sábado, fevereiro 13, 2010

Invictus - O maior capitão


Ele foi preso por ordem do governo africâner - os brancos que mandavam na África do Sul enquanto impunham à grande maioria da população, negra, o terrível regime racista do apartheid. Ficou 30 anos preso numa cela de dois metros quadrados. Para manter a sanidade, além de caminhar durante uma hora nessa jaula e fazer exercícios, controlou sua raiva e passou todo esse tempo pensando em como conquistar a confiança dos carrascos. Nelson Mandela sacrificou seu orgulho e raiva para conduzir seu povo à liberdade. Aprendeu a falar a língua dos ditadores brancos, o africâner, para conhecê-los melhor e manipulá-los. Antes disso estudou profundamente a história dos africâners, porque precisava saber tudo sobre o inimigo. Tudo isso fez na prisão. Foi lá também que percebeu que a grande paixão dos africâners, o rúgbi, seria um elo fundamental para cativar os brancos e levar à África do Sul a uma democracia. Mas esse seria um passo arriscadíssimo, porque o rúgbi, e a seleção nacional sul-africana, os Springbooks, eram simplesmente um dos símbolos do apartheid mais odiados pelos negros. O filme Invictus conta um pedaço dessa história, de como Mandela usou o brutal esporte da bola oval para trazer os brancos para o seu lado e, um de seus milagres, fazer os negros torcerem pelos Springbooks.
Morgan Freeman faz um impecável Mandela no filme, incorporando todo o poder, astúcia e objetividade do animal político que Mandela aprendeu a ser para tentar libertar seu povo e pacificar seu país. Mais que isso, Freeman-Mandela é o grande capitão do sonho de unir seu país. Por isso inspira e cativa tanto aqueles que o conhecem. Por isso ele traz as lideranças brancas para o seu lado, dos mais poderosos políticos e generais (isso o filme não mostra) a “simples” mas amados e idolatrados jogadores de rúgbi como François Pineaar, o capitão dos Springbooks.
Matt Damon encontrou o tom certo para interpretar Pineaar: um líder não tão carismático, mas um capitão respeitado por seus jogadores. Esqueçam a estupidez dos críticos que acusaram Damon de ficar muito aquém da iluminada atuação de Freeman no filme. Ora, essa foi a verdade histórica: Pineaar era apenas o capitão dos Springbooks, e não o líder que enfrentaria o milagre de pacificar a África do Sul sem um banho de sangue entre brancos e negros, sem uma guerra civil. Sim, o filme não mostra que o país esteve à beira de uma guerra civil, planejada por militares brancos, quando Mandela foi libertado.
Por isso que Pineaar era, obviamente, um ser humano de estatura moral, política e intelectual inferior à Mandela. Por isso ele também precisava ser inspirado para realizar outro sonho de Mandela: fazer os Springbooks vencerem a Copa do Mundo de Rúgbi.
O filme mostra então com perfeição como Matt Damon-François Pineaar cresce e se torna mais forte após conhecer o mito, o homem, o líder e o então novo presidente, Nelson Mandela.
Porque todos que conheciam Mandela recebiam um pouco de sua poderosa garra e inspiração.
A garra e inspiração que Mandela soube como sintetizar no poema que aprendeu na prisão. No poema que um dia ele mostra a Pineaar, indicando que eram mensagens como aquela que os Springbooks e a África do Sul deveriam incorporar para vencerem uma Copa e a Vida.
O poema, escrito por William Ernest Henley, chama-se Invictus e traz versos que fizeram Mandela suportar os 30 anos de prisão. Mais que isso, fizeram-no acreditar que nada deteria seu sonho e missão:

"Do fundo desta noite que persiste
A me envolver nessa escuridão - eterna e espessa,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por minha alma inconquistável eu agradeço
... Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.
... o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a porta - eu não desisto,
...Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o capitão da minha alma.”


Pineaar incrustaria em seus companheiros o espírito deste poema - que aprendeu de seu Grande Capitão, Mandela - para conduzir os Springbooks a uma dessas raras conquistas esportivas que transcendem o esporte. E essa façanha é mostrada de forma espetacular, tanto nas estratégias políticas de Mandela-Freeman, como nas cenas tão reais dos jogos da Copa do Mundo de Rúgbi de 1995. Pudera, por trás dessa realidade estava o mais humano e brutalmente real dos cineastas, um certo Clint Eastwood, que dirigiu e acrescentou mais um filme monumental à sua poderosa e vital carreira de cineasta.

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