quinta-feira, abril 08, 2010

A culpa é de quem morreu


As chuvas e enchentes que tornaram a sobrevivência (vida é outra coisa) dos paulistanos da periferia e pequenas cidades vizinhas um inferno em janeiro e fevereiro caíram de uma vez só no Rio e engoliram os morros cariocas, ruas e avenidas mais “nobres” e até a Zona Sul, onde a Lagoa transbordou. A contagem dos mortos é chocante. Mais chocante ainda é o descaso e incompetência dos governos, que estavam e estão cansados de saber quais são as áreas de risco. As áreas que eles não olham. As áreas que, quando caem – levando arremedos de casas e vidas – eles, os governantes, botam a culpa nos moradores. “Ah, quem mandou construir em área de risco?” é a acusação covarde contra os agora mortos. Covarde porque quem deveria dar um lar e local decente para o povão - que faz o trabalho mais sujo e pesado em Sampa e no Rio - não dá. E não falo só do governo. Por que as grandes empresas, indústrias ou bancos, que tanto faturam, não tornam-se parceiros do governo para construir casas populares? “Ah, os bancos já financiam casas populares”, dirão os banqueiros, fingindo bondade. Sim, financiam, a juros altos, empobrecendo ainda mais os que sonham com a casa própria. Como bem cutucava Renato Russo, “o sistema é podre, o homem é mau”.Pena que Renato esteja morto faz tempo.
Pena que a crítica que alcançava muita gente na cultura brasileira hoje só existe no rap. No rap que não chega ao ouvido de quem pode fazer alguma coisa, da classe média pra cima.
O Rio e São Paulo (e Angra dos Reis, e Santa Catarina quase toda, e etc e etc) submersos são o reflexo de nossas políticas públicas incompetentes, burras e omissas, como a de São Paulo que está sempre abrindo mais e mais faixas cimentadas, matando o verde que poderia drenar as águas. São reflexo de governos que governam para quem tem dinheiro. Ninguém morre pela chuva nos Jardins e em Ipanema.
Quem morre é o Brasileiro típico. O lutador do dia-a-dia que toma um rodo cotidiano como bem mostrou o Rappa há alguns anos.
Quem morre é o Zelão da antiga canção de Sérgio Ricardo, de 1960, que mostra-se, tristemente, tão atual 50 anos depois:

Todo morro entendeu
quando o Zelão chorou.
Ninguém riu, nem brincou
e era Carnaval.
No fogo de um barracão
só se cozinha ilusão,
restos que a feira deixou
E ainda é pouco só.
Mas, assim mesmo o Zelão
dizia sempre a sorrir
que um pobre ajuda outro pobre
até melhorar.
Choveu, choveu.
A chuva jogou seu barraco no chão,
nem foi possível salvar violão
que acompanhou morro abaixo a canção
das coisas todas que a chuva levou,
pedaços tristes do seu coração


Vejam, meus caros: há 50 anos os Brasileiros já ocupavam os morros porque os governos não se preocupavam com eles.

* A canção de Zelão encontrei num site que mostra o Brasil de verdade, aquele que é produto dos poderosos que não fazem o que deveriam fazer. O Brasil que a grande mídia ignora. O site é esse: http://www.consciencia.net/

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