quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Nadal, Federer e uma menina especial


Como tantos outros jovens, ela deixou seu interior tranquilo, Marília, para perseguir seu sonho em São Paulo. Ela treina todos os dias como tantos outros atletas, mas Duda não é uma atleta comum. Os olhões azuis são translúcidos e transparentes como devem ser seus golpes numa bolinha amarela. O sorriso é discreto mas sempre presente. A fala, mansa mas decidida. Já suas palavras, faladas com atitude ou escritas com vontade nas redações pedidas por seu professor, quase sempre exalam algo raro quando se tem apenas 17 anos: a preocupação com os mais nobres valores.
Sim, ela não escreve com a frequência que seu professor pede, devido às muitas viagens para competir, mas quando o faz joga com raça e beleza. A beleza que ela sabe captar no esporte e na vida, ambos a mesma coisa para ela. Por isso, quando lhe perguntei hoje se tinha visto a final do Aberto da Austrália do seu motivo de viver, o tênis, ela tocou direto no essencial: nas lágrimas do derrotado, o grande poeta e gênio suíço da raquete, Roger Federer.
Ela poderia ter falado do jogo físico e mental impressionante do touro espanhol, Rafael Nadal, um cara que extrapolou de novo o conceito do que é ser guerreiro após disputar uma duríssima semifinal de 5 e 15 minutos de batalha e ainda encontrar forças para vencer a final em jogo de quase 4 horas e meia.
Poderia ter falado da inacreditável entrega de Nadal em cada ponto, um caçador incansável de bolas impossíveis.
Poderia ter falado do altíssimo nível técnico de mais uma inesquecível decisão entre os dois fantásticos tenistas.
Poderia ater-se mais ao jogo, à técnica e preparo físico e mental, ao resultado, ao campeão Nadal. Poderia se não estivéssemos falando da jovem tenista e pessoa rara chamada Duda Piai.
O que mais a marcou foram as lágrimas de Federer, que quase não conseguia falar na cerimônia de premiação, abalado com a frustrada tentativa de igualar o recorde de 14 títulos em torneios do Grand Slam, um recorde de Pete Sampras que ele chegou perto de alcançar nesta partida contra Nadal em que perdeu por apertados 3 sets a 2, com uma das derrotas em sets sendo no tie-breaker.
O que a marcou foi também a tão digna reação do justíssimo campeão, um Nadal de apenas 22 anos. O espanhol simplesmente não conseguiu comemorar e vibrar com seu triunfo épico (somando sua performance e luta interminável na semi e final) ao ver Federer chorando. Mais que isso, o garotão mais amado da Espanha ainda fez um depoimento que entrou direto para o rol dos mais nobres da história do esporte:

"Federer estava abalado e para mim era complicado, porque tenho uma excelente relação com ele", afirmou. "Desejo sorte para que ele consiga igualar e superar o recorde de Sampras."Ao consolar o companheiro, Nadal o chamou de "grande campeão" e enalteceu seu comportamento. "Vê-lo expressando seus sentimentos mostra o quanto ele é humano. Isso torna o nosso esporte grande." A confraternização no fim do jogo mereceu elogios do rei Juan Carlos, que telefonou ontem para Nadal. "Parabéns não só pelo partidaço e pela façanha histórica de ser o primeiro espanhol a conquistar o Aberto da Austrália, mas pela grandeza humana mostrada após a partida." (O Estado de S. Paulo, 02/02)

Quantos jovens e adultos hoje sabem valorizar a dor de um derrotado e a grandeza de um campeão que respeita a dor de quem superou?
Nunca vi Duda jogar seu tênis amado e vitorioso (a moça já conquistou inúmeros campeonatos de âmbito estadual e nacional), mas a cada posicionamento desse, parece que estamos vendo-a jogar-viver com o brilho, coração e caráter dos mais admiráveis ídolos do esporte e da vida. Que outro exemplo poderíamos desejar no primeiro dia de aula em Sampa 2009 que essa lição do coração sensível da menina de Marília?
* Veja abaixo a maravilhosa demonstração de grandeza humana de um super-campeão que não esconde sua dor, Federer.

Um comentário:

  1. Era pra eu estar na Chapada. Mas minha viagem deu errado. Fui pra praia uns dias antes e acabei pegando uma insolação. Tive febre, dores horríveis, calafrios e meu corpo ficou ultra vermelho, em carne viva, mesmo (sirí perdia pra mim, haha!).
    Por isso, às vésperas de pegar o avião tive que cancelar tudo, porque, por mais louca que eu seja, não estava em condições físicas de sair de São Paulo e me aventurar pelos cafundós da Bahia, né? Sabe que eu acho que isso foi praga!? Teve gente que, quando soube que eu ia viajar, disse que eu ia me ferrar! Nunca pensei que eu fosse tão amada assim, haha...
    Bom, pelo menos eu pude ler esse texto. Você sabe que eu adoro textos como esse, né, Zé?
    Não tem muito a ver, mas lembrei de uma vez, quando, tentando defender um garoto que seria mandado embora por uma bobagem, desacatei minha antiga chefe. “Você colocaria a mão no fogo por ele?” “Coloco agora... As duas.” Estendi as mãos. E ela perguntou a minha idade. Achei aquela pergunta ridícula, mas respondi que estava com quase 18. Então, ela me olhou com muito ódio e disse: “Você é nova demais. Mas não se preocupe: o mundo ainda vai te ensinar a não se envolver, nem se comover à toa”.
    Acho que ela quis dizer que, conforme o tempo passa, o mundo nos contamina. Nos torna mais egoístas e medrosos. Por isso tem tanta gente que parece amarga, fria, rancorosa. Mas eu acho que isso não é culpa do mundo. Essas pessoas não ficam assim de uma hora pra outra. Sempre foram desse jeito, só que o tempo cuida para que elas não escondam mais sua natureza áspera.
    Acredito que o que carregamos de bonito não pode morrer, por mais duro que seja o mundo. Acho que é por isso que a adolescência me encanta. Porque é nessa fase que descobrimos quem somos e quem seremos no futuro.
    Super linda sua aluna, Zé. A Duda deve ser super humana, amável e transparente. E, espero que o mundo nunca a ensine a ser diferente. Então, muito além dos seus 17 anos, ela vai ser assim desse jeito doce para sempre. Vai manter esses olhões azuis profundos e o coração cheio de sentimentos raros.
    Um beijo.

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