliz do mundo”.
- Tá vendo aquilo ali?
Na noite sem luz eu não enxergava nada, só aquela terrível black star, a estrela negra, da canção dele.
- É, eu sei, não dá pra ver nada, mas você pode escutar. O mar, meu amigo, o mar.
Foi então que ele me contou como o mar lhe manteve vivo todos esses anos.
E como ele exalava felicidade nos sábados e domingos, os dias em que descansava da vida de pescador e... surfista.

- Cara, não há amigo mais fiel, companheiro e levantador de astral. Não há namorada mais bela, afetuosa, intensa e viva. O mar. A onda...; e quando Johnny falou “onda”, uma breve faísca de sorriso esboçou-se em seu rosto.
- O surf salvou minha vida todos esses anos, meu amigo.

Pena que São Paulo não seja pequena como Dublin. Pena que falte um futebolzinho no parque com uma galera sossegada, que só quer jogar por prazer e amor, como meus amigos gringos daquele verão irlandês. Pena que não exista uma rua como aquela (alguém lembra o nome?), cheia de pubs de rock ao vivo em que podemos entrar e sair; cantar, gritar e procurar outras bandas e canções como se a vida fosse um trem em que podemos embarcar e descer onde quisermos; ou um festival de rock sem fim em vários palcos.
Mas, graças a Deus, tenho um amigo chamado mar e uma namorada chamada onda. Pelo menos até que a noite chegue.

Um comentário:

  1. Muito bom, Zé, muuito bom!!!
    Surfing saves lives, my friend, no doubt!
    Abraço,
    Gustavo

    ResponderExcluir