segunda-feira, maio 16, 2011

Fé de asfalto


(O videozinho eu afanei da internet só pra mostrar o pico de que falo; não tenho ideia de quem são, os caras vão mais reto, sem manobras, mas a velocidade e o espírito estão lá.)
É fácil aliviar a mente, sentir a liberdade do vento, o vento mais valioso, aquele que produzimos com nosso próprio movimento. É fácil esquecermos da opressão da cidade cada vez mais agressiva, sobretudo nos motoristas em escalada de velocidade e estupidez brutais. É fácil, por incrível que pareça, encontramos silêncio e paz em plena São Paulo. Não deu pra ir à praia? Tá cansado da mesmice do seu clube ou crowd de nossos poucos parques? Tudo o que você precisa é de um skate longboard e uma boa descida sem muito tráfego.
Sabadão cedo caí lá de novo, numa avenida recapeada há poucos anos, tapetão maravilhoso, suave como nossas ondas do mar amadas. Tá, o tráfego existe, mesmo cedo é preciso ter sorte pra descer sem um carro querendo te ultrapassar e atrapalhando as longas e relaxantes curvas, relaxantemente rápidas mas à velocidades não tão perigosas como as ladeiras mais cabreiras.
Inacreditável, porém, o egoísmo dos motoristas em suas máquinas: não podem esperar alguns segundos um skatista; não conseguem ser gentis; não querem.
Tudo bem, eles passam, nos atrapalham, mas o coração do skatista é guerreiro, sempre há uma outra descida, ou é preciso mostramos quem manda: quem vem primeiro. Por isso começo a fazer as curvas sem me importar com a pressa do animal em pleno sábado. Só estendo um braço pra trás, “espera”. Eles que engulam seu individualismo desumano. Eles que matriculem-se num curso de pilotagem ou que descarreguem suas frustrações ou nariz em pé (“sai da minha frente, vagabundo, folgado”, devem pensar em sua grandeza só de imbecilidade...) em Interlagos.
Mas tudo bem, o barato do downhill tosco, o meu, sem muita radicalidade, é que um drop, a velocidade, o vento e algumas manobras gostosas nos fazem esquecer de tudo, até das bestas “racionais”.
E há outra parte tão valiosa e gostosa quanto o voo asfalto abaixo: a subida até a plataforma de lançamento. Sim, muitos perdem essa parte, preferem pegar carona com um carro subindo. Eu, como odeio coisas não-naturais como um motor e sua fumaça quando faço esporte, prefiro subir com meus pés.
Melhor ainda, subo pela tranquila e bela, toda arborizada, avenida paralela. Tranquila porque é fechada na parte de baixo para eles, os carros. E há mais beleza ainda na radical e acentuada inclinação desta via, verdadeira montanha. A subida é então uma escalada. Dura, exige pernas, fôlego, mas a ascensão, no meio do silencio e verde, é quase espiritual. Sinto-me caminhando numa grande catedral que é toda montanha. Catedral de nossa paz interior. Uma paz que renova e nos torna melhores ao nos abrir os olhos e coração para algo tão simples e rico quanto escalar e depois descer.
Quantos têm ou agarram essa oportunidade? Descer brincando e tecendo telas imaginárias no asfalto; e depois desacelerar com a subida que é quase uma reza e um profundo disparador de reflexões?
Algo simplório demais? Exatamente. A simplicidade esconde os mais belos e profundos atos como o skate downhill. E encontram-se até brothers de session, como o Dudu, parceiro desta sábadão, outro paulistano que parou por ali para descarregar toda a tensão da semana que passou. E em dois, um descendo em seguida do outro num breve intervalo, é mais fácil fazermos os carros nos esperar pois, por mais que a imbecilidade reine por trás de um volante, eles pensam melhor: atropelar dois caras de uma só vez é algo que faz até os idiotas pensarem um pouco.
Aquele abraço e desculpas por não atualizar o blog há tanto tempo, os trabalhos não permitiram, mas vou tentar encontrar um pouquinho.
Saudações especiais ao motorista de ônibus que desceu devagarinho atrás da gente, a maior demonstração de respeito e civilidade desta session.

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