“Respeitamos o passado
e as conquistas de Felipão e Parreira, mas precisamos pensar no presente e no
futuro”, foram mais ou menos essas as palavras do jornalista Lucio de
Castro hoje na ESPN Brasil. Exato. Felipão foi o comandante do Penta, é uma
figura querida, um grande motivador e fez também um belo trabalho em Portugal.
Tornou uma seleção de quem ninguém tinha medo em uma das potências europeias e
mundiais na metade dos anos 2000. Parreira orquestrou o Tetra e também teve um
currículo notável. Mas ambos há muito que deixaram de ser sinônimo de bons
trabalhos.
A escolha dos vitoriosos mas ultrapassados treinadores de
nossos dois últimos títulos mundiais matou uma chance única do futebol
brasileiro reencontrar-se consigo mesmo. Perdemos a chance não só de resgatar a
essência da bola brasilis – a arte do toque de bola com posse, tabelinhas,
dribles, passes verticais, arriscados e pressão pra cima do adversário que
estava no DNA, por exemplo, dos tricampeões de 70 ou nos artistas de 82 – como
de recuperar o amor de encarnar a amarelinha.
Como um estrangeiro iria recuperar esse amor? Apaixonado
pelo futebol bem jogado e pelos maiores da história do jogo bonito, Guardiola é
também um mestre forjador de homens sérios, dedicados e dignos. Não é possível,
por exemplo, lembrar de um só barraco, caso de estrelismo, orgia, falta de
esportividade, violência ou qualquer outro tipo de jogo sujo nas versões do
Barcelona que ele dirigiu. Aliás, foi por alguns desses vícios que logo que ele
assumiu o Barça se livrou de Deco e Ronaldinho Gaúcho. O máximo de problemas do
treinador foram rusgas com Eto´ e Ibrahimovic, mas ambos são egos enormes e não
criaram problema só com Pep.
Fala-se tanto na talvez qualidade maior de Felipão – a tal
família que criou em 2002 – mas por que não se pensou que Pep poderia criar o
mesmo, e com ainda mais força e comprometimento por várias qualidades que ele
exibiu como a de ser um mago do vestiário cheio de craques para poucas vagas no
Camp Nou? E a estatura humana e profissional de Pep, elegante, articulado,
determinado a conquistar e ganhar tudo, como ganhou? E a sua rara qualidade de
valorizar tanto as pratas da casa? Aqui uma das críticas mais sem fundamento
dos que não o queriam no Brasil: que ele não conhece os jogadores e o futebol
brasileiro. Erro crasso. Em primeiro lugar, ele já enfrentou como treinador ou
teve ao lado a maioria dos selecionáveis de hoje. Em segundo lugar, como um
maníaco garimpeiro, um apaixonado em descobrir novos talentos que ele sempre
foi, por que ele não poderia fazer o que fez o argentino Rubem Magnano com o
nosso basquete?
Para quem não sabe, Magnano viajou o Brasil todo para
conhecer os destaques das categorias de base (os nomes mais famosos, Varejão,
Leandrinho, Nenê, Splitter ele já conhecia da NBA ou por tê-los enfrentado com
a Argentina) de nossa bola laranja. Meu aluno, seleção sub-17 e sub-20, Gabriel
Zanini, cansou de me contar, olhos brilhando, que o argentino tinha aparecido
no treino ou jogo dele. Eu mesmo vi o bigode hermano nas arquibancadas do
ginásio do Pinheiros observando a molecada das inferiores ou os já adultos, mas
novatos do NBB.
Guardiola visitaria a base de nossas seleções e maiores
clubes com prazer, com garra, com sua paixão e olho clínico para descobrir o
jovem realmente talentoso. Alguém viu algum grosso jogar com ele no Barça? “Ah,
mas ele tinha a fábrica de La Masía, a escolinha do Barça, ao seu dispor”. Ué,
mas por que foi com Guardiola que os meninos da escolinha mais subiram para o
time principal? E por que foi com ele que Xavi e Iniesta se transformaram em
monstros da bola? E alguém viu o Dunga, o Mano visitando a base de nossos
clubes ou passando um bom tempo em Teresópolis com nossas seleções-sub? Alguém
acha que o Felipão vai botar o pé na estrada Brasil afora? Aliás, quantos jovens
o Felipão lançou nas equipes que comandou? Raríssimos, pois sempre preferiu os
medalhões aos “guris”. E lembremos que os melhores do Brasil hoje são todos
muito jovens, mas claro que o presidente da CBF não pensou nisso.
O caso é que a retrógrada, conservadora e ditatorial CBF
jamais aceitaria conviver com um treinador moderno e ainda afeito a “essas bobagens”
de ensinar não só futebol mas valores. Valores para esse pessoal que manda e
desmanda no futebol brasileiro são apenas monetários. Calma, sei que alguns vão
falar que “valores é besteira, que jogador tem que ser malandro, que bom
caráter não ganha título e sim bola no pé etc etc”. Uhn, quantos malandros
jogavam no Barça de Guardiola? Quantos jogam na Espanha campeã de tudo?
Outro erro é o velho imediatismo de achar que deve-se pensar
apenas na próxima Copa em vez de mudar e melhorar o modelo técnico do futebol
brasileiro. Que jogar bonito que nada, Marin e Del Nero querem é vencer a Copa
com um treinador pragmático como eles. Querem é um time amarradinho lá atrás, que
vença sempre de 1x0 e pronto. Só esquecem que não há mais o fenômeno Ronaldo e
o gênio, sim, Rivaldo, nem os superatletas Cafu e Roberto Carlos, nem
Ronaldinho antes do desbunde, nem a segurança e carisma inigualável de São
Marcos.
Só esquecem que Felipão e especialmente Parreira venceram Copas
com níveis técnicos dos mais baixos da história. Simplesmente não havia grandes
seleções rivais em 94 e 2002, tampouco nenhum grande craque estrangeiro em
forma. Bastou, por exemplo, um Zidane de novo em forma, em 2006, que ele
sozinho acabou com o Brasil de Parreira num dos maiores bailes da história das
Copas. A quantidade de dribles desconcertantes e humilhantes que o já veterano
Zizou aplicou em nossos jogadores é coisa sem igual na história do futebol. Nem
Garrincha entortou tanta gente num só jogo de Copa.
“Ah, mas Felipão é um vencedor, ganhou a Copa e depois foi
brilhar em Portugal”. Sim, até o mesmo Zizou acabar com os patrícios em 2006,
depois de despachar o Brasil. E lembremos da belíssima campanha na Euro 2004 em
que uniu a terrinha toda, mas depois perdeu a final em casa, para a... a Grécia...
E depois só vieram fiascos históricos como enfiar o Palmeiras na 2ª divisão
(Copa do Brasil, torneio disputado sem os melhores times do Brasil, não é
parâmetro; assim como não é parâmetro técnico elevado vencer uma Copa Sul-Americana, também sem boa parte dos
melhores times não só do Brasil, mas da Argentina, Uruguai etc).
Pra piorar, Felipão já disse mais de uma vez não gostar do
“joguinho chato” dos espanhóis.
Pior para ele, que deverá engolir o mesmo veneno que afogou
Muricy.
Pior para a gente, que engoliremos não só Felipão mas
Parreira. Nada contra a experiência (Don Vicente Del Bosque a provar que a
rodagem pode ser bela e sábia na maravilhosa Espanha que ganha tudo há anos),
mas tudo contra ela quando é sinônimo de dois homens acomodados na fama e no
passado.
Não serão os ridículos e hipócritas apelos patrióticos de um
filhote da ditadura militar e eterno fantasma obscuro da política nacional, o presidente Marin,
proferidos hoje na coletiva de apresentação, que tornarão Felipão e Parreira
vencedores de novo. Além do mais porque futebol não é guerra e o brasileiro -
que se distanciou muito da amarelinha desde os fiascos dos desbundados e farristas
de 2006 e dos guerreiros destemperados ou mal humorados de 2010 – tem o
direito, sim, de não torcer por uma seleção que não representa mais o que ele
acredita.
Guardiola poderia nos fazer acreditar de novo. Saberia escolher
os nomes certos e, sobretudo, priorizaria os jogadores mais hábeis e virtuosos
e, claro, um estilo ultra ofensivo e tomando conta da bola como era o nosso
futebol do passado.
Felipão? PVC, na ESPN, ontem, fez uma projeção sinistra de
como poderia ficar do meio para a frente com ele: Ralf, Felipe Melo, Paulinho e
Ramires. Neymar e um centroavante alto e/ou forte (Hulk ou o já bem mediano em
2010, Luis Fabiano). Quatro volantes. Meias talentosos, criadores e verticais?,
fora. Lucas fora (um novo Denilson, arma só pro 2º tempo?). Pobre Neymar,
isolado ao Deus dará. Claro que Paulinho e Ramires poderiam ser titulares com
Guardiola, mas eles teriam mais cérebro e muito mais criação ao lado deles.
Pobre também da descuidada avaliação dos que torceram contra
Guardiola, entre outros motivos por acharem que era apenas um lobby de parte da
mídia esportiva como o jornal Lance. O lobby veio é da sempre nefasta CBF e de
outra mídia historicamente parceira dos cappos do futebol brasileiro.
O que os apaixonados jornalistas do Lance – uma das raras mídia
independentes deste país – queriam era apenas o futebol e o futuro muito melhor
que viria com o cidadão catalão, espanhol e mundial á frente de tudo.
Finalmente, outro descuido e falta de reflexão: “Ganhamos cinco Copas com brasileiros no comando”. Ora, perdemos outras
várias com brasileiros no comando também. Não querer um estrangeiro, em tempos
mais que globalizados é bairrismo, medo, ignorância ou o tal do patriotismo
guerreiro do Dunga ou, mais enviesado e autoritário, do Marin?“Se quisermos hoje
evoluir tecnicamente e, principalmente, taticamente, já que ficamos para trás,
o negócio não é investir para trazer jogadores estrangeiros (nos clubes
brasileiros), e sim treinadores para os nossos clubes! O caminho hoje é inverso
e temos de ter a humildade de reconhecer que não somos mais os melhores do
mundo”, escreveu Benjamin Back hoje no Lance.
A humildade reconhecida com grandeza
por Neymar assim que acabou o jogo em seu time foi humilhado por Messi, pela máquina
espanhola e pelo maestro Pep. Já esqueceram o que o santista disse? “Hoje eu
aprendi o que é futebol. Levamos um baile.”
O baile que deverá prosseguir em 2014, pois a Espanha está
anos luz a nossa frente, a Argentina tem Messi e uma seleção cada vez mais
acertada, a Alemanha é forte (e joga com arte, até ela, a antes sisuda senhora
germânica!) e, incrível, temos ainda uma Itália em que o corajoso Cesare
Prandellli sacou os brucutus e colocou só homens que sabem jogar no meio-campo.
O Brasil? Ora, “o Brasil parou no tempo e joga o mesmo futebol pragmático de
dez, quinze anos atrás, que não funciona mais”, afirmou uma das lendas da bola
mundial, o alemão Paul Breitner.
Perdemos a chance de trazer o melhor treinador do planeta e
um dos maiores da história do futebol. E, santa burrice, Batman!, perdemos o
mestre que estava, vejam só, louco para trabalhar com a gente! PVC de novo,
preciso: “É inadmissível que a CBF não tenha nem conversado com Guardiola, nem
discutido suas ideias, nada.”
Ah, desculpem, esqueci, “precisamos ser patriotas!”,
berrou Marin hoje, deixando o próprio Felipão, que brilhou tanto em Portugal,
visivelmente constrangido. Aliás, aos que veementemente lançaram a grita de que
não precisamos de estrangeiros, o contrário pode? Felipão ter treinado a
seleção portuguesa pode, mas Guardiola treinar a nossa, não pode? Qual a lógica
desse patriotismo? Simplesmente não há. Esse patriotismo é apenas falta
de humildade para reconhecer que não temos os melhores treinadores e jogadores
do mundo faz tempo. Falta de humildade que não rendeu nenhum convite, por
exemplo, ao ótimo e outro defensor do toque de bola, o chileno Jorge Sanpaioli,
da La U, para treinar um clube brasileiro.
Mais um dia triste para o futebol brasileiro, que terá
repercussões negativas por anos e anos.
Sim, Felipão, pode até trazer o hexa (difícil, não teremos
mais as babas de 2002), mas não trará o futebol brasileiro de volta.
Mas “vamo que vamo!” que a nossa patriótica cerveja preferida,
depois do “somos guerreiros!”, agora revela e grita que “vai ser tudo festa!,
não importa que tá tudo atrasado e super faturado!, o importante é a festa!”. E
vamo que vamo, Marin!, “Pra frente, Brasil!, Salve a Seleção!”.
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