quinta-feira, março 04, 2010

Uma guia chamada Nazareth


Lembro que quando era garoto gostava de saber que o maior artilheiro da história, o brasileiro Friedenreich e seus 1329 gols, nascera no mesmo dia que eu, 9 de fevereiro. Mas eu nunca havia conhecido alguém que nascera nessa data. Até conhecer Dona Nazareth. Aí eu achei mesmo que o dia 9 era especial. Porque eu também nunca conhecera antes uma avó tão cheia de vida e atitude, tão incansável.
Nazareth era artista e pensadora, vivia pra lá e pra cá aprontando exposições e eventos. Era também uma zelosa e combativa lutadora por algo tão importante e belo chamado História. Por isso ela cuidava tão bem da memória de seu pai, grande mecenas das artes paulistanas e nacionais.
A última imagem que guardo dela tem anos e anos. Ela estava ocupada, incansável como sempre, preparando uma festa. Preparando cada detalhe, dos pratos à decoração, todos os detalhes na sua especialidade de anfitriã perfeita. Mas o que guardo daquele dia era seu sorriso e tempo. Não importa quantas coisas ela fazia, ela sempre tinha tempo para exercer um dos afetos mais puros que conheci na vida. E como era bacana receber um pouquinho dessa atenção quando eu acompanhava um de seus grandes amores, uma de suas netas. E ela não sabia como me sentia bem com uma senhora tão culta e grande artista que demonstrava uma curiosidade pura sobre minha paixão, mero aprendiz que eu era, por uma outra arte, a das palavras. Mas ela era assim, preenchia os espaços e corações com a grandeza de quem se interessa fácil, sem receios, pelos outros.
Ela só não era fácil nas ruas, e me perdoem a brincadeira, mas o monte de netas e netos viviam brincando sobre como Dona Nazareth era um perigo no volante. Nunca soube se era verdade, talvez tinha tido sorte de não ser seu passageiro (hehe), e imaginava que devia ser mesmo um perigo uma motorista que tinha milhares de ideias na cabeça, eventos pra fazer ou prestigiar e ainda um monte de filhas, netas e netos para visitar, aconselhar e acarinhar. Devia ser difícil mesmo se concentrar! Mas se ela guiava mal os carros, Dona Nazareth guiou a Vida com a maestria, beleza e calor humano de uma nobre campeã. Guiou assim a sua vida e a de seus familiares.
Conheci muitos dos abençoados e felizardos “passageiros” de Dona Nazareth, entre meninas e moças – suas netas - e mulheres – suas filhas, e também um jovem e um menino, netos dela. Conheci mães que amavam seus filhos e filhas com sabedoria, dedicação e afeto diários. Conheci meninas completamente felizes e divertidas que iluminavam qualquer ambiente com um bom-humor sem fim, netas saudavelmente malucas e essenciais. Conheci moças batalhadoras, de corações e valores enormes, tão cheias de vida, as netas mais crescidas. Conheci um moleque que simplesmente não parava de rir e aprontar que até hoje, tanto tempo depois, ainda lembro dos acessos hilários dele, seu neto. Conheci um cara que tinha a liberdade dentro do peito e em cima da sua prancha de surfe; seu outro neto.
Conheci seus legítimos e dignos descendentes, por guardarem e semearem, cada um, um pouco dos múltiplos talentos, sentimentos e atitudes de Dona Nazareth, a escultora que construiu os mais belos corações, vivos.
E tenham a certeza que vocês retribuíram bem demais tudo o que ela fez por vocês. Porque souberam amá-la e cuidar dela como merecia.
A todos vocês, obras de arte e afeto vivas feitas um pouquinho por Dona Nazareth, só lembro que não podem parar. Tem que seguir fazendo mil e uma coisas, trabalhos e sonhos. Tem que seguir nazarethiando com o pé lá no fundo do acelerador da vida. Ou vocês acham que o pessoal lá de cima vai ter sossego com as milhares de artes e ações de Dona Nazareth?
Sim, a hora é muito triste, mas lá em cima tem festa no céu, e já tá todo mundo trabalhando para atender os inúmeros detalhes dessa senhora inesquecível.
Muita força a todos e obrigado pelo carinho nazarethiano que sempre me ofereceram,
Zé Guto

* Coloquei essa foto porque penso que poucas metáforas são mais adequadas para Dona Nazareth como uma árvore (tão belos os frutos, vocês) dentro do mar sem fim, cheio de vida, belo e eterno.

Um comentário: