terça-feira, agosto 25, 2009

As ondas que não vêm


São quase dois meses sem ondas após deixar de dar aulas numa escola da praia. As férias no mato, depois a velha cachorrinha doente (que se foi, dolorosamente) e a volta ao trabalho em Sampa aumentaram a distância do templo de fé, paz, brincadeiras e renovação azul. Alguns furos dos brothers aqui da Babilônia de concreto, que melaram o bate-volta, ou descem nos dias em que não posso, também contribuíram. Talvez nunca tenha ficado tanto tempo longe do mar nesses 20 anos de surf. Para suportar, os treinos na piscina olímpica me emprestam um pouco da terapia líquida, da tão vital água que é o alimento maior de qualquer surfista. Mas piscinas, mesmo sendo um combustível maravilhoso para suportar a loucura da selva urbana, não são mágicas. Não são mar.
Não nos fazem sorrir e vibrar como crianças. O máximo é um leve sorriso que dou, quando o senhor de muitas idades, na raia que desejo dividir, deixa que eu entre mas dá antes um aviso bem-humorado: “isso aqui é raia rápida, hein!”. Só os sábios vividos para nos animar e nos fazer sentir em casa. Por que só eles sorriem para estranhos e ainda brincam para nos deixar à vontade no clube novo? Por que os mais jovens não sorriem? Bom, na verdade, nem olham.
Sim, a alma sente falta do mar, mas pelo menos uma das qualidades que o surf me deu, que é enxergar muito em pequenas coisas, consigo manter mesmo na piscina. Se nas longas ondas dos meus dois picos amados, vejo estradas com retas e curvas sem fim, é bom também fugir do trânsito, do barulho e do trabalho e fugir pra piscina na hora do almoço. É bom chegar lá e também ver uma estrada (tá, menorzinha... mas com um retão azul de respeito) naquele piscinão imenso do clube para onde voltei depois de 20 anos distante. É bom regressar à casa que deixei ainda como um jovem atleta militante, corredor de 800 metros que sonhava com a Olimpíada. Sim, ainda não pude voltar à pista onde treinei e sonhei tanto, o joelho não permite, mas as águas mantém a paixão de acelerar fundo e sentir-me ainda um atleta em busca de algo.
Mas certas horas a saudade do mar é insuportável, como se estivesse longe de uma mulher amada. Para superar, só mesmo escrevendo e buscando novos trampos com raça, sonhando em voltar a ter um bom espaço no jornalismo além da pequena seção que ocupo em uma revista de surf (Mitos, todo mês na Hardcore).
Para suportar essa pele ressecada e pálida, sentindo tanto a falta de sal, sol e passeios ondulatórios, só mesmo um recado como esse, que veio, claro, da cidade e praia onde tive algumas das melhores sessions da vida. Só mesmo vindo da menina com um par de olhões dos mais marinhos que já conheci. Só mesmo vindo daquela que soube tão bem compartilhar outras ondas, feitas de palavras e conversas em uma escola que não existe mais. Mas uma escola onde eu podia dar aulas com a mesma liberdade, alegria e amor que mandava ver nas ondas. A menina da praia escreveu para lembrar que aquelas sessions ainda não foram esquecidas: “esses dias me bateu uma saudade das nossas surfadas semanais, das nossas longas viagens pelos seus textos, dos caldos que nos davam e você sempre ali nos dando apoio”.
Escreveu como a pequenina também fizera. Ela, a pequena que tornava cada texto sobre a pedagogia das ondas um presente, que ela sabia tão bem agradecer. Pois sabia perceber e procurar a beleza de coisas simples como o surf transformado em palavras. Por isso, no meio das aulas, tinha a coragem de dizer que aquilo era bonito. Que aquilo importava.
As saudades não são só de mar, são também desses (as) jovens surfistas em suas pranchas ainda cheias de sonhos da adolescência. São daquelas segundas-feiras em que vivia na contramão gostosa de quem podia surfar sem crowd e ainda educar com liberdade total, coisa que só tive naquela escola. Por isso talvez eu tenha aprendido tanto com aquela molecada. E em que outra escola do mundo havia uma diretora e coordenadora como eu tive, que se orgulhavam de ter um professor surfista cujos textos de surfe elas ainda elogiavam por eu dá-los em sala de aula???
Longe do mar agarro-me então a surfistas como essa menina que está longe apenas fisicamente e a livros poderosos como “O sal na terra”, do português Pedro Adão e Silva (aguardem um post sobre essa pequena obra-prima de surfe literário e filosófico). Hoje, na fila do banco (pra pagar o clube, a piscina...) enquanto aguardava a caixa me chamar, o Pedro me lembrou a poesia profundamente azul de Sofia de Mello Breyner Andresen:
“Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto ao mar”.
O Pedro Adão, na sequência, diz que “a poesia não muda o mundo, nem muito menos faz de nós pessoas melhores. Serve apenas para nos ajudar a viver. E isso, como as ondas que apanhamos no surf, é tudo.”
Agradeço então a moça azul do litoral, que me ajudou a viver nesses últimos dias longe do mar. E, moça, sei que aquelas aulas não voltam mas tenha certeza que a vontade de rever vocês é tão forte como a saudade de mar.
Porque vocês sabem o que é surfar a vida.
E você, pequena, mesmo tão nova já descobriu o segredo da poeta Sophia: "sempre me espantou a beleza das coisas. Sempre me maravilhou, me ajudou a viver. A beleza não é um adorno, é um elemento fundamental da vida e uma necessidade fundamental."

PS – Esse post é dedicado também ao camarada do sul, Gustavo Otto, o irmão que também sofre com o exílio de mar na Joinvile onde trabalha. E ele também tenta matar um pouquinho da saudade dropando belos posts no seu blog tão rico, o Surf4Ever.

5 comentários:

  1. sor, faço de minhas todas as suas palavras.. e estava com saudade de ler os seus textos, mas tudo por aqui anda muito corrido, e não tem dado muito tempo!
    nada do que passamos será esquecido.. levo comigo, os truques que um surfista sabio como voce, nos ensinou! se cuide, beijos

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  2. Zé, mais uma maravilha de texto, é incrível como consegues extrair esse feeling, mesmo estando sem surf há 2 meses. Eu tinha passado por aqui hoje ou ontem, mas o post ainda não estava. Sempre leio tudo por aqui. Obrigado pela dedicatória! Por aqui é um pouco mais ameno, mais perto do mar, estou a 50 km de São Chico e há 170km de Florianópolis. Tenho surfado quase todos os finais de semana, acho que esse ano fiquei, no máximo, 3 semanas sem surfar. Me sinto um felizardo. Espero que consigas fazer um surf o mais breve possível, não deixa esse 2 meses virar 3, zere essa contagem o mais urgente, irmão!
    Grande abraço,
    Gustavo

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  3. Ae zé... vou fazer as palavras do Gustavo (que não o conheço, mas que concordo plenamente) as minhas, não deixe esses 2 meses virarem 3, sabado agora, ainda temos um final do swell que passou por aqui, é a hora de aproveitar e ver o mar... espero que possamos zerar essa contagem, estou no aguardo para o surf... é só dar aquele toque básico, que estaremos em nosso pico, assim que o sol nascer!!! grande abraço... REMO

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  4. Serei rápido em meu comentário. SURFE SÁBADO!! Sei bem como é isso Zé, tmb estou ha quase 2 meses sem ondas, ja ta começando a bater a neura! Abraço

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  5. Texto fudido Zé, o pessoal já disse tudo ai em cima.
    abraço

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