quinta-feira, março 22, 2012

Big Sunday – Ondas iguais à vida


As grandes ondas são parecidas com os relacionamentos ou a solidão humana em seu lado mais triste: a falta de companhia. Às vezes não conseguimos chegar até elas  sozinhos. Falta algo essencial em uma boa aventura marinha: os amigos.
Sábado o mar rugia anunciando o finalzinho do verão e a chegada do outono, o início da temporada de ondas grandes. O oceano chamava para uma daquelas sessions épicas, mas faltou braço e estímulo para varar a arrebentação distante numa maçaroca de ondas já arrebentadas uma atrás da outra. O jeito foi desistir, e com sorte, pegar uma boa e única parede na zona intermediária. Solitária onda que me deixou, porém, frustrado. Sempre ficamos quando não chegamos na porta de entrada da catedral marinha, o outside.
Só o longo passeio, de mãos dadas com a mulher amada, de frente para o mar e sob um pôr-do-sol suave e de belos tons do outono próximo, amenizou um pouco a falta de ondas. Mas o déficit de surfe sempre deixa nosso tanque de vida menos cheio.
De noite, a boa notícia chega pelo celular. Era a mensagem só possível em um amigo fiel, aquele que não precisa conversar antes de anunciar: “amanhã cedo estamos colando aí pra dar uma queda.”
Bem aventurados os que têm um brother assim. Não é preciso combinar nada, não é preciso marcar, ligar pra acertar as coisas. O brother de fé apenas anuncia que está a caminho. E eles sabem que surfar sozinho sempre deixa um vazio e muitas vezes, arruína uma session como a minha do sábado.
E pra melhorar ainda mais, o brother fiel não embaça: ele madruga e chega cedinho. Tava ainda na cama quando o telefone tocou, ele já tava na praia, só pegaria a prancha do outro brother ali num apê próximo.
Ainda com um copo de leite quente na mão escutei a buzina. O irmão, o velho parceiro chegou. Logo estamos passando parafina nas meninas. Logo estamos na praia.
Sim, a cena é furiosa. Netuno ruge firme. O liquidificado gigante do sabadão deu uma diminuída, o mar deu uma acertada, mas a arrebentação segue distante pacas. Sabemos que a remada vai ser insana, até pensamos que não conseguiremos chegar lá atrás, mas não sentimos isso. Porque brothers juntos, de alguma forma, por alguma ligação poderosa, sabem que conseguirão.
A entrada já é dura, a temperatura da água já é a fria da próxima estação. A paisagem toda branca, de um mar de ondas grandes estouradas, é uma dura barreira. A remada é uma odisseia para meu ombro esquerdo lesionado há meses e para a lombar direita também machucada há tempos.
O sal é remédio, a água é terapêutica, os amigos são os guias a me estimular. Eis então que o amigo tranquilo dispara lá na frente, parece ter descoberto uma brecha numa breve pausa da fúria marinha. Percebo a chance, dou um gás. A dificuldade para mergulhar debaixo das bombas estourando vai amainando. Pouco depois encontro a segurança do outside, a zona mágica antes das ondas quebrarem.
Ficamos lá, eu e o amigo tranquilo, quase zen, à espera das séries e do velho brother. Nem sinal dele. Deve estar na zona cega das ondas estourando na cabeça e forçando um recuo natural.
Alguns minutos depois o velho amigo desponta. Rema devagarzinho como se caminhasse num caminho santo com um cajado na mão. O ritmo vagaroso era exaustão e então eu e o brother sossegado demos aquela boa risada meio aliviada e meio sacana, “olha lá o Velho, tá mortinho, remando feito um velhinho”.
Logo éramos os três amigos juntos de novo. Juntos, felizes e orgulhosos de terem vencido a famosa remada-estrada sem fim de nossa praia local, famosa por sempre cobrar um preço caro para nos entregar o paraíso do outside.
Bom, o paraíso pode ter suspiros de inferno: a primeira série cavernosa se aproxima. Em vez de botarmos pra baixo, deixamos as morras passarem e damos risada do tamanho delas e de nossa falta de coragem.
As condições estão difíceis de entrar, perdemos outras séries mas não o bom humor, um sacaneando a remada sem sucesso do outro, encerrando a frase com “ainda bem que você não entrou, ia tomar uma vaca...”
Os amigos juntos logo espantam a apreensão e o receio. Nos dão confiança e a certeza de que olharão por nós.
Logo conseguimos pegar algumas bombas e ficamos mais tranquilos também ao descobrirmos que as ondas não estão desabando, mas sim quebrando aos poucos, permitindo nossos erros sem que nos engulam.
Logo estamos todos renovados e logo esquecemos o tempo. As horas passam e curtimos uma das mais longas sessões dos últimos tempos. E curtimos esse aumento dos laços de amizade que uma session inesquecível sempre produz.
Graças às morras desse fantástico Big Sunday.
Graças à vontade de surfar e viver, juntos, dos Brothers.

Um comentário:

  1. Em primeiro lugar, remando como um velhinho o car...... hehehehehe. Dito isso, realmente a "menina" fez mto charme nesse domingão, como sempre precisamos chegar com jeito, conquistá-la. Essa session foi pra lavar a alma, há tempos que não ia surfar, e principalmente, curtir com os irmãos dentro do nosso templo, bater um papo, dar risada um do outro, zuar que não está presente hahahahaha. Valeu Zé, Velho.

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