quarta-feira, janeiro 27, 2010

Muito além do outside


A vida separa, afasta. Endurece o coração dos homens. Grandes amigos tornam-se nomes perdidos em um passado longínquo. Por mais que lembremos com alegria e saudade dos tempos em que éramos não apenas amigos, mas parceiros, irmãos da vida, o tempo e a distância aniquilam os velhos afetos e afinidades. A amizade acaba, e isso, para os mais emocionais, é uma marca que não cicatriza. Porque tem caras que simplesmente não conseguem esquecer.
Era uma vez um louco jornalista cabeludo de bem com a vida que tinha o raro dom de não apenas rir, mas gargalhar seguidas vezes num dia de trabalho. Um cara que pulverizava nossos problemas com seu inesgotável estoque de bom humor e alto astral. Um cara que nos fazia crer, em pleno local de trabalho, que estávamos em qualquer lugar, menos num escritório. E isso sem deixar de ser um excelente profissional, naquele saudoso site (Camerasurf) que ajudamos a tornar o número 1 da época. Um profissional que botava pra baixo filmando e editando vídeos pioneiros de surfe com alma na grande rede. Um profissional que sabia zoar, nas pausas do trabalho, resgatando os meninos que um dia fomos. Os meninos que não deveríamos abandonar jamais.
Era uma vez um jornalista menos descontraído que o Mister Alto Astral que citei antes. Um baixinho mais sério mas com um dom gigantesco: o de fazer cada papo ser um mergulho profundo nas pessoas e sentimentos mais importantes: as pessoas e sentimentos que a mídia e a sociedade parecem ignorar. Talvez porque esse cara quase zen preze o fundamental: valorizar as pequenas grandes coisas da vida. Talvez por isso ele preze algo tão fora de moda nesses tempos em que tantos preferem os papos e reuniões virtuais, para agilizarem e desumanizarem suas vidas: esse cara de sangue nas veias e alma prefere a conversa ao vivo dando um rolê pelas ruas. Pelas ruas onde lembramos que a vida é muito mais ampla e bela que as paredes, formalidades e pose dos escritórios e seus mandatários.
Era uma vez esses dois brothers que fizeram faculdade juntos e foram amigos por um bom tempo.
Era uma vez os dois melhores companheiros de trabalho que já tive na vida. Dois parceiros inesquecíveis que gostaria de ter tido não só como compadres de trabalhos com surfe, mas como amigos. Mas se isso não rolou, eles souberam ser - durante os trampos - meus amigos de fé, irmãos camaradas. Souberam compartilhar as alegrias e também dar aquela força nos momentos mais difíceis, quando as mulheres especiais iam embora. Souberam demonstrar com sinceridade a arte de se importar com o camarada. Souberam ter um tempinho para um rolê e um papo vital regado a um cafezinho ou uma cerveja.
O caso é que o velho brother do Camerasurf, o Daniel Caretonni, partiu há muitos anos, para tentar a vida por algum tempo na Califórnia e jamais voltou.
O caso é que ele mudou, e depois de anos, quando o encontramos de novo, não parecia mais aquele Mister Alegria. Estava mais contido, discreto. Por isso, o meu outro brother de trampos surfísticos, já de anos na revista Hardcore, sentiu essa diferença e, como eu, ficava um pouco chateado. Mas como Dudu Stryjer é daqueles caras que não esquece um amigo de verdade, ele sonhava reencontrar o brother para recuperarem um pouco a cumplicidade do passado. Por isso, quando programou suas férias junto da esposa para o último final de ano, marcou uma visita ao velho amigo Daniel cheio de dúvidas.
Esta semana reencontrei o Dudu. Depois das obrigações do escritório, na rua (só podia ser né, meu velho), quando ele começou a falar da sua viagem, não falou das belezas do Havaí ou da Califórnia. Falou primeiro de como o Daniel lhe recebeu tão bem, de como lhe convidou à sua casa para um jantarzão e depois o fez conhecer seu trampo, de como caíram no mar juntos, de como, mesmo os dois já casados e com vida nova, ainda exerceram um pouco o afeto e cumplicidade dos velhos tempos.
Graças à raça e determinação do Dudu, me parece que um elo foi restabelecido com o velho brother das ondas e da vida. Sim, porque se tem um cara que sabe o que essa palavra, brother, significa, muito além do surfe, esse cara é o Stryjer.
Sim, não sabíamos o que esperar do Daniel, mas talvez ele só tenha amadurecido demais, e sofrido na sempre dura adaptação a um país de povo mais frio que o nosso Brasa. Talvez não haja mais espaço nele para as brincadeiras que a gente armava no bom e velho Camerasurf (kick boxing com micros quebrados; gangorra na boa com o cachorro do dono, grande Taj!; petelecos, tapas e sustos a todo momento, especialmente na cabeça de outro parceiro, o mineiro Fabinho; gritos a la Capitão Caverna e a mais louca e enlameada cobertura de surf da história, aquele Mundial de Longboard de Saquarema movido a Metallica na veia, na Saquá em que transformamos em luvas de boxe os ventiladores daquela pousada precária em que nos enfiaram...). Talvez seja esse quem escreve apenas um quarentão inconsequente e imaturo que sente saudade de tanta confusão.
Mas chega de talvez e falemos em certezas. E a certeza maior é a convicção do Dudu de que não tem essa de tempo ou distância, ou casou e mudou: nunca devemos perder contato com nossos amigos de coração.
Por isso que anos e anos depois da primeira trip de Daniel e Dudu juntos, pra Costa Rica, eles compartilharam de novo o pico nesse janeiro de 2010 nas geladas águas de Santa Cruz, Califórnia. Geladas só nas ondas, porque o calor que rolou nessa session dava pra aquecer a Califa toda.
Friends will be friends, já cantava o Queen.
Brothers de verdade não esquecem isso.
PS - Ae, Daniel, será que já arrumaram aquele vidro da janela que eu não enxerguei da casinha do site??? hahaha

Tantos anos depois, o sorriso sincero da dupla diz tudo

3 comentários:

  1. eduardo stryjer17 março, 2010 18:04

    Grande brother Zé! Preciso confessar que de vez em sempre caio nesta página para ler mais uma vez este belo texto sobre um tal de Dudu e Daniel (risos). Cara, as suas palavras penetram na alma na mesma intensidade que as porradas de Ali. Difícil aguentar sem se emocionar... Parabéns meu amigo, você realmente tem o dom da escrita. Forte abraço do seu brother, Stryjer.

    ResponderExcluir
  2. MISTER ALEGRIA

    Boca rasgada num sorriso constante
    Olvidando da vida as poluições
    Segue puríssima sua nascente
    Mostrando dos deuses as lindas mansões
    ***
    Lá vem de dia Mister Alegria
    Do baixo astral da noite é açoite
    Sempre brincando, tudo é folia
    Espaço não dá se o mal vem afoito
    ***
    Assim podemos todos também ser
    Ao valorizar o momento do pensar
    Na escolha diária do bem por fazer
    ***
    Xenon, o Mentalista

    ResponderExcluir
  3. E ai Zé como é que vai a vida meu irmão.
    Caramba esse texto é muito foda. Não sei quando volto para o Brasil. Sempre na vida atribulada na terra do tio sam.
    Meus pais vieram para ca e me trouxeram duas das minhas reliqueas seus dois livros.

    Brother manda um email entra no meu site www.dc24fps.com

    Grande abraço

    Daniel

    ResponderExcluir