Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
A última canção e as últimas perguntas são sempre as mais duras.
Partir, para eles, é sempre duro.Ficar, para mim, é sempre duro.
Sim, fico feliz por perceber como eles e elas cresceram. E como ganharão o mundo. Mas a gente, o suposto adulto mais maduro, não está preparado para certas perguntas:
“Como será a minha vida a partir do ano que vem, sem suas músicas, seus textos, suas palavras e abraços?”, assim ela perguntou na última redação.
Não sei.
Não sei, sobretudo, como será a minha vida sem seu sorriso preguiçoso das 7 da manhã. Sem seu olhar indecifrável (nunca descobri se era sono, um “não tô entendendo nada” ou “pode falar que eu tô pensando fundo” hehe).
Sem seu abraço, tão forte e sincero, que reunia cada pedacinho dolorido e colava o mais partido dos homens.
De repente estavam todos vocês escrevendo.
De repente eu queria que suas folhas de papel não terminassem nunca.De repente acabou.
De repente eu li:
“Você me ajudou a melhorar, a mudar”
Vai, garoto, sempre em frente!
De repente minha cachorrinha cega largou o sofá lá de baixo e apareceu aqui em cima pra ficar comigo. A mesma cachorrinha do notebook com que eu tocava as canções pra vocês.
Não sei o que a Capitu quis me dizer. Só sei que existirá um dia um avanço tão grande nas comunicações e no coração humano que antigos alunos que quiserem ver seu antigo professor poderão simplesmente pensar e aparecer. E o professor simplesmente sentará no chão com eles, baterá aquele papo, tentará dar algumas indicações e tocará mais alguma canções.
E o professor ainda dirá: “pega uma folha de papel...”. E o antigo aluno ou aluna simplesmente começará a escrever no caderninho que trouxe da nova vida de onde veio.
Só sei que não haverá mais
a menina tímida e guerreira tentando se expressar e mostrar o quanto gosta da gente, mesmo se eu a zoasse sempre com a mesma tolice da mostarda e tirando onda da sua paixão pelos mangás;
o moleque meio grosso e metido a durão, que na verdade era um ser tão leal quanto a própria definição de lealdade, por isso ele tentou dizer tanto no último dia, ele não queria que acabasse;
a pequenina mais tímida ainda, que lá do seu silêncio recebia cada texto, filme e música com um grito interior; o grito de sua vontade de viver após encarar tantas adversidades;
o garoto contestador de tudo que um dia começou apenas a dialogar e ajudar a acordar uma turma toda com sua atitude;
a menina-âncora que não saía do lugar e não parava de falar enquanto semeava alegria e esquentava nosso corpo e alma com o mate quentinho que trazia de seu povo e coração;
a doce menina recém-chegada que tinha medo de mostrar a verdade de seu coração e um dia descobriu que “tenho certeza que não vim parar à toa aqui. Existia algum propósito...”;
o menino preguiçoso que várias vezes se transformava num mini rocky balboa pelo tamanho, enorme, de seu coração; o porão, o porão... já dizia o grande Rocky.
o moleque que mergulhava em cada debate com a mesma vontade e paixão que despejava no tatame de seus sonhos, e esse moleque ainda sabia, muitas vezes, me mostrar como essa aula era importante;
a menina mais sofrida, e mais valente, aquela que um dia teve a coragem de expor sua história de vida na frente de todos, porque seu professor debiloide que não tinha preparado aquela aula inventou de pedir para cada um contar a sua história, e ela seguiu tendo coragem de falar as coisas mais importantes;
A menina ex-emburrada que cada vez mais ia deixando a birra por aquele rosto sublime de quem olha com amor e recebe com amor. A menina que um dia lhe disse que tinha letra feia de homem e quase a perdi por isso. Sorte que naquele tempo ainda tínhamos aquela canção:
Temos muito tempo
temos todo o tempo do mundo
Sorte que um dia ela começou a escrever com uma beleza rara, mesmo com aqueles garranchos (haha, brincadeira!).
Sorte que um dia ela, que odiava ver meus vídeos, me disse que agora amava ver filmes, e teve questão de me dizer isso com uma gratidão no tom de voz e olhos que dizia tudo.
Não foi tempo perdido.
Nunca era com vocês.
“A próxima vez que te ver quero vê-lo muito muito feliz... espero poder ouvir você contar que ensinou surf para sua filha”, disse a guerreira da mostarda.
Sim, sonho com isso. Mas hoje, mesmo triste demais pela partida de vocês, sinto-me muito feliz por ter ensinado alguma coisa e, sobretudo, aprendido tanto, com vocês.
Então me abraça forte
E diz mais uma vez...
Obrigado por essas aulas-encontros-terapias inesquecíveis.
Obrigado por terem tornado essas aulas em experiências de aprendizados e amor.Obrigado por tanta força e afeto sincero por seu professor.
Obrigado por suas últimas redações.
Obrigado por sua última frase, mas não sei respondê-la, minha querida:
“Vou sentir sua falta... e agora “quem é que vai nos proteger?”
PS – Esse texto é também para todos os outros que começaram o ano junto com a gente.
Para a menina que participava tanto e olhava como o coração tão transparente que ela tinha, e ainda tinha aquele maravilhoso sotaque engraçado.
Para a moça que mesmo tão bela tinha ainda mais bonito o olhar e suas palavras doces como música
Para a nossa querida ex-mais briguenta que um dia se transformou na mais meiga, e ainda tinha a coragem de torcer pela gente e dizer isso para nos animar
Para o cara que parecia ser mais reservado mas que um dia, após aquele filme do Che, percebi ser um grande coração sonhando com um mundo melhor, para todos
Para o mais vagabundo mas um vagabundo como Carlitos – humano, querido, engraçado e afetuoso como um filho.
PS 2 - O texto é também para todos os moleques e meninas especiais que um dia tiveram a honra de estudar, aprender e viver com essas pessoas inesquecíveis.
Você sempre foi especial... Lembra da garotada da EAS como te adorava?????
ResponderExcluirBons tempos!!!!
Um forte abraço,
Lu
Puxa, Zé, como sempre me afoguei nas lágrimas e quase não consegui terminar de ler...
ResponderExcluirÉ muito bom saber Zé, que nossos filhos tenham ao ser redor uma pessoa que consegue descobrir o lado bom de cada aluno, rebelde ou não...Parabéns pelo texto.
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