quarta-feira, março 17, 2010

Coração Louco


Um filme que é uma canção, a preencher cada recanto das nossas saudades, lutas e sonhos. Coração louco é a jornada de quem chegou nos lugares mais altos e depois despencou. É também a lição de como é difícil se levantar de novo. E como machuca tentar se reerguer.
Bad Blake é um antigo astro do country que hoje procura trocados metido em sua velha caminhonete, sonhos desfeitos e garrafas atrás de garrafas abertas. Bad – é assim que ele gosta de ser chamado, mesmo sendo um cara do bem e bem-humorado – perdeu quase tudo. A fama, o filho, as mulheres que um dia amou e o respeito próprio. Vive desses shows caça-níqueis e velhos direitos autorais de sucessos antigos.
Bad perdeu tudo. E perde ainda mais a cada dia que afoga suas dores e solidão no seu remédio-veneno que queima a garganta e suas chances, uma inseparável garrafa de whisky.
Bad só não perdeu o talento, mas falta-lhe forças para ralar e criar as belas canções que compunha no passado.
O chão e o álcool só não o engolem de vez porque ainda mantém o espírito e o charme raro de um cantor e compositor de alma. E essa alma faz misérias em seus raros momentos de luz. Essa alma vai cativar uma jovem jornalista que deseja entrevistá-lo. E essa mulher (feita por uma Maggie Gyllenhaal sensível e líquida como uma água purificadora) e o filho dela serão sua inspiração para voltar a compor e acreditar. Não basta apenas sofrer para fazer grandes canções, é preciso amar. Assim Bad voltará a reencontrar a chama perdida, ajudado também por um astro da música que um dia foi seu jovem guitarrista. O jovem é um Colin Farrell tocante no papel de pupilo que não esquece seu mestre, que quer estender a mão a quem lhe deu um caminho tão rico. Pronto: amor + amizade + alma, impossível Bad não voltar ao topo. Impossível se ele já tivesse vencido todos seus demônios. Não venceu. As estradas de Coração Louco são sempre poeirentas e longas como a realidade.
Mergulhem então na arrebatadora interpretação de Jeff Bridges, vencedor do Oscar por esse filme. Todos que já caíram, todos que já erraram e sofreram vão sentir na pele a beleza, dor e esperança de cada canção que Bad-Jeff canta e toca com uma verdade que penetra fundo.
Não há redenção total para Bad. Mas sempre haverá a vitória de sua arte, feita com uma dignidade e coração comoventes.
E sempre haverá, num verdadeiro coração louco, mais uma tentativa. Assim Bad canta em sua nova canção, “Pick up your crazy heart and give it one more try”, pegue seu coração louco e tente mais uma vez.
O bom e velho Raul e todos os que perderam e não desistem assinariam embaixo.

PS Coração Louco é também o resgate de algo raro hoje: música de verdade, que o filme ensina com sua trilha e trama de um country maravilhoso, envolvente, quente e inesquecível como o abraço da mulher amada.
Música de verdade? Em tempos tão vazios e comerciais, Coração Louco é um verdadeiro recital disso, como bem explica o crítico Ronald d´Arcadia
no site Cinema com Rapadura:
“O cenário comercial da música sofreu uma transformação tão grande na última década que realmente parece impossível que verdadeiros ídolos, com sangue nas veias, venham a surgir nos dias de hoje. E é por isso que, por falta de novos heróis genuínos, diversos ícones do passado estão voltando com força, apagando toda a chatice dos anos noventa e ressurgindo consagrados. Bandas como AC/DC, antes esquecidas pelo grande público (às vezes até pelos fãs), voltam triunfantes a este novo mundo de compartilhamento maciço e criatividade escassa. Eles carregam a bandeira do que havia de verdadeiro na música quando surgiram.
O público pode não saber que não há nada de excitante na música de hoje, mas inconscientemente ele pede por algo verdadeiro. Ser criativo e original é uma tarefa difícil. É por isso que estamos vivendo uma época de resgate histórico, olhando para o passado, que mais parece ser o futuro.
“Coração Louco” é um filme de muitas redenções. Redenção de um homem que foi arrastado pela vida sem ao menos escolher o caminho certo que deveria seguir. Redenção para a música country, que reencontra suas verdadeiras origens e motivações, e por aí vai. O mundo da música pode não conseguir gerar mais verdadeiros heróis dos palcos como antigamente, mas com certeza sabe aproveitar o momento certo para lembrar daqueles que ainda estão por aqui, que tiveram Cash, Williams, Waylon e muitos outros como ídolos ou parceiros. Estes sempre terão algo novo a dizer ou mesmo nos lembrar. Bad Blake é um deles, mesmo que na ficção.”

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